Quem detém o conhecimento detém o poder! Sempre?

Fomentar iniciativas  para a divulgação científica de qualidade no Brasil tem uma importância gigantesca na ocupação de um espaço que tem sido ocupado por pseudociências, muitas vezes mais eficientes para chegar até a população leiga e conseguir o seu apoio. A atribulada vida dos cientistas, na sua maioria absoluta também professores universitários, faz com que essa atividade, de modo geral, não seja sequer cogitada como parte da rotina. Infelizmente, os órgãos de fomento à pesquisa brasileiros têm um discurso muito distante da prática: no discurso, atividades de divulgação são muito valorizadas, mas na prática, não são nem avaliadas. Fiz parte do Comitê Assessor do CNPq por alguns anos e acrescentar algum mérito a um um pesquisador com base na sua preocupação com a divulgação científica chegava quase a ser motivo de galhofas por parte de alguns.

Pois bem, esse espaço tem sido ocupado por divulgações pseudo- científicas ou mesmo crendices sem sentido e, com o poder de comunicação das redes sociais, expande-se rapidamente. Dessa forma, a frase que encabeça esta matéria perde força, ao menos, pontualmente, mas não a longo prazo, como tem sido demonstrado pela história.

A humanidade se beneficia dos avanços científicos a cada minuto, desde os remédios que mantém a pressão arterial e o colesterol sob controle até a comunicação com a família via WhatsApp ou a recepção de dados, documentos, filmes e fotos pela internet. Mas não necessariamente reconhece esses benefícios ou os associa à avanços da ciência. O poder econômico por traz da difusão de determinadas (des)informações ou do estímulo do consumo de bugigangas e curas enganosas também é um fator a ser considerado.

Um interessante fato que ilustra o poder temporário mantido apenas por interesses econômicos ocorreu no final do século XIX e início do século XX, quando a tecnologia para iluminar (literalmente) a vida dos cidadãos passou a ser dominada pelos cientistas. Até então, as cidades dependiam da utilização de óleos ou de acendedores de lampiões a gás (fato recentemente relembrado no filme Mary Poppins) e dentro das casas várias opções eram comuns, indo desde lamparinas, com uso de óleos vegetais e de peixes até velas e sofisticados candelabros, fontes de alguns incêndios ao redor do mundo. Pois bem, deu-se então uma importante disputa sobre quem e como seria feita a iluminação das cidades americanas, conhecida por Guerra das Correntes. De um lado, o genial Nikola Tesla, (que por estranhas razões não costuma receber os mesmos louros que Newton e Einstein, mas que foi tão ou mais genial) financiado por George Westinghouse, defendendo a corrente alternada. Do outro lado, Thomas Edison, detentor de uma patente que praticamente lhe proporcionava domínio da distribuição de energia elétrica nos Estados Unidos, defendendo a corrente contínua. Em termos não muito técnicos, pode-se dizer que a corrente contínua dissipa energia (por efeito Joule) e tende a ser ineficiente em distribuições a longa distância. A corrente alternada, por sua vez, requer altíssimas tensões que não são adequadas dentro de uma residência, o que obriga o uso de transformadores. A Guerra das Correntes foi uma das mais sujas disputas econômicas da história e envolveu desde a eletrocução de animais de grande porte e de um condenado à morte a shows pirotécnicos (alguns protagonizados pelo próprio Tesla) para convencerem o público leigo do perigo (no primeiro caso) e da eficiência (no segundo) da corrente alternada. Como qualquer pessoa um pouco mais interessada no que ocorre quando liga um interruptor ou coloca o celular para carregar deve saber, a corrente distribuída no Brasil e no resto do mundo é a corrente alternada e, portanto, Tesla (o cientista) saiu vitorioso da contenda perdida por Edison (o especulador milionário).

Também fazem parte da tentativa de manchar a imagem da ciência discursos que alegam os interesses econômicos por trás do trabalho dos cientistas e o fato das ciências básicas não gerarem aplicações imediatas. De fato, existem casos de pesquisas financiadas por empresários (infelizmente, caso raro no Brasil e portanto, quase 100% dos cientistas trabalham também como professores universitários), mas a maior parte da ciência mundial é financiada com recursos públicos, seja nos Estados Unidos, na Europa, no Japão, ou em qualquer lugar, o que garante uma grande autonomia aos cientistas. Com relação às ciências básicas, há exemplos sem fim que demonstram a sua necessidade. Vou citar dois deles. O efeito fotoelétrico (elétrons emitidos de um metal quando absorvem ondas eletromagnéticas, ou seja, luz) não era passível de ser explicado pela física clássica e foi um dos precursores no desenvolvimento da física quântica. Einstein explicou o fenômeno em 1905 e mais de cem anos depois, ainda estão sendo desenvolvidas e aprimoradas células fotovoltaicas para uso na energia solar. Um outro caso é o da supercondutividade, descoberta em 1911 por Onnes num laboratório de pesquisa, explicada apenas em 1957 por Bardeen, Cooper e Schrieffer e ainda não totalmente explorada tecnologicamente. Portanto, aplicações de qualidade requerem tempo e necessitam um embasamento científico consistente. Um país que se afasta do desenvolvimento científico, fica a mercê de terceiros e cada vez mais distante de sua auto-capacitação.

Voltemos então, à divulgação científica de qualidade, instrumento necessário para que os brasileiros sejam capazes de distinguir o que é ciência do que é pseudo-ciência. Ela precisa ser estimulada e só vai se dar de forma eficiente quando houver uma real aproximação entre as humanidades, desvalorizadas acadêmica e financeiramente com as exatas e biológicas, que não dispõem de mecanismos de comunicação adequados. E essa urgente aproximação só pode ocorrer nas Universidades.

 

Débora Peres Menezes é Professora Titular do Departamento de Física, bolsista de produtividade em pesquisa 1B do CNPq, atual representante brasileira na Comissão de Física Nuclear (C12) da International Union of Pure and Applied Physics (IUPAP), membro do Comitê Gestor do INCT – Física Nuclear e Aplicações e Presidente do Grupo de Trabalho sobre Questões de Gênero da Sociedade Brasileira de Física. Foi Pró-Reitora de Pesquisa e Extensão da UFSC de 2008 a 2012.