A anunciada retirada do ensino superior do MEC (Ministério da Educação), levando-o para a pasta de Ciência e Tecnologia na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL), representaria uma quebra no sistema educacional. Isso, na prática, pode dificultar em um primeiro momento a articulação com a educação básica e ações como a reformulação dos cursos de formação de professores.
O plano foi confirmado pela equipe de Bolsonaro. O objetivo seria abrir espaço para a atuação do MEC na educação básica, uma vez que o ensino superior, sobretudo a gestão das instituições federais, requer muita energia da pasta.
Não há detalhes ainda sobre o que de fato será transferido e o que continuará sob a alçada do MEC. Há indicação, no entanto, de que as pastas da Cultura e Esporte serão anexadas à Educação.
Essa mudança esvaziaria o orçamento da pasta. O ensino superior (incluindo instituições federais, hospitais universitários, ProUni e Fies) representou 64% do gasto primário em educação em 2017, segundo relatório do Tesouro Nacional. Bolsonaro e sua equipe já indicaram que não pretendem ampliar o orçamento da educação.
A ideia da transferência do ensino superior para a Ciência e Tecnologia não é nova. Essa proposta tem sido foi aventada desde o governo Itamar Franco (1992-1994) e também apareceu nos governos seguintes, explica a educadora Maria Helena Guimarães de Castro.
Projeto de lei do ex-senador Cristovam Buarque (PPS), de 2009, já prevê o mesmo, mas não avançou. Na curta passagem pelo MEC, no início do primeiro governo Lula, Cristovam defendia que o MEC aumentasse sua atuação na educação básica.
Para Castro, a estrutura do MEC é, de fato, “muito pesada e fragmentada”. Mas a simples transferência do ensino superior para outro ministério traria dificuldades, por exemplo, na regulação do ensino superior privado e na articulação de políticas como a de formação de professores. Castro foi secretária-executiva do MEC no governo Michel Temer, presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) no governo Fernando Henrique Cardoso e secretária estadual de Educação de São Paulo.
Também há dúvidas sobre impactos com relação às instituições federais de ensino caso a transferência não venha acompanhada de outra alteração: a autonomia financeira das federais.
“Ao passar as universidades do MEC [que são as federais] para a Ciência e Tecnologia continuaria sem resolver a questão da autonomia financeira, que é um tema importante. As instituições precisam definir uma série de coisas que dependem de uma autonomia”, diz. Castro cita a experiência das universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp), que desde 1989 gerenciam seus orçamentos a partir de fatia fixa do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
Cabe ao MEC, hoje, responsabilidades que vão da educação infantil à pós-graduação. Isso confere, segundo especialistas, uma atuação sistêmica sobre a área. Essas competências são previstas na Lei 13.502, aprovada em 2017 pelo governo Michel Temer –que atualizou lei anterior, de 2003.
Um exemplo dessa atuação sistêmica, que pode ser dificultada com a mudança: a esperada reformulação dos cursos de formação de professores, por exemplo, depende da articulação entre as instituições de ensino superior e as políticas de educação básica, como a Base Nacional Comum Curricular (que prevê o que os alunos devem aprender).
A maior parte dos professores que atuam na educação básica se forma em instituições privadas de ensino superior. “Todo programa de formação está e precisa estar articulado com diversos órgãos do Ministério da Educação, em conversa com estados e municípios, onde estão os professores”, diz Castro.
Há dúvidas também sobre o posicionamento de órgãos ligados ao MEC.
O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) atua tanto na educação básica quanto na educação superior. Esse é responsável por transferências de recursos para escolas e redes como para o Fies (Financiamento Estudantil). A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) também tem atuação na educação básica.
As escolas de educação básica estão sob responsabilidade de municípios e estados. O MEC tem a função de induzir políticas educacionais, como, por exemplo, currículo de alunos e de formação de professores, distribuição de recursos.
Com exceção das universidades, a grande maioria das instituições de ensino superior não faz pesquisa, mas se dedicam ao ensino. Assim, especialistas também não veem sentido em vincular a etapa ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Há ainda o caso dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. As unidades, espalhadas pelo Brasil, oferecem pesquisa, ensino superior e ensino médio. No ensino médio, as médias dos institutos no Enem, por exemplo, são mais altas que a média das escolas privadas.
A avaliação e regulação do ensino superior privado, por exemplo, também se articulam hoje entre diferentes secretarias do MEC, o Inep e a Capes (que avalia os programas de pós-graduação). “Tirar o ensino superior privado do MEC não me parece adequado”.
O Forum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular soltou comunicado para afirmar que espera a confirmação oficial para se posicionar.
Após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Temer chegou a acabar com o Ministério da Cultura, mas diante de pressões do setor cultural, voltou atrás.
Fonte: Folha de São Paulo
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