Oitenta mil bolsas e 11 mil projetos do CNPq em risco de suspensão por corte de recursos

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico sofreu corte de 80%, comprometendo a continuidade de projetos científicos

 

Cerca de 11 mil projetos e 80 mil bolsas do CNPq correm risco de não serem pagas no segundo semestre por causa do corte de  41,9% nos investimentos do Ministério da Ciência anunciado recentemente pelo governo. Em entrevista ao jornal DW, o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, afirma que a ciência brasileira será destruída  caso o bloqueio no orçamento não seja revertido. “Esses cortes representam um ataque sério ao desenvolvimento e à própria soberania nacional”, diz.

 

A Lei Orçamentária de 2019 previa investimento de R$ 5,1 bi de reais para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Com base neste valor, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) avaliou que a verba seria suficiente para pagar bolsistas até setembro. Porém, como os investimentos foram reduzidos quase à metade, estima-se que o CNPq conseguirá financiar os projetos apenas até julho.

Os cortes no CNPq acontecem desde 2016d+ repasses para bolsas que eram de R$ 1,1 bi hoje somam R$ 784 milhões. A metade dos bolsistas financiados pelo Conselho fazem iniciação científica e recebem entre R$100 e R$ 400 por mês. A outra metade, composta por mestrandos e doutorandos, recebem entre 1,5 mil e 2,2 mil reais mensais, valores que não recebem reajuste desde 2013.

 

Estima-se que as primeiras pesquisas a serem afetadas são as que dependem de laboratórios, que já começaram a ficar sem manutenção, sem materiais e estrutura. De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, cientistas brasileiros foram pioneiros em descobrir a conexão entre o Zika vírus e a microcefalia, por exemplo. Isso só foi possível pois na época havia condições materiais para a realização das pesquisas científicas.

 

Agora, com o corte de 80% nos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão responsável por financiar a infraestrutura de instituições científicas, as pesquisas estão ameaçadas. “Há um desmonte do sistema nacional de ciência e tecnologia, colocando em risco grupos de pesquisa constituídos nos últimos anos”, afirma Moreira.

 

“O atual corte pode afetar grandes projetos como o Sirius e o Laboratório Nacional de Luz Síncotron, que o Brasil construiu a duras penas, ou o Laboratório de Ciência e Computação (LCC), que podem não ter condições de operar sem manutenção”, diz.

De acordo com o presidente da SBPC,  há cerca de 20 anos as ciências no Brasil recebiam muitos investimentos. Durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o MCTIC viveu um período de prosperidade e as verbas foram aumentadas progressivamente. O ápice aconteceu em 2010, com investimento de R$ 8,6 bilhões  (em valores atualizados, quase R$ 10 bilhões). Em 2013 foi investido valor semelhante, o que sugeriu uma consolidação na cultura de investimentos em ciência. A partir de 2014, no entanto, iniciou-se a crise, que se estende até os dias de hoje, onde os orçamentos do ministério passaram a sofrer cortes constantes.

No governo de Michel Temer o Ministério da Ciência e Tecnologia incorporou o das Comunicações e sofreu retenção de 44% dos investimentos previstos para 2017. O orçamento fechou em R$ 3,77 bilhões, o menor dos últimos 12 anos. A situação se mostrou um pouco melhor em 2018, com o anúncio de um investimento de R$ 4,7 bilhões na pasta mas, como houve novos cortes, o pagamento das bolsas referentes ao mês de dezembro sofreu atraso, o que fez o CNPq iniciar 2019 com um rombo de R$300 milhões.

As cooperações internacionais também são prejudicadas com a contenção de investimentos.  De acordo com a diretora do escritório regional do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) no Brasil, Martina Schulze, a incerteza quanto ao financiamento das instituições de ensino superior brasileiras fez com que as  universidades alemãs também freassem. Segundo ela, o DAAD investiu cerca de 11 milhões de euros para bolsas e projetos com parceiros brasileiros em 2016. Em 2018, esse valor foi reduzido para 8,7 milhões de euros.

O presidente da Academia Brasileira de Ciências Luiz Davidovich, defende que o protagonismo das nações está baseado muito mais no poder do conhecimento que no poder bélico. “O que vai acontecer com o Brasil num mundo que valoriza cada vez mais o conhecimento? A resposta é óbvia: vamos nos atrasar cada vez mais em relação a outros países”, diz.

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M.B/L.L