O Globo ouviu especialistas sobre os indicadores da área divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na última quarta-feira (19)
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) revelou recentemente que o país está longe de resolver seus principais problemas na educação. Para especialistas, os avanços são muito pequenos, o que configura estagnação na área. Os motivos são o escanteamento do Plano Nacional de Educação (PNE) e a falta de políticas públicas definitivas para reverter questões estruturais, como a evasão.
Os dados da Pnad Contínua, que abrange 211 mil domicílios em todo o país, apontam que existem 11,3 milhões de analfabetos no país. O índice passou de 6,9% da população acima de 15 anos, em 2017, para 6,8% em 2018. Além disso, há 23% dos jovens de 15 a 29 anos que não estudam e nem trabalham. Ainda, 40% da população acima de 25 anos que não têm nem o ensino fundamental completo. Nesse contexto, os pesquisadores afirmam que o fortalecimento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) pode ajudar a reverter a realidade.
“Desde o começo de vigência do PNE, em 2014, a meta de alfabetização está praticamente estagnada. O Brasil Alfabetizado foi extinto em 2016 e turmas de Educação de Jovens e Adultos estão sendo fechadas pelo país. A política do EJA, que atinge uma população em maior situação de vulnerabilidade, é muito precarizada”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Para o coordenador do Núcleo de Inteligência do Todos pela Educação, Caio Sato, é preciso investir nas políticas voltadas para a primeira infância, a fim de diminuir as desigualdades que se instalam desde o início da vida escolar. Sato explica que, segundo pesquisas, crianças de baixa renda, desde o início da vida, têm contato com vocabulário menor que seus pares inseridos em famílias mais ricas, o que poderia em parte ser corrigido com uma educação de qualidade na primeira infância. O educador chama atenção ainda para o fato de que a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), feita pelo MEC, constatou que a alfabetização das crianças brasileiras não tem acontecido de maneira eficaz.
Outra medida contra os baixos níveis da educação é o acompanhamento contínuo dos alunos. Para a especialista em políticas educacionais da Fundação Roberto Marinho, Juliana Leitão, monitorar indicadores das turmas permite achar as dificuldades do aluno antes que se chegue a dezembro, quando ele corre o risco de perder o ano. “Temos uma cultura de repetência no Brasil. Essas dificuldades devem ser descobertas a tempo para os pais serem chamados, o reforço ser convocado para evitar que essa repetência aconteça”, afirma.
A educadora Anna Helena Altenfelder, presidente do Cenpec, concorda que os gestores precisam concentrar esforços na aprendizagem dos estudantes. “Sabemos que a distorção idade-série é um problema seríssimo e causa evasão. Uma questão importante é garantir uma política para que os alunos efetivamente aprendam o que é esperado. Não podemos admitir que o aluno saia da escola sem aprendizagem adequada”, diz.
A Pnad Contínua revela ainda que uma das principais características do problema educacional no país é a disparidade entre brancos e negros e entre as regiões do país. De acordo com Andressa Pellanda, a população negra, do campo, do nordeste e o quartil mais pobre segue defasado em relação à média da população. “Além de não haver investimento em políticas estruturais para jovens e adultos, as parcelas dessa população em maior situação de vulnerabilidade e discriminação são mais afetadas em termos educacionais”, diz.
Crise de financiamento
Na opinião dos educadores o caminho para resolver essas questões ainda é longo e passa pela discussão sobre financiamento. Para Anna Helena Altenfelder, presidente do Cenpec, o país vive um momento chave em termos de traçar estratégias para o subsídio da educação, já que o Congresso precisa aprovar ainda neste ano o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Ela afirma que a proposta da União de elevar para 15% sua contribuição com o Fundeb é insuficiente para dar conta das necessidades da área. Atualmente, a União contribui com 10%.
“Muitos estudos mostram a necessidade de uma contribuição maior por parte da União que, atualmente, é quem contribui com a menor parcela. Se a gente quer um país socialmente justo e economicamente desenvolvido, é preciso fazer um investimento na educação”, diz Anna Helena.
Em 2016 foi promulgada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabeleceu um teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos. Recentemente, já na gestão de Bolsonaro, o MEC foi alvo de um bloqueio de R$7,4 bilhões, dos quais R$2,6 bilhões foram descontingenciados após protestos pelo país.
“Esse cenário de estagnação nos indicadores educacionais e sociais não surpreende, dado que estamos sob um Teto de Gastos para as áreas sociais e de subfinanciamento latente para a educação. Enquanto seguirmos não construindo vagas, não incluindo os sujeitos de direito nas escolas, e não dando condições de permanência e uma educação de qualidade, esses números vão continuar se repetindo”, opinou Andressa Pellanda.
Confira: O Globo
M.B./L.L.