Carta de um Professor ao Ministro da Educação

Valter Lúcio de Pádua*

Senhor Ministro,

Tomei conhecimento por diversos meios de comunicação que V. Exa. se referiu a brasileiros como sendo “canibais”, que roubam objetos de hotel e assentos salva-vidas de aviões. Senti-me pessoalmente ofendido com a fala de V. Exa. e imagino que a grande maioria dos brasileiros que tomaram conhecimento do fato estão igualmente indignados.

Sei que V. Exa. não nasceu no Brasil e muito me preocupa imaginar que os brasileiros que conheceu o tenham feito ter uma impressão tão negativa de nós. Preocupa-me ainda mais pensar que para compor sua equipe no Ministério da Educação V. Exa. tenha convidado os brasileiros que o fizeram ter essa imagem do nosso Povo. Ao que parece, além de não conhecer os brasileiros honestos que viajam a trabalho ou a lazer, V. Exa. não teve oportunidade de conversar e dar a devida atenção a brasileiros que jamais andarão de avião e nem se hospedarão em hotéis, por não terem recurso para isso. Garanto-lhe, Senhor Ministro, que são pessoas maravilhosas! V. Exa. deveria conhecê-las e trabalhar arduamente para dar a elas educação gratuita e de qualidade, garantir a elas o direito de estudar numa Universidade, ao invés de dizer que o ensino superior deve ser para uma “elite”. V. Exa. acha que tem o direito de dizer quem faz ou deve fazer parte da “elite” intelectual deste País? Se se dedicasse a conhecer de verdade os brasileiros, conversando também com as pessoas mais pobres, V. Exa. iria se surpreender e se encantar com nosso Povo, iria descobrir que há pessoas não alfabetizadas que são muito mais inteligentes do que Ministros de Estado. Não confunda, Senhor Ministro, “escolaridade” ou “poder econômico” com “inteligência”.

Fiz essa introdução, Senhor Ministro, antes de dizer que sou servidor público, professor universitário concursado, e que isso muito me orgulha. Como servidor, cabe-me ensinar a V. Exa., caso ainda não saiba, que temos o Código de Ética Profissional do Servidor Público Federal, Decreto n. 1171 de 22 de junho de 1994. No referido Decreto é citado que “(…) Tratar mal uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral (…)”. No mesmo Decreto consta como um dos deveres fundamentais do servidor público:

(…) ser cortês, ter urbanidade, disponibilidade e atenção, respeitando a capacidade e as limitações individuais de todos os usuários do serviço público, sem qualquer espécie de preconceito ou distinção de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, cunho político e posição social, abstendo-se, dessa forma, de causar-lhes dano moral(…).

 

Na minha modesta avaliação, V. Exa. está causando dano moral a todos nós brasileiros e demonstrando não ter nem preparo nem dignidade para assumir o nobilíssimo cargo de Ministro de Estado da Educação. Não o conheço, Senhor Ministro, mas caso seja do tipo de pessoa que tem arroubos autoritários, cabe-me citar mais um dos deveres fundamentais do servidor público, citado no Decreto n. 1171, que é “(…) ter respeito à hierarquia, porém sem nenhum temor de representar contra qualquer comprometimento indevido da estrutura em que se funda o Poder Estatal”.

Escrevo, portanto, sem nenhum temor, pois estou agindo em defesa do Povo brasileiro que foi ofendido por V. Exa. Cabe a mim essa atitude como servidor público. É esse Povo de quem V. Exa. tem uma imagem tão deturpada que paga nossos salários, é a ele que devemos dar satisfação, é para ele que devemos trabalhar, é dele que devemos cuidar.

É sempre tempo de aprender, Senhor Ministro. Desejo que V. Exa. tenha humildade para aprender algo ao ler esta carta escrita por um servidor público vinculado ao Ministério da Educação. Espero também que outros servidores públicos a leiam e que não se intimidem por superiores hierárquicos que não honram o cargo que ocupam.

* Valter Lúcio de Pádua é Professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais. Texto reproduzido com autorização do autor.