Focar na reforma da Previdência para enfrentar a crise fiscal do Brasil é uma saída equivocada e tornar a seguridade social um produto financeiro causará grandes danos sociais. É o que defende Paulo Kliass, especialista em políticas públicas e gestão governamental e ex-secretário de Previdência Complementar do governo FHC. Ele reforça que a maior despesa do governo federal é com o pagamento de juros de dívidas públicas.
“O ministro Paulo Guedes vai à televisão e diz que vamos economizar R$ 1 trilhão em dez anos [com a reforma]. Por que não economizar [esse valor] em três anos [com o fim do pagamento dos juros]? A despesa com juros é a que menos colabora do ponto de vista de crescimento da economia”, disse o economista durante evento na Fundação Getúlio Vargas nesta semana, noticiado por veículos como Uol e Estadão.
“Há 20 anos o foco que se tem para resolver o déficit fiscal é cortar despesas, e isso a gente já sabe que não dá certo”, disse no seminário sobre a Previdência. Ele criticou os argumentos usados pelo governo de que a Previdência é a causa do déficit fiscal, lembrando que a Previdência é um direito do cidadão brasileiro, e que, no caso do trabalhador rural, 99,2% dos benefícios “é a fortuna de um salário mínimo ao mês”, ironizou, e nos beneficiários urbanos, 80% receberiam menos do que um salário mínimo.
“É uma loucura, completamente equivocado deixar de fazer um modelo de Previdência que quem tem mais, contribui mais, e quem recebe menos contribui menos”, disse, sobre a atual proposta do governo. “Instituir no País o que se pretende é destruir o regime público, que propõe solidariedade, e é um direito de cidadania e transforma em mais um produto financeiro”, alertou.
Kliass, que trabalhou no governo federal entre 1998 e 2000, afirmou que o Chile está na miséria porque optou por esse modelo, e o Brasil estará assim daqui a 35 anos. Ele criticou o discurso de Bolsonaro sobre o combate à privilégios. “Os privilegiados, que são 1% da população, estão intocados nesta reforma porque não pagam um tributo sobre a renda que recebem. Há uma lei que garante a isenção para lucros e dividendos para acionistas”. E questiona: “No ano passado, foram R$ 50 bilhões gerados em lucros e dividendos, e nenhum centavo foi recolhido em tributo. Mas os privilegiados são os que recebem um salário mínimo?”.
Em artigo publicado recentemente, Kliass analisou o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre sistemas públicos de aposentadoria na América Latina e Europa. No texto, ele demonstra que 60% dos países que optaram por sistemas privados de previdência voltaram atrás entre 2000 e 2018, motivados pelos impactos negativos, tanto sociais como econômicos.
“À medida que uma geração entra na inatividade e começa a buscar os benefícios previdenciários supostamente previstos no contrato estabelecido, eis que a realidade do engodo se manifesta”, defende. “Esse é o processo vivenciado pelo Chile atualmente, quando a geração dos que iniciaram no novo regime financeirizado da década de 1980 foi buscar seus benefícios. O país que Paulo Guedes chama de Suíça da América Latina está com uma geração de idosos muito pobres e na miséria”, afirma.
M.B. / N.O