“Quando morto estiver meu corpo, evitem os inúteis disfarces os disfarces com que os vivos procuram apagar no morto o grande castigo da morte (…)
Descubram bem minhas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, o que fizeram, em que sexos demoraram seus dedos sabidos?
(…) Quero ser um tal defunto, um morto tão acabado, tão aflitivo e pungente que possam ver, os meus amigos, que morre-se do mesmo jeito como se vão os penetras escorraçados, as prostitutas recusadas, os amantes despedidos, que saem enxotados mas voltariam sem brio a qualquer gesto de chamada
Meus amigos, tenham pena – senão do morto - ao menos dos dois sapatos do morto. Olhem bem para eles. E para os vossos também!”
(PEDRO NAVA (1903-1984) – (“O Defunto”)
Depois de tudo. Quando será? Sempre acreditamos que nos salvaremos pela memória. Como saberemos?
A vida é menos heroica, não napoleônica.
É só ela. Nascer do sol, pôr do sol. E escrevemos. Todos já escreveram.
São toneladas de meditações. E, no fundo, nunca entendemos.
Nunca entenderemos.
O que queria dizer? Tudo e nada. E o que consegui escrever, é quase menor do que a epígrafe de mestre Pedro Nava ( bem melhor, diz tudo e não engana ninguém).
Porque na vida social precisamos de disfarces, blindagens, camuflagens., representações, máscaras.
Alguém disse que envelhecer não é para frouxos.
Estar doente, com enfermidade incurável, também não é.
Uma pessoa pediu que eu tivesse mais fé.
Para quem não está doente, está fora de ti” e das tuas dores diárias, é mais fácil…
Nós sabemos (e NÃO queremos “saber”) QUE TODA A DOR HUMANA É INTRANFERÍVEL.
Ninguém carregará os nossos trambolhos e fardos por mais solidariedade que tiverem.
Não tenho mais idade (ou paciência) para dissimulações.
O ser que me pediu mais fé talvez tenha razão.
Mas somos o que somos.
Há que viver cada dia (e ainda agradecer).
Existem seres amados, sol, um pássaro
Viver também não é fácil - e só digo um clichê, uma platitude, nada de novo.
O diabo sempre ri para mim e pergunta-me se o Deus que me foi ensinado não irá aliviar as minhas dores…
Eu fico em silêncio e, no geral, leio um poema e (pelas minhas raízes) a oração de São Miguel Arcanjo, e tento rezar a prece de São Francisco de Assis que sempre foi o santo de minha predileção. Seria bom ter a fé de guri.
Lamento (mesmo tendo ido à Itália três vezes – na primeira, fugindo da nossa ditadura- não ter ido à cidade natal de Francisco). Ficará para uma outra vida… E ninguém quer ir embora…
Como disse o bardo inglês (tantas vezes citado)“o resto é silêncio”. Depois de tudo…
(Brasília, setembro de 2018)
Emanuel Medeiros Vieira
Escritor