As imagens dos protestos ocorridos no dia 30 de maio, segundo os organizadores em favor da educação, mostrou cenas que começam a revelar a verdadeira índole do movimento, já que parecem aglutinar todo um espectro de pautas que excedem consideravelmente à questão da educação. O modo de operar é bem simples de se entender. Cria-se um “tema atrator” de fachada e que tem o poder de aglutinar pessoas e, depois, introduz-se outras pautas que se deseja avançar. Tal estratégia de camuflar a verdadeira intenção de um protesto colocando um tema atrator, mas indo além dele, foi empregada pelo obscuro “Movimento do Passe-Livre” (MPL), que na verdade tinha por objetivo agregar os estudantes para fins políticos. Na ocasião, contudo, as manifestações do MPL acabaram por motivar outro espectro de pessoas a saírem às ruas e protestar, dessa vez organizados por MBL, Vem pra Rua, etc., e que com ampla participação popular acabou por levar ao afastamento de um presidente e, anos depois, à eleição de outro, deste vez ideologicamente oposto ao que prega a esquerda.
Assim, ao permitirem que sindicalistas e militantes de partidos como PT, PSOL, PCdoB etc. tivessem um lugar de destaque na manifestação fica evidente que a temática do “corte” (na verdade, contingenciamento) de verbas da educação é apenas uma fachada para um protesto contra o governo ou em favor de interesses político-partidários, o que fica demonstrado pela defesa de pautas como “Lula Livre”, ou contra a reforma da previdência.
Infelizmente, estudantes tem sido massa de manobra útil para estes fins, pois parece muito fácil aglutiná-los em torno de causas que são facilmente rebatidas. Por exemplo, o montante de recursos para a educação se divide em gastos obrigatórios ( assistência estudantil, salários e aposentadorias, por exemplo) e gastos de custeio (água, luz, terceirizados, obras equipamentos, realização de pesquisas, etc.). Ora, o que se está retendo para as universidades é 3.43 % do total (gastos obrigatórios + gastos de custeio). Uma vez que os gastos obrigatórios não podem ser alterados este percentual de 3.43% incidirá necessariamente sobre os gastos de custeio e, proporcionalmente, é aí que a retenção corresponde a 24.84% dos gastos de custeio.
Vemos então que grande parte dos gastos da universidade provêm de salários e aposentadorias, assim, não seria razoável pensar que uma reforma da previdência que corrigisse os gastos obrigatórios não poderia direcionar mais recursos para as despesas de custeio que incluem, entre outros, a pesquisa ? Como pode então aqueles que protestam se posicionarem todos contrariamente a reforma da previdência? Parte do problema dos gastos não seria resolvida por ela? Onde está o debate sério e intelectualmente honesto sobre isso ocorrendo na universidade, afinal, da parte da categoria docente a APUFSC só organiza debates convidando quem é contrário a reforma, conduzindo de forma escandalosa a discussão numa única direção e ignorando o que pensam os associados como um todo.
O público que acompanha as manifestações pelo noticiário televisivo e impresso pode ver cenas lamentáveis do ódio incontido de estudantes que queimaram um boneco do Bolsonaro e onde tiveram o cuidado de exibir detalhes bizarros como vestir o boneco do Bolsonaro com uma camisa do Brasil perfurada na altura do abdômen e de manchá-la de vermelho, uma clara referência a facada que ele levou de um meliante movido por motivação política, o que é reforçado por ele ter sido ex-filiado do PSOL. Que tipo de estudantes são esses, e onde é que eles estão sendo treinados para ter tanto ódio? Lamenta-se a morte da Marielle, mas querem a morte de Bolsonaro, e parecem lamentar que a facada não tenha atingido seu objetivo. Que gente é essa, afinal? Façamos a seguinte comparação. Na manifestação do dia 19 de maio, a favor do governo, não vimos nenhuma manifestação de ódio como aquela, mas ali também havia vários jovens estudantes presentes na manifestação pró-governo, o que indica que há uma diferença marcante de postura e de atitude entre um e outro grupo de estudantes.
Vimos também em São Paulo uma outra multidão enfurecida que cercou e assediou um repórter da Jovem Pan que cobria a manifestação pela educação. Mais uma vez nos perguntamos que tipo de estudantes são esses, e onde eles aprendem a ter tanto ódio ? Não seria isso reflexo de uma possível doutrinação revolucionária que eles receberam e continuam recebendo nas instituições porque passaram?
Não podemos tirar as razões do ministro da educação de endurecer contra docentes quando alega ter recebido reclamações de pais e estudantes alegando terem sido coagidos a participar da manifestação. Corroborando o ministro Weintraub, é um fato que há pessoas na universidade estimulando protestos usando os meios institucionais para isso. Aqui mesmo na UFSC, na ocasião da primeira manifestação pela educação, um colega se achou no direito de usar o e-mail institucional do CFM para enviar um e-mail coletivo convocando os professores para a manifestação e mencionando coisas esdrúxulas como “batucada”, dando um mau exemplo de utilização do e-mail institucional que deveria ser reservado para assuntos mais sérios e acadêmicos (batucada, certamente, não é uma delas).
Enfim, esta é a universidade brasileira, uma estrutura que precisa ser questionada. Aqui na UFSC podemos começar pelas paredes pichadas com dizeres: “Pau no **** de todos os políticos”, “Pau no *** do pré-cálculo”, e toda sorte de desenhos, alguns de cunho sexual, e palavras de ordem que não fazem nenhum sentido. O que vem na mente é: Como podem esses que vão as ruas protestar pela educação acharem que é legal pichar paredes? Onde estamos nós que naturalizamos isso, alguns chegando a desfaçatez de defender a depredação de patrimônio público como uma forma de protesto e depois cobrar do governo mais verbas para a educação. Devemos questionar também se somos tão bons quanto pensamos ser quando vamos as ruas protestar por mais verbas na educação, afinal, o público que nos financia pode se perguntar porque não temos nenhuma universidade entre as 200 melhores do mundo? O público pode também comparar nossa produção acadêmica com a de nossos pares em universidades lá fora e daí tirar conclusões se estamos no mesmo nível que eles ou não, e, caso não estejamos, decidir que nível de financiamento devem ter as universidades.
Vivemos em meio a contradições, mas finalmente chegou o tempo em que a universidade pública precisa ser exposta como qualquer outra instituição pública, mostrando suas virtudes e vícios, afinal aquele que paga a conta deseja saber se vale a pena financiar esta engrenagem toda.
Professor do Departamento de Matemática