Bióloga que coordena projeto nacional cogita ir embora do país
O contingenciamento de recursos do governo federal atingiu em cheio a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O órgão do MEC, responsável pela grande maioria das bolsas de estudantes de pós-graduação no Brasil, congelou 3.500 auxílios ociosos. Porém, muitos desses recursos estavam em processo de remanejamento e já tinham quem esperasse por eles. Na UFSC, 70 bolsas foram cortadas. A Apufsc conversou com duas pós-graduandas afetadas. Elas fazem parte do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFSC, que tem conceito 5, nota dada pela Capes a cursos de excelência em escala nacional.
Mariana Mazza, de 31 anos, faz mestrado em Ecologia desde o início do ano, sem qualquer auxílio do governo. Mãe de uma menina de 7 anos, conta com a ajuda da família para se sustentar. “Pra completar a renda, também rodo de Uber no final de semana. É a minha salvação”, afirma a bióloga.
No dia 6 de maio, Mariana teve a confirmação de que finalmente receberia uma bolsa de mestrado da Capes. Ela substituiria outro mestrando que acabara de defender sua tese. No dia seguinte, porém, saiu na imprensa a notícia de que o governo Bolsonaro fez um corte generalizado em bolsas de pós-graduação no país. No mesmo dia, a estudante foi informada de que não receberia mais os cerca de R$1,5 mil por mês.
Desde então, Mariana soube que teria a bolsa de volta como parte do desbloqueio de 1,2 mil auxílios anunciado pela Capes na segunda-feira, 13. Já Anaide Wrublevski Aued, doutora em ecologia, segue sem saber se vai receber seu auxílio de pós-doutorado. Anaide também é bióloga, e trabalha há 7 anos com o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração das Ilhas Oceânicas Brasileiras (PELD-ILOC), coordenado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e administrado em conjunto com 9 universidades.
O objetivo é realizar um monitoramento de como mudanças climáticas têm afetado a biodiversidade do litoral brasileiro, e propor políticas públicas a partir desses dados. A escala do projeto não tem precedentes no país: poucas iniciativas deste tamanho conseguem coletar amostras por tanto tempo sem interrupções.
Porém, se o corte se mantiver, o PELD-ILOC terá que ser cancelado. “O programa ainda tem mais dois anos de financiamento aprovado, mas sem a minha bolsa, não tem como acontecer. Eu cuido de toda a parte de logística, ajudo a escrever os artigos, cooriento os alunos”, afirma Anaide.
Além da sua bolsa, o PELD-ILOC também perdeu sete auxílios de iniciação científica. Desde 1º de maio, quando os recursos foram bloqueados, Anaide tenta contato com a Capes, sem sucesso. Ela só foi entender por quê não tinha acesso ao dinheiro quando a instituição divulgou uma nota no seu site anunciando os cortes. “Essa medida tem um efeito catastrófico”, diz a pesquisadora, emocionada. “Estamos no escuro. Todo dia entro no sistema para ver se desbloquearam as bolsas.”
Para Anaide, esse corte é o último de uma série de precarizações, e acelera seus planos de sair do país. “Eu estou tentando ir para o Canadá. Não vejo perspectiva nenhuma para quem trabalha com educação e meio ambiente. Vai ter essa fuga de cérebros, infelizmente.”
Mariana também quer seguir a carreira de pesquisadora. A bióloga é natural de Itaituba, uma cidade de cerca de 100 mil habitantes às margens do rio Tapajós, a 1300 quilômetros de distância de Belém do Pará. Graduada pela Universidade Federal do Pará (UFPA), mora há um ano e meio em Florianópolis, quando passou para o programa de pós-graduação em Biologia Celular. Após alguns meses, resolveu trocar a especialização, e em dezembro de 2018 foi selecionada para a pós em Ecologia, com início em fevereiro.
O projeto de pesquisa de Mariana é um estudo de conservação das três espécies de cavalo-marinho presentes no litoral brasileiro, analisando sua estrutura genética. “Queremos saber como proteger essas espécies, e a partir daí utilizar o modelo para proteger outras”, explica. A paixão pelos bichos vem desde a graduação: os cavalos-marinhos estão no papel de parede do celular, no pingente, na tatuagem no braço. Para ela, sua perspectiva de futuro passa invariavelmente pela universidade pública. “No Brasil, a gente só faz pesquisa sendo professora universitária.”
A pró-reitora de Pós-Graduação da UFSC, Cristiane Derani, irá a Brasília em junho para se econtrar com a Capes e tentar reverter os cortes de bolsas na universidade.
Victor Lacombe