A educação é “a bala de prata que todos procuravam para o desenvolvimento”, diz Ben Ross Schneider, professor de ciências políticas do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Especialista em políticas educacionais, ele foi o co-autor de um relatório da Organização das Nações Unidas sobre o tema em 2016 e dirige o programa MIT-Brazil.
Sobre temas em alta no Brasil, como uma suposta influência política na sala de aula, ele alerta que “o debate cultural não deve diminuir o debate do que é mais importante, que é a qualidade da educação”.
Ben também diz que nem dinheiro nem dados são soluções mágicas, e que um dos maiores desafios é achar consenso entre os atores para que as políticas sobrevivam aos ciclos políticos.
Em 2019, sai pela Editora Elsevier o livro “Inovando no Brasil”, uma parceria entre pesquisadores do MIT e do Senai e que também será publicado nos Estados Unidos.
O professor está no Brasil para fazer um estudo comparativo com países como Equador e Chile, citados por ele como referência de melhoria da qualidade em educação.
Na segunda-feira, ele participou de um debate sobre o tema com ex-alunos do MIT e especialistas da área e deu uma entrevista exclusiva para EXAME:
EXAME – Qual é o principal desafio do Brasil na área de educação: recursos, gestão ou currículo?
Ben Schneider – Não é questão de recursos. Vários indicadores mostram que eles já estão em nível suficiente para melhorar muito o desempenho. O gasto em educação é de cerca de 5,5% do PIB, bem alinhado com a taxa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Tem que gastar mais em termos absolutos, mas em termos proporcionais já está em nível bom.
Se você olhar para os estados que mais melhoraram no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre 2005 e 2017, não tem relação nenhuma com o PIB per capita. Estados entre os mais pobres – como Pernambuco, Ceará e Roraima – melhoraram muito, enquanto alguns dos mais ricos – como São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina – não melhoraram tanto.
Um problema parece ser é a falta de continuidade entre as políticas. O que precisamos fazer para ter mais estabilidade?
Você tem razão. Eu calculei o tempo médio que um ministro de Educação dura no cargo na América Latina: menos que dois anos, e nesse tempo não se pode fazer quase nada de impacto no desempenho em sala de aula. É preciso pensar em como manter um grupo para tocar reformas de longo prazo.
Isso se vê em casos como Equador e Peru, onde o mesmo governo ficou por 10 ou 11 anos. Não recomendo que países tenham um presidente só por décadas, mas sim que pensem em alguma maneira de esticar o horizonte daqueles que fazem as políticas públicas.
No Chile, por exemplo, se troca muito o governo, mas as políticas continuam e acho que isso vem mais de um forte grupo na sociedade civil que as debate e do consenso entre os atores. São de direita ou de esquerda, que se alternam no poder, mas chegam a um acordo em temas como a reforma da carreira dos professores. Essa poderia ser outra maneira de ter uma visão de longo prazo.
Não acompanhei de perto, mas vejo é que a reforma da base comum teve exatamente isso: os ministros iam mudando a cada um ou dois anos, mas com a pressão da sociedade civil, reformaram o currículo.
Há um debate mundial sobre vincular aumentos de salário e outros benefícios dos professores com a melhora de performance dos alunos. Isso é correto? Como deve ser feito?
Às vezes eu brigo com economistas, que acham que é só ligar o salário ao desempenho dos estudantes e está tudo resolvido. Não acho que seja tão simples, especialmente se forem indicadores de curto prazo em apenas uma dimensão.
Se for o caso, tem o problema de teaching to the test: só se ensina o que sabe que vai aparecer na prova. Isso pode resultar em crianças que sabem muito do exame, mas não tem uma educação geral.
E também não acho que a motivação do professor seja ter 5% a mais de salário neste ano porque os alunos foram melhor na prova. É preciso pensar em uma carreira de professor de longo prazo.
Vou citar novamente o Chile. Eles mudaram tudo: a formação do professor, deixaram o recrutamento mais seletivo, duplicaram o salário geral e criaram etapas de carreira, cada um com salário maior. Para atingir o próximo nível, há uma avaliação multidimensional, de 360 graus. Isso sim poderia ter um impacto na motivação.
A atração de bons professores é um desafio em vários sistemas. Além de salário, o que motiva?
Mesmo duplicando os salários, você não vai atrair os melhores. Falo muito da motivação intrínseca: que gostem de estar na sala de aula e de ver as crianças progredindo. Isso sempre será grande parte do interesse do professor, mas muita gente nem sabe que poderia gostar de estar nessa carreira.
Tenho meus problemas com esses programas, mas veja o valor de algo como o Teach for America, em que selecionam estudantes universitários e dizem: “venha dar aula por alguns anos, só para ter ideia do que é”. Não são pessoas formadas para isso, mas são os melhores.
O programa é muito seletivo e traz para a carreira muitos que nunca iriam, mas gostaram de dar aula. É uma forma. Mas todos os casos exitosos aumentaram muito o salário básico, então precisa pensar nesses recursos também.
Outro suposto dilema é sobre formar os alunos para a “vida” ou para o mercado de trabalho. Como isso deve ser pensado, considerando a rapidez das mudanças tecnológicas?
Há uma crítica fundamentada de que não se pode ter um regime de cursos muito rígido para um mercado de trabalho que muda a cada ano. Muitas críticas à educação técnica e vocacional são por causa disso: você vai aprender a mexer com uma máquina de metal, por exemplo, que quase não existe mais pois é tudo automatizado.
É preciso mudar a ideia dessa educação para ter mais flexibilidade e uma base para aprender como aprender, porque [os alunos] provavelmente terão que mudar de especialização. Mas precisa começar com algo.
Em outro estudo, fizemos comparações: na Europa, em média um quarto dos que vão para o ensino secundário fazem uma área técnica, similar aos países da Ásia e na China. Na América Latina é menos de 10% e no Brasil é 5%. Realmente falta essa área, e não precisa ser a velha escola técnica.
Parece que há dois extremos com um buraco no meio. Tem quem queira continuar estudando, mas sem ir para a universidade.
Exato. Muitos países têm algo que não é universidade, mas é educação superior. Pode fazer um curso de um ano, dois anos, dependendo da área.
Os EUA tem o sistema de community college, o Chile também tem um bom sistema. Não sei bem como isso está no Brasil, mas acho que não está muito bem desenvolvido.
Também precisa convencer as famílias que essa educação presta. Muitos pais de família só querem se for um ensino universitário, mas precisam ver que você pode fazer dois anos, ter um diploma e com isso ganhar mais até do que muitos trabalhadores de colarinho branco.
A baixa qualidade da educação também é um obstáculo econômico. Você citou o caso do Chile, que tem a melhor renda da regiãod+ você vê ligação entre melhoria do ensino e performance econômica?
Eu diria que é a bala de prata que todos procuravam para o desenvolvimento. Há um consenso muito forte entre os economistas de dizer que a educação deve vir em primeiro lugar para promover o desenvolvimento especialmente no século XXI.
Um slide que eu mostro, do Ricardo Paes de Barros, mostra vários países que aumentaram o número de anos de escolaridade e ao mesmo tempo aumentaram a produtividade. Só no Brasil é que aumentaram os anos de estudo sem impactar a produtividade. Isso mostra claramente que há um problema de qualidade. Estão lá, mas não estão aprendendo.
Também se fala muito sobre a armadilha da renda média, e todos os economistas dizem que educação tem que fazer parte da solução para escapar dela.
As duas coisas também estão relacionadas com inovação e agregar valor tecnológico.
Outro estudo que fizemos foi olhar para trás e ver o nível de educação e de investimento em inovação dos primeiros países que se tornaram ricos. Os casos da Europa e EUA, que fizeram esse salto nos anos 60 e 70 e com menos educação e menos investimento em pesquisa e desenvolvimento.
Já no caso dos países de renda média hoje, foram maiores os níveis de investimento em PED e de escolaridade. Era mais fácil no século XX, agora é um desafio maior e que exige mais investimento.
Outra dificuldade é a demora entre intervenções e resultados, e como mensurá-los. O que você acha de usar grupos de controle?
Você está falando da onda de pesquisa experimental: um grupo que tem um tratamento e um grupo de controle que não tem, e então você pode avaliar exatamente o que significa tal intervenção para o desempenho na sala de aula.
É sempre importante avaliar, mas esses estudos não se acumulam em um projeto geral de reforma sistemática. Você pode dizer que isso ou aquilo causa melhora de 10%, mas todos são em contextos diferentes, então não pode somar tudo e dizer que sabe exatamente o que fazer.
Já critiquei estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial por estarem muito focados nessa ideia de que precisam ter todos os dados antes de fazer qualquer coisa, sendo que muitos países já melhoraram significativamente seus sistemas sem avaliar tão precisamente e sem esperar os resultados. Há muita coisa que já é fácil dizer que vai melhorar a qualidade, como ter um professor na sala de aula.
Um dos debates que vem se colocando no Brasil é do ensino à distância. Qual o seu real potencial?
Seria difícil dar uma porcentagem. É importante reconhecer que a tecnologia pode trazer as últimas notícias e métodos para as salas de aulas com acesso à internet, mas o momento de otimismo e a ideia de que isso vai substituir o professor já passaram.
O MIT tem muitos MOOCs [Massive Open Online Courses, os Cursos Online Aberto e Massivos], mas eles não têm tido o impacto esperado. Não há milhares de pessoas fazendo cursos à distância sem intervenção de professores. Os que tem maior sucesso são aqueles com mais intervenção e interação do professor, corrigindo provas e ouvindo perguntas dos estudantes.
Grande parte da ideia de educação a distância é passiva: mandam a informação e esperam que elas serão recebidas. Mas acho que é preciso mais interação com o aluno para obter o impacto ótimo.
Outra discussão no Brasil é a do projeto Escola sem Partido, que alega haver proselitismo na sala de aula. Essa discussão está colocada em algum outro país? Você vê isso como problema aqui?
Não creio ter visto em outro país algo parecido com essa ideia de que há uma ideologia na sala de aula e que ela pode influenciar. Sempre tem a guerra cultural. Antigamente, ela era muito mais sobre o papel da Igreja na escola e esse debate existe muito, e em todos os países.
Já o temor da “influência comunista” acho que já não existe. Claramente era uma preocupação na época da Guerra Fria, mas recentemente não tenho visto.
É importante ter em mente que o debate cultural não deve deslocar e diminuir o debate do que é realmente mais importante, que é a qualidade da educação.
Qual recado você daria ao novo governo sobre o que precisamos fazer para melhorar a educação?
Ter a educação como prioridade quase número 1 e ser a coisa mais importante da agenda do governo. Na prova do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos] tem uma escala de 0 a 6, e eles dizem que estudantes que chegam na idade da prova de 15 anos e não passam do nível 2 terão enormes dificuldades em seguir com a educação superior e capacitação mais técnica ao longo da vida.
Isso quer dizer que os que não passam do nível 2 estarão condenados para sempre a um emprego não qualificado, e mais de metade dos brasileiros não passam deste nível. Estão formando todos os anos gerações de pessoas que não terão acesso ao mundo moderno. É por isso que precisa ser prioridade.
Fonte: Revista Exame