No mundo desenvolvido, universidades e outras instituições de pesquisa são financiadas majoritariamente com recursos públicos – isso vale até mesmo para as universidades que cobram mensalidades. No caso dos Estados Unidos, 60% do dinheiro para a pesquisa vêm dessa fonted+ na Europa, 77%. Há poucas semanas, para garantir a “prosperidade em longo prazo”, a Alemanha anunciou o investimento de 160 bilhões de euros no ensino superior e em pesquisa científica para a próxima década. Embora o Brasil enfrente desafios que as nações mais ricas não conhecem, mesmo por aqui não dá para imaginar que haverá desenvolvimento sem cuidar desse setor.
Antes mesmo de assumir o cargo, o ministro das Ciências, Tecnologia e Comunicações Marcos Pontes anunciou que uma de suas prioridades seria incentivar parcerias entre empresas e universidades públicas no País, para que o setor privado investisse mais em pesquisa. Para as instituições, recurso é sempre bem-vindo. Mas a declaração também pode reforçar um discurso falacioso repetido ultimamente: a ideia de que, por si só, o capital privado – seja via parcerias, endowment (doações de ex-alunos, por exemplo) ou cobrança de mensalidades – seria a salvação para o financiamento da ciência e da universidade.
O reitor da USP Vahan Agopyan afirmou que estudos já feitos na instituição mostram que o dinheiro vindo de eventuais mensalidades não chegariam a 8% do orçamento. “Uma universidade de pesquisa é cara”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo. Para Mauro Bertotti, professor do Instituto de Química da USP, “essas instituições requerem vultosos recursos para cumprir suas funções, pois elas geralmente mantêm hospitais universitários e museus, executam numerosos serviços de extensão, formam a elite dos professores do País e nelas são desenvolvidas pesquisas que dependem de insumos e equipamentos sofisticados.”
Assim, o ensino básico não pode ser comparado com ensino superior. “A amplitude das ações desenvolvidas em uma universidade pública é infinitamente maior do que a das praticadas na escola básica, restritas ao ensino, e isso explica por que o cálculo total de recursos por aluno é uma falácia”, afirmou em artigo no Jornal da USP.
Otaviano Helene, professor do Instituto de Física (IF) da USP que há vários anos acompanha as políticas universitárias pelo mundo, diz ser impossível para as maiores universidades financiar o grosso do seu orçamento com mensalidades, fundos de endowment e outros recursos privados, como fazem algumas poucas e pequenas instituições nos Estados Unidos, como Harvard, que tem 6.700 alunos na graduação – a USP tem 59 mil.
“As pessoas acham que Harvard pode servir de modelo, mas Harvard é uma exceção, mesmo dentro dos Estados Unidos. É uma universidade pequena e privada, as grandes universidades públicas americanas têm centenas de milhares de alunos. Assim como Yale, Stanford e Universidade da Pensilvânia, no nordeste americano, todas pequenas, privadas e com finalidades muito específicas. Aqui parece que queremos imitar as exceções.” Ele chama a atenção também para a relevância da educação superior mantida pelo governo naquele país: de acordo com dados de 2016 da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), 73% dos estudantes de nível superior norte-americanos estão matriculados em universidades públicas.
Nos Estados Unidos, a Fundação Nacional de Ciência (NSF) relata que o Governo Federal investiu 118 bilhões de dólares em pesquisa só em 2017 – valor distribuído entre universidades, agências nacionais (como a Nasa) e indústria. 2,7% do PIB norte-americano são aplicados em pesquisa, de acordo com a Unescod+ o Brasil investe menos da metade: 1,3%.
A porcentagem do orçamento federal aplicada no investimento em pesquisa e desenvolvimento também mantém-se mais ou menos constante desde a década de 1980, de acordo com a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), ficando acima de 10% para os gastos discricionários (não obrigatórios).
Universidades Norte-americanas
Olhando especificamente para as universidades norte-americanas, o investimento público é crescente desde a década de 1990, como mostra a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), com dados da NSF. Em 2017, quase 60% dos recursos para as universidades vieram do Governo Federal e dos estados norte-americanos.
Recebendo cerca de 2% do total do orçamento federal dos Estados Unidos, os programas de ensino superior daquele país representam uma grande parcela dos investimentos em educação, como aponta o estudo Federal and State Funding of Higher Education, da organização não governamental The Pew Charitable Trusts. Cerca de metade do orçamento do Departamento de Educação dos EUA foi dedicado ao ensino superior em 2013. O financiamento da educação superior também vem de outras agências federais, como os Departamentos de Saúde e Serviço Social e a Fundação Nacional de Ciência (NSF). O setor conta ainda com dinheiro dos estados: a educação superior foi a terceira maior área de gastos do fundo geral estadual em 2013, atrás apenas da educação básica e do Medicaid, sistema de saúde do país.
Universidades Europeias
Como nos Estados Unidos, em sua maioria as universidades europeias são não somente públicas, mas também financiadas pelo Estado: os governos são a principal fonte de recursos das instituições, de acordo com dados do Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), respondendo, em 2015, por 77% da receita total.
A professora da Unifesp Esther Solano conta que em seu país de origem, a Espanha, as universidades também têm sofrido com falta de recursos, principalmente em momentos mais acentuados de crise econômica – apesar de cobrar taxas anuais dos alunos. “Os custos das matrículas não garantem um autofinanciamento, e também passamos por algo parecido ao que está acontecendo aqui, com críticas a áreas supostamente “inúteis”, e uma certa pressão social para que cursos considerados secundários e com poucos alunos, como filosofia grega, por exemplo, fossem fechados.”
Segundo a professora, “cortes são feitos em muitos locais, principalmente em momentos de crise”, mas ela ressalta nunca ter visto em nenhum local ataques contra a universidade sendo feitos como no Brasil agora, “com essa virulência e ressentimento”.
Apesar de não ser contra o ingresso de recursos privados na Universidade pública, Esther chama a atenção para uma discussão mais ampla. “Eu até acho que sim, os recursos privados poderiam ajudar, mas não é essa a questão principal. Acredito que a educação deve ser pública e gratuita por princípio. Por um princípio republicano e democrático: o Estado tem obrigação de dar educação de qualidade para seus cidadãos, pois é uma das mais importantes formas de combater as desigualdades”, defende.
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