Por que o Brasil deveria mudar sua Embaixada em Israel para Jerusalém?

O conflito entre Israel e Palestina está entre os mais desafiadores da atualidade. A migração judaica para esse pequeno território, correspondente a um quarto do estado de Santa Catarina, iniciou de modo sistemático no início do século XX. A perseguição aos judeus na Europa, a partir da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha em 1933, intensificou esse processo. Os embates por terra e recursos com a população árabe local não tardaram a começar. Em 1947, a ONU, em reunião presidida pelo representante brasileiro Oswaldo Aranha, aprovou um plano de partilha para a Palestina, em que os 700 mil judeus residentes ficariam com 53% do território e a população árabe, de 1 milhão e 400 mil pessoas à época, ficaria com 47%. Com as sucessivas anexações, hoje o Estado de Israel corresponde a 80% do território, bem mais do que a previsão legal. Confrontos militares entre Israel e a população árabe da Palestina, apoiada pelos Estados vizinhos, são frequentes e já ceifaram milhares de vidas, chegando a aproximadamente 2 mil pessoas assassinadas por ano atualmente, além  de feridos e deslocados.

Israel tem sua capital em Tel Aviv, e a Palestina em Ramallah. Jerusalém é uma cidade disputada pelos dois povos, e desde 1947 a ONU reconhece que sua administração precisará ser negociada pelas partes. Em 1980 e em 2017 essa posição foi reafirmada pela Assembleia Geral da ONU, que considera nulas quaisquer tentativas de alteração no estatuto especial de Jerusalém. A mudança da Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém não contribuirá para o processo de paz. Ao contrário, deverá aumentar as tensões e a violência no Oriente Médio e trazer consequências negativas para o Brasil em termos de segurança e comércio.

Países árabes que costumam apoiar a Palestina, como Egito, Iraque e Arábia Saudita, são compradores importantes de produtos agrícolas brasileiros, sobretudo carne e açúcar. Em 2017, essas trocas bateram recorde, chegando a mais de 13 bilhões de dólares. O Brasil é superavitário nessa relação, sendo que apenas os Estados árabes foram responsáveis por 10% do total do saldo positivo da balança comercial brasileira no ano passado. Assim que o Egito soube da intenção do novo governo brasileiro de mudar sua Embaixada, cancelou a recepção de uma delegação brasileira composta por diplomatas e empresários e chefiada pelo Ministro de Relações Exteriores. Essa é uma pequena amostra dos potenciais efeitos comerciais danosos para o Brasil dessa decisão.

Ademais, o apoio formal a Israel tem o potencial de incluir o Brasil na lista de países alvo de atentados terroristas, uma vez que nos indisporia com todos aqueles que apoiam a causa Palestina no Oriente Médio e no mundo muçulmano, algo de que a neutralidade histórica nos resguardou até agora. Fazê-lo seria ideologizar a política externa brasileira, incluindo o país em um dos maiores tensionamentos internacionais desde o final da Segunda Guerra Mundial, cujas proporções seriam imensuráveis. Não sendo hoje alvo do terrorismo, não temos legislação, aparato de segurança e tampouco treinamento de forças policiais ou militares para seu efetivo combate. Se nem mesmo os Estados Unidos, maior potência militar da história, conseguem o combate efetivo às ameaças assimétricas, não se pode esperar um resultado bem-sucedido caso nos tornemos alvo direto de grupos fundamentalistas. E o risco seria imediato, devido à forma descentralizada de operação dos ataques terroristas contemporâneos.

O Brasil mantém relações diplomáticas com Israel desde 1947, e com a Palestina desde 1975, sendo que ambos possuem representações em Brasília. A posição histórica do Brasil em sua política externa é de se manter neutro no conflito palestino-israelense. O apoio à criação do Estado da Palestina é fruto não do apoio a um dos lados, mas de uma construção multilateral internacional de apoio à solução de dois Estados, visão endossada por praticamente todos os membros da ONU – à exceção dos Estados Unidos e de Israel. Considerando a condenação formal da ONU em 2017 ao anúncio da mudança da Embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém, pode-se prever o mesmo no caso do Brasil. Isso poderia levar a um significativo isolamento brasileiro em meio à comunidade internacional com efeitos negativos para o país.


Clarissa Dri, Daniel Castelan e Lucas Pereira Rezende

Professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina