Já que o mês de março é o mês de luta das mulheres, é bom lembrar que as mulheres camponesas, oriundas de diferentes estados e regiões do Brasil, estão lutando por igualdade de gênero desde o século passado. Ao longo da minha trajetória acadêmica, venho estudando modos como trabalhadoras rurais produzem formas resistência e de novas existências em lutas pela igualdade de gênero. De modo mais específico, oriento a escrita do presente texto com base no estudo que realizei sobre o Movimento de Mulheres Camponesas de SC junto ao doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, no período de 2006-2010.
O MMC/SC, organização estadual do Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil, emerge pelo processo de unificação e construção de um movimento social nacional de mulheres, ocorrido no ano de 2004, mas remonta a uma trajetória de lutas, iniciada nos primeiros anos da década de 1980, como Movimento de Mulheres Agricultoras de Santa Catarina (MMA/SC). Cabe esclarecer que se trata de um importante processo político e historicamente datado, que agregou movimentos autônomos em torno da criação de um movimento nacional das mulheres camponesas. Da experiência que analisei, destaco lutas que se entrecruzam na e pela complexidade da ação política, reivindicações que alertam para a formação de contextos rurais plurais e que contrariam a noção de unidade, mas que fomentam solidariedade e alianças em torno de demandas comuns.
A década de 1980 se apresenta como um marco importante na organização e nas lutas de mulheres pelo reconhecimento profissional como trabalhadoras rurais. Organizadas em movimentos sociais autônomos, estaduais e regionais, questionaram a invisibilidade do trabalho realizado pelas mulheres e protagonizaram enfrentamentos em defesa do direito à profissionalização. Assim, por meio das lutas de gênero e de classe, conquistaram o reconhecimento profissional, direitos trabalhistas e previdenciários, tais como aposentadoria, salário maternidade e auxílio doença.
Nas décadas posteriores, seguiram organizadas, unificaram coletivos e lutas, envolvendo, por exemplo, o direito e o acesso de trabalhadoras à saúde, o fortalecimento da produção agrícola agroecológica, a luta pelo fim da violência doméstica, pela valorização e proteção da vida. As lutas problematizaram posições subordinadas ocupadas pelas mulheres, demandando a construção de relações mais igualitárias na família e na sociedade como um todo. As mudanças culturais, socioeconômicas e subjetivas resultaram da organização das mulheres, da participação e de novas “relações de si para consigo”. São lutas e conquistas que não se limitaram a determinados coletivos, mas foram extensivas a mulheres de outros estados e regiões do país, organizadas em movimentos sociais ou não.
Nas últimas quatro décadas, então, pela formação de militantes no campo das lutas de gênero, as mulheres centraram atenção no reconhecimento como trabalhadoras e em conhecimentos capazes de provocar mudanças em padrões de feminilidade, que circunscrevem as mulheres em tarefas domésticas e em produções destinadas ao consumo da família, historicamente, desvalorizadas no conjunto das atividades desenvolvidas em unidades familiares de produção.
Para além dos limites da casa e das atividades domésticas, militam em defesa de um modelo de agricultura camponesa agroecológica, reafirmando o compromisso relativo ao cuidado com a terra e com a vida. Em suas práticas e modos de vida, desenvolvem técnicas de plantio, de manejo da terra e de animais, que trazem marcas de uma formação crítica, construída em parceria com outras mulheres. Juntas, lutam por relações mais igualitárias entre mulheres e homens, por respeito e pela preservação da vida no planeta. Pelas mãos das mulheres incidem as condições de possibilidade de um novo modelo de agricultura.
Por fim, nas lutas que emergem em determinadas conjunturas políticas, é importante destacar que marcar posições ocupadas pelas mulheres é crucial para a ação política, para a conquista de direitos e a garantia de uma vida digna. Em tempos de naturalização das diferenças entre os sexos, as quais inferiorizam, banalizam formas de discriminação e forjam desigualdades, de retrocessos no campo dos direitos humanos e dos direitos humanos das mulheres, é preciso reafirmar a legitimidade das lutas de gênero, bem como o lugar central que as mulheres ocupam na produção de modos de vida e de trabalho.