Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, Vikas Pota, CEO da fundação que concede o prêmio Melhor Professor do Mundo, interpreta os cortes na educação como opção de governo que afeta o futuro das gerações
“Os professores brasileiros se destacam porque têm dedicação e amor ao que fazem. Imagino o quão longe o ensino do País poderia ir se houvesse incentivo e apoio à profissão”, afirma Vikas Pota, CEO da Varkey Foundation, instituição que organiza o Prêmio Melhor Professor do Mundo, que concede US$ 1 milhão ao vencedor. Nas últimas três edições, três brasileiros ficaram entre os dez finalistas.
Em visita ao Brasil, Pota se reuniu com educadores e representantes de ONGs e fundações da área.
Confira os principais trechos da entrevista realizada pelo Estadão:
Os três brasileiros que ficaram entre os finalistas do Prêmio Melhor Professor do Mundo têm em comum o fato de desenvolverem projetos que mudaram a realidade de suas escolas, que estão inseridas em um contexto de pobreza, violência e baixos índices educacionais. É preciso mudar as condições externas que interferem no ensino?
Quando a criança se sente ameaçada ou tem problemas, ela não aprende. Para melhorar a qualidade da educação, toda a sociedade tem de ter comprometimento, responsabilidade e enxergar que essa mudança é a prioridade. Uma educação de má qualidade é como um câncer lento: pode demorar 15 ou 20 anos para se enxergar os efeitos devastadores. Ao fim, não há mais o que fazer, porque aquela geração de crianças já se graduou, já perdeu a chance de estudar e ter um futuro melhor. Em menos de três anos, o Brasil teve três governos, sete ministros. Quem vai ser responsabilizado por essa tragédia?
Melhorar a educação no Brasil é uma questão urgente?
Mesmo que houvesse apenas uma criança para se beneficiar desse esforço, ainda seria uma questão urgente. E vocês têm milhões de crianças e jovens que dependem disso.
Neste momento, a educação é alvo de contingenciamento de recursos. É, inclusive, o ministério com maior redução orçamentária. Como o senhor vê essa política em curso?
O Brasil tem um desafio grande na educação e quem deveria pensar na prosperidade da nação está fazendo exatamente o oposto. Optaram (com o contingenciamento) por diminuir as chances de melhora e a perspectiva das futuras gerações. Para quem está liderando essa política, eu diria: você já pode ter saído do governo quando essas crianças tiveram idade para entrar no mercado de trabalho, mas elas saberão que vocês foram os responsáveis pela atual situação.
Além dos cortes, o ministro da Educação e o presidente têm acusado professores e universidades e pedido que os alunos gravem os docentes que estiverem fazendo “doutrinação”. Como o senhor vê essas declarações?
Salas de aula precisam ser espaços de segurança para que o professor tenha tranquilidade em trabalhar. Quando você diz ao jovem, “pegue seu celular, filme seu professor e o denuncie”, que mensagem você está passando? A de que alunos e professores estão em lados opostos, você acaba com o ambiente de segurança necessário para o aprendizado. Isso é loucura. Conheci inúmeros professores e tenho certeza de que eles não pensam em ideologia quando estão em sala de aula. Eles pensam em como ajudar o aluno a aprender, a ter sucesso na escola e fora dela. Eu encorajaria esses governantes a repensarem essa postura e a começar a pensar em como trabalhar com o sistema de educação, não contra ele. Elegeram os professores como inimigos, eles que são, e deveriam ser reconhecidos, como os maiores aliados da melhora do ensino.
Há um ponto em comum na política de países que hoje ocupam o topo dos rankings internacionais de avaliação de ensino?
Isso não deveria ser uma grande surpresa, mas o que eles têm em comum é que trabalharam com os professores – e não contra eles. Os países que têm os melhores resultados no Pisa não reinventaram a roda. Eles trabalharam com evidência científica, valorizaram e treinaram os professores.
Em 2018, a Varkey Foundation publicou o Índice Global de Status de Professores. Dos 35 países avaliados, o Brasil foi o último, aparecendo como o que mais desvaloriza o professor. Precisamos tratar urgentemente desse assunto? O mais triste é que, se fizermos uma nova avaliação, vocês devem continuar no último lugar. O sistema educacional de vocês está quebrado, é preciso urgentemente reunir esforços para valorizar a educação e os professores.
Na sua opinião, o mundo tem encarado o debate educacional com a seriedade necessária?
Estamos muito longe disso. Basta ver o que está acontecendo no seu País. Ainda temos governos que, no momento de crise, decidem cortar dinheiro da educação. Que recado é esse?
Confira: O Estado de São Paulo