No Chile, informalidade e capitalização ameaçam criar “bomba social”, diz executivo
De acordo com um estudo publicado no ano passado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o modelo da capitalização, proposto na reforma da previdência do governo Bolsonaro, falhou em 60% dos países onde foi adotado. Entre 1981 e 2014, 30 países fizeram reformas para adotar esse sistema de forma total ou parcial, a grande maioria deles na América Latina e leste da Europa. Até o ano passado, 18 desses voltaram atrás e reverteram pelo menos parte das mudanças. Para a OIT, “é possível afirmar que o experimento fracassou”.
Na capitalização, cada trabalhador é responsável pela própria aposentadoria: seu benefício ao se aposentar é calculado de acordo com a quantia que contribuiu quando esteve em atividade. Quem contribuiu menos, recebe menos. Hoje, no sistema de repartição, os trabalhadores na ativa sustentam os inativos, e todos têm direito a se aposentar, independente de tempo de contribuição.
O estudo, conduzido por um time de cinco economistas, identificou 18 países que privatizaram a previdência e depois voltaram atrás. Em ordem cronológica do ano da reversão, os países são Venezuela (2000), Equador (2002), Nicarágua (2005), Bulgária (2007), Argentina (2008), Eslováquia (2008), Bolívia, Estônia, Látvia e Lituânia (2009), Hungria (2010), Croácia e Macedônia (2011), Polônia (2011), Rússia (2012), Cazaquistão (2013), República Tcheca (2016) e Romênia (2017).
Os lugares que ainda têm o sistema de capitalização são Colômbia, Chile, Peru, Uruguai, México, El Salvador, Costa Rica, República Dominicana, Panamá, Armênia, Nigéria e Gana.
A recomendação da OIT é que o benefício da aposentadoria seja de no mínimo 40% do salário-base do trabalhador após 30 anos de atividade. Países que adotaram a capitalização, porém, ficaram com valores abaixo dessa média, como na Bolívia, onde os benefícios eram de cerca de 20% do salário. O número de pessoas cobertas pela seguridade social também caiu nos países analisados, já que em alguns deles a contribuição não era obrigatória.
O estudo conclui que a desigualdade aumentou em países onde a previdência foi privatizada, já que a redistribuição de riquezas através do sistema previdenciário e dos encargos sociais que empresas pagam diminuiu. A desigualdade de gênero também subiu, já que mulheres paravam de contribuir durante períodos de maternidade e por isso tinham benefícios menores.
As reformas não resolveram o rombo nas contas públicas desses países, dizem os economistas, uma vez que os custos da transição foram muito elevados. Durante a transição, o governo precisa bancar, sozinho, a aposentadoria dos trabalhadores inativos, bem como daqueles que contribuíram por muito tempo no sistema de repartição. Esses custos sempre excederam qualquer previsão, como por exemplo na Argentina, onde se imaginava gastar 0,2% do PIB com a transição. O valor real acabou sendo 3,6%, ou 18 vezes mais.
“Bomba social”
O Chile foi o primeiro país do mundo a privatizar sua previdência, em 1981. Hoje, 38 anos depois, o aumento no trabalho informal ameaça deixar uma geração inteira de pessoas sem aposentadoria. É o que alerta Alfonso Swett, presidente da Confederação da Produção e Comércio do Chile.
Para o executivo, “o aumento da informalidade minou o sistema de capitalização e o transformou numa bomba social porque o governo não adotou as políticas públicas adequadas”. 33,5% dos trabalhadores chilenos são informais, ou 2,4 milhões de pessoas. Como não há sistema alternativo, trabalhadores informais, que não contribuem, já vislumbram que não terão benefício na velhice e exigem a volta do sistema de repartição.
Swett afirma que a situação atual de seu país é um alerta para que o Brasil escolha com cautela seu modelo. Aqui, 45% dos trabalhadores já são informais.
V.L.