Projeto discute desigualdade vivida por pesquisadores com filhos

Uma pesquisa realizada em maio com 1.650 docentes aponta que 82% das pesquisadas consideram negativo ou bastante negativo o impacto da maternidade na progressão de sua carreira acadêmica. O estudo é uma iniciativa do Parant in Science, projeto que discute como a chegada dos filhos afeta a carreira de cientistas no Brasil, criado por 7 pesquisadores (seis mães e um pai) em 2017.   

A fim de desenvolver seus trabalhos científicos, pesquisadores buscam os recursos, normalmente, em agências de fomento. Tais agências, porém, exigem produtividade dos cientistas e essa exigência não leva em conta o impacto da chegada dos filhos na vida dos pesquisadores.. 

Em entrevista ao Nexo, a bióloga Fernanda Staniscuaski, professora do Departamento de Biologia Molecular e Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e uma das responsáveis pela iniciativa, já teve o apoio recusado a projetos, com a justificativa de não estar produzindo o suficiente para merecer o financiamento. 

Para ela, a recusa é produto de discriminação de gênero por não considerar as especificidades da maternidade. Atualmente, ela é uma das mulheres à frente do projeto que busca lidar com o tema. 

O perfil de pesquisadores com filhos 

Além de chamar atenção para o problema, o Parent in Science pretende subsidiar as reivindicações de pesquisadores e a estruturação de políticas públicas. 

Para compreender melhor o cenário, foram criados questionários online, respondidos por milhares de mulheres e homens para identificar o perfil dos pesquisadores com filhos e as dificuldades que enfrentam. 

Resultados parciais foram apresentados no 2º Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência, realizado em maio de 2019 em Porto Alegre. Os dados seguem sendo coletados e os pesquisadores envolvidos pretendem concluir, até o fim de 2019, um artigo com o detalhamento das informações levantadas. Em maio de 2019, a amostra contava com cerca de três mil participantes. 

– De quase 1.650 docentes mulheres consultadas, a maioria (78%) afirmou ser mãe – Metade dessas mulheres são as únicas responsáveis pela criança 

– Em geral, as entrevistadas se tornaram mães quando ainda estavam no início da carreira em uma instituição de ensino.

– A maioria vivencia a maternidade quando tem entre, em média, dois anos de contratação na universidade e 33 anos de idade 

– Das cientistas, 45% não conseguem, conseguem muito raramente ou têm muita dificuldade de trabalhar em casa, 21% só conseguem de madrugada, quando os filhos dormem 

– Com isso, 52% não conseguiram cumprir prazos de submissão para editais de fomento 

–  82% consideram negativo ou bastante negativo o impacto da maternidade na progressão de sua carreira 

Em uma palestra ministrada em janeiro de 2019, Staniscuaski afirmou que o nascimento dos filhos das pesquisadoras coincide com o pico de suas produções acadêmicas e que elas só conseguem retomar o ritmo anterior de três a quatro anos após a gravidez. 

 

Algumas conquistas recentes em relação ao assunto:

 

Licença prevista em Lei 

Sancionada em 2017, a  lei nº 13.536 instituiu o afastamento remunerado de até 120 dias para bolsistas de pesquisa  nos casos de maternidade e adoção. 

Algumas das principais agências de fomento a do Brasil, como CNPq (O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) já possuíam normas internas que concediam essa prorrogação.

 A lei é importante por ampliar o direito dos pesquisadores pais à prorrogação do prazo da bolsa. 

Pontos extras para professoras com filhos 

Publicado no início de 2019, o edital de um concurso por bolsas de iniciação científica da Universidade Federal Fluminense foi o primeiro a conferir um acréscimo de cinco pontos para candidatos que tiveram filhos nos dois anos anteriores. 

A medida busca compensar o tempo de licença-maternidade, que deixa as pesquisadoras em desvantagem no quesito da produção acadêmica, um dos critérios para a escolha dos bolsistas. Além de mães, pais que adotam crianças e casais homoafetivos que tirem licença para cuidar dos filhos também têm direito à pontuação extra 

Inclusão do período de licença no Currículo Lattes

No fim de março de 2019, após um pedido assinado por cientistas mulheres, o CNPq concordou em incluir uma aba com os períodos de licença maternidade e paternidade no currículo Lattes, principal plataforma digital que registra a produção acadêmica de pesquisadores. 

A mudança ainda não havia sido efetivada em junho de 2019. A menção ao período de licença no Lattes é importante para sinalizar aos órgãos de financiamento a razão para a queda nas publicações no período imediatamente após a chegada dos filhos 

Aumento do período de avaliação de produtividade  

Também em caráter inédito no Brasil, a Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro) incluiu em junho de 2019 em seus novos editais um item que estende em um ano o período de avaliação da produtividade científica no caso de nascimento ou adoção de crianças nos últimos cinco anos.

Leia mais em: Nexo Jornal