Bolsonaro: notas para compreender a “novidade”

Tenho lido artigos sobre Bolsonaro. De pronto digo que não voto nele.

 

Os jornais limitam o conteúdo dos textos a poucas linhas. Isso dificulta problematizar questões, mormente quando na pauta o nome do pepino chama-se Bolsonaro.

 

Os textos (breves) ou as entrevistas (tendenciosas) com o referido candidato ficam viciados em decorrência de argumentos não desenvolvidos adequadamente, sem contar tudo aquilo que uma assertiva ou hipótese comportam como contra hipóteses, ampliando causas e considerando o (s) efeito (s) colateral (ais) que toda ação social implica. Claro, Messias dá significativa ajuda, muitas vezes não entendendo o que lhe perguntam ou não conseguindo fazer-se compreender.

 

Bolsonaro é isso mesmo. Um personagem prisioneiro dele mesmo, ou da própria imagem caricata no grotesco e no cômico. Uma novidade com e sem aspas. Novo e velho no mesmo conceito.

 

Trata-se de um candidato na medida de nossa tradição autoritária. O autoritarismo é parte do nosso toldo cultural. Nossa esquerda tradicional também não foge à regra. Boulos, por exemplo, me lembra Lula nos anos oitenta. Um jovem representante do que Ruy Fausto (Caminhos da Esquerda) denomina de esquerda neototalitária. Há pensamento socialista antes e após Marx. Também há Marx, ele mesmo e os outros que o lêem. Marx enquanto clássico é texto e contexto (s), situados e lidos de forma aberta/relacional ou fechada/circular, nos tempos e nos espaços onde circula.

 

Há portanto exceções às esquerdas cristalizadas em dogmas. Elas, plurais, reencontram-se constrangidas numa estranha unidade: fora da militância ostensiva, descrentes, alijados, defenestrados ou com dificuldade de se enquadrar na fôrma ideológica=fisiológica (são termos sinônimos) dos partidos ou nas características de seus líderes. A história bem comprova que em regra essa esquerda vencida configura o registro tanto dos erros, equívocos, aberrações e crimes dos vencedores, quanto às alternativas, boas ou ruins, que se apresentavam como contraponto ao status quo. Por isso a utopia igualitária não morreu tampouco o libertarismo. Igualdade e liberdade são valores interligados. O capitalismo subsumiu a liberdade à mercadoria e o comunismo a igualdade a uma homogenização deformante do indivíduo. 

 

Duce ou Fuhrer tardio, Bolsonaro representa uma espécie bufa de neototalitarismo de extrema direita, sem conceitos. Afinal, ideias fora do lugar fazem parte de nossa vida glamorosa na política e na academia. O povo sempre se escafedeu. A questão é como parte desse povo se identifica com figura tão bizarra? Decifra-me ou te devoro poderia ser mote de Messias aos seus fãs e algozes.

 

Bolsonaro é muito mais que um ódio localizado na classe (branca (?), nas “classes médias” ou nas “elites”… d+ juízos reducionistas que aumentam o problema. Ele representa uma força, e uma força define-se nas relações entre forças sociais. Nelas confluem diferenciados setores dispersos em toda a pirâmide social. Bolsonaro é uma figura política com aquele apelo da Esfinge.

 

M.Chauí, M.Tiburi, Jessé Souza, M. Pochmann, tantos outros lulistas orgânicos ou intelectuais “engajados”… ajudam a aumentar a confusão com seus apressados (cadê a dialética, pô?) Inflamados discursos moralizantes que encantam platéias de sempre. O citado Ruy Fausto (Caminhos da Esquerda), um marxista, desconstrói sua colega de UsP, Marilena, a musa petista, preenchendo todas as qualidades do “tipo-ideal” do anti-intelectual.

 

A explicação de nosso drama social é “transferido” para brancos fascistas, elites reacionárias do atraso, classes médias egoístas, nazistas das forças públicas, balaio no qual cabem Ministros do STF e todos que não digam Amém ao Chefe que melhor encarna os desígnios do progresso social…, para seus devotos.

 

Bolsonaro é mais objetivo é seletivo ao eleger seus inimigos, comunistas e corruptos, com pitadas acentuadas de abominável misoginia e homofobia, agora mais mitigadas na reta das urnas. Em termos de “ideias” mistura um curioso xenofobismo casado com estatismo e políticas de abertura não “ideologizadas” no mercado. Não tem nada de bobo.

 

Bolsonaro é militar. Só tolos subestimam isso. Passou pelas Agulhas Negras. Sabe o que é ditadura do proletariado. Sabe que esse mantra produz orgasmos na esquerda sectária que acaba dando direção às burocracias sindicais e partidárias da esquerda tradicionalista. Essa mesma que nos conduziu ao que estamos, ou não? Quer distância de todo alinhamento com essas baboseiras e trapalhadas derivadas do delírio bolivariano. Volto ao campo contrário, igualmente totalitário.

 

Ora, fascismo e nazismo contam sobretudo com o que Marx denominou de um pé proletariado. As massas sempre foram as ovelhas das vanguardas. Hoje é isso, um pouco, mas ovelhas e vanguardas encontram-se confusas, cansadas, frustradas, nervosas e mesmo loucas. O populismo não morreu, mas a força dos heróis está combalida. Isso aponta algo de bom.

 

Bolsonaro foi alimentado por seu negativo, ou extremo. As esquerdas o vitaminaram. Deverá ser derrotado pelas mesmas forças que o ajudam a permanecer, as forças do centro. Esse centro é muito mais que Alkmin. Nesse aspecto Bolsonaro, o ovo da serpente (Igmar Bergman), a peste (Albert Camus), um mal em si, poderá contribuir para a manutenção do jogo democrático. Sim, às vezes manter o que vai mal (a mesmice das alianças do PT e PSDB com as forças mais fisiológicas) pode significar evitar um quadro ainda pior, desestabilizando uma “ordem” já muito desestabilizada..

 

O pior de Bolsonaro é sua crescente aceitação que acompanha seus altos índices de rejeição. Ele é a própria síntese da simplificação da política à “lógica” da exclusão e repressão de todos os fantasmas que ele (re) cria, mas que encontra abrigo nos correlatos nas consciências individuais de seus eleitores. Isso é relevante.

 

O outro pior-equivalente no poder seria qualquer agrupamento apoiado por Lula ressentido. Se esse grupo for mais “puro” ou “poste” de Lula, a grande vingança, se o Lulismo vencer, é uma possibilidade. Mas Hadadd pode trair Lula e isso é parte do cenário.

 

Paul Mason no seu livro “Pós-Capitalismo,” indica que, com a morte do socialismo de caserna e com a autofagia do Capital via dominância da forma rentista (devorando ou “subalternalizando-os ainda mais – quanto a seus espaços e tempos -, parte de outras fracções do Capital), o próprio modo de produção capitalista encontra-se terminal. Ele adverte: ou encontramos um novo modo de desenvolvimento, fundado em outra sociabilidade, não mercantil, ou o eterno retorno aos extremos totalitários é bem possível. Conheço muitos filhotes de Hitler e Goebels e de Stálin e Beria…Bolsonaro é um deles. Mas próximos de meu campo de lutas políticas a progressão geométrica de stalinistas (conscientes ou não) é algo alarmante.

 

O pressuposto das transferências do ressentimento exacerbado na batata ardendo que é Bolsonaro, reduz o campo problemático e anestesia visões alternativas. O símbolo fálico costuma vir acompanhado de duas batatas, ou ovos. A aversão ao candidato militar é diretamente proporcional às narrativas dos setores sociais de defesa dos Direitos Humanos? Em parte. São conhecidos os abomináveis preconceitos de Bolsonaro. Ele se rebela contra uma forma de política e de Estado que o frustra por reconhecimentos (gays), conquistas (cotas) e alguns excessos (escola sem partidos) ou por novas demandas (legalização da maconha)? Mas não mudará muito em relação ao Estado e ao mercado. 

 

Nosso Congresso Nacional é para Bolsonaro como o Partido conservador nos EUA é para Trump, um problema por ele ser ao mesmo tempo à direita dos parlamentares ao propor reformas de conteúdo e ao mesmo tempo ser mais avançado que a bancada de esquerda, por ser contra a corrupção…Sem autoenganos, Bolsonaro vai se adaptar, formatando-se em busca de novos apoios pelo centro, relativizando suas posturas do passado, enfim, vai se adequando ou sequer chegará ao primeiro turno, o que não será fácil. Se eleito, sofrerá o impeachment amplamente apoiado. Mas pode se antecipar e dar um golpe, outra vez, civil-militar.

 

A transferência (ressentimentos) que produz e é reproduzida por Bolsonaro possui muito mais causas. Representa o vazio geral, a desesperança, a apatia, o medo e a loucura de todas as cores. Bolsonaro aproveita as fissuras no bloco histórico e, via carisma (desdenhem os avestruzes), coloca-se como Salvador, acima das classes.

 

O fenômeno Bolsonaro também decorre à falência do “quase-estado” -Arendt, ou anti-estado-estado, com Hegel. Jamais tivemos Estado Constitucional. Juristas liberais confundem desejo e realidade, Kant e Comte. O garantismo das “fases” negativa e positiva nas relações “Estado”/indivíduo”, deveriam também carregar aspas. Quem garante o garantismo senão os interesses, os costumes, as formas culturais, os destinatários, bem como os legisladores, juízes, operadores das ideias em boa parte “fora do lugar” nos quais o arcaísmo reina contrapondo pelos extremos falsificados bolsonitas e lulistas?

 

Bolsonaro revela ou acredita estar imunizado, do horror ao patrimonialismo no qual eu, você leitor, funcionários públicos, empresários-chupeta do “Estado”, parte de uma esquerda pusilânime e/ou de uma direita cínica avessa ao liberalismo político,(no que ele apresentou de revolucionário no século XVIII). Ele representa a direita truculenta, por instinto ou por certa diretiva dos que por detrás dele o orientam e ensaiam efetivar um novo liberalismo vivenciado de maneira incipiente, agora muito mais dissolutivo do que aquele referenciado no velho paradigma liberal-legal…

 

Esse “novo” representa mais que ideologia, pois parte da metamorfose (U.Beck, A Metamorfose) que caracteriza os múltiplos efeitos colaterais de um mundo doente. Esse mundo enlouquecido é nosso produto. Ele responde ao Capital, mas atende às maneiras como aqueles que buscaram ou buscam a ações de resistência, sucumbiram às tentações totalitárias e mercantis (resultante de legados múltiplos, dos socialismos reais à universidade corporativa). Considere-se a corrupção, desproporcional e descarada ao ponto de antecipar a saída de Dilma e a justificar a prisão de Lula, é, sobretudo, o terremoto causado pelo retrocesso que significa Temer acuado no poder, agora “livre”, sozinho para barganhar sua sobrevivência e dos ex-aliados de Lula e de outros ainda mais profissionais que fundaram o Mecanismo (ver o filme de José Padilha). Bolsonaro pensa ter poder para mudar e essa rota.

 

Esse novo liberalismo neoliberal é fortíssimo e ultrapassa a ideologia original. É um projeto estratégico para estruturar as mentalidades numa lógica exclusiva, a mercantil (Pierre Dardot e Christian Laval em seus dois livros, Comum e a Nova Razão do Mundo). Haja colhões para o Messias escapar de tantas heteronomias.

 

Bolsonaro trilha uma intuição respaldada em parcelas significativas do senso comum, esparso, difuso, das classes subalternas ao topo da sociedade. Ilusão diminuir sua força. Penso que seu público não permitirá ganhar mas ele poderá crescer, seguindo a tendência mundial. Na Europa o PFN francês cresce. Na Áustria a ultradireita chegou ao poder. Volto ao Brasil e ao meu umbigo. 2022 está aí, com Copa e Bolsonaro.

 

Quando os quadros do Estado, eu mesmo, ascendemos com mérito seletivo e absolutamente imoral, se consideradas as nossas carreiras públicas (salários e penduricalhos) e parte de nosso déficit público com as dos países “brancos” (?) como Dinamarca, Suécia, mesmo França, nos quais funcionários do estado ganham menos que nós, na proporção comparativa com a massa de salários, temos um escárnio explícito com o “resto” dos abaixo na sociedade. Deixemos de lado esse detalhe. Assim o tomam os eleitores de Messias.

 

As massas ainda possuem um senso de Justiça. Infelizmente hoje mais do que nunca esse senso é definido pelo que sentem e entendem como injusto, concretamente. Privilégios nossos são herança dos favorecidos desde os tempos coloniais, um “anacrônico(?)” arcaísmo que insistimos em colocar como glorioso esforço do indivíduo. O autismo é de grau elevado. Bolsonaro e outros capitalizam, mas aquele candidato tem a vantagem de não ter participado tão organicamente dos blocos de tubarões, PT/PMDB e PSDB/PFL, acompanhados por famintos partidos de aluguel.

 

Que se foda o estado no qual as tetas são maiores que o corpo do ornitorrinco. É a sensação que perpassa a relação cidadão/representação. Bolsonaro é de extrema direita mas nosso progressivíssimo soa como covardia, não apontando o dedo para os crimes e o cinismo dos que fingiam nos representar (e nós, fingíamos ou fingimos estar representados). A questão da violência que a todos atinge, indiscriminadamente, tem na bancada da “bala” e em parte dos evangélicos é uma prova que Bolsonaro soube captar o ambiente reativo da autotutela, ou direito de defesa e justiça com as próprias mãos, posta a insegurança produzida pelo Estado casado com a ordem de mercado vigentes. O caos causa medo. Ela tem uma gênese. Fiquemos na mais imediata.

 

Essa desordem é uma continuidade desde Itamar Franco até Temer, passando pelos governos Lula e Dilma. Implica a opção privatizante do que é lucrativo e de rentabilidades máximas a bancos, desde FHC. Com Lula abriram-se as pernas mais facilmente, em trocas desiguais com um tipo nocivo de agronegócio transgênico (via commodities e por abandono de uma política nacional de alimentos a preços baixos para as camadas mais necessitadas) e abandono do parque industrial, hoje sucateado. O resultado foi o desastre no casamento da esquerda de governabilidade com a racionalidade rentista, em proveito desta, separadamente. 2008 foi a sentença de divórcio nessa aliança pelega (transformismo em Gramsci), ou hegemonia às avessas, conforme livro de F. De Oliveira. Muitos efeitos planejados e reversos desse entreguismo lulista nos arrebentam hoje. A começar pela derrota e desmoralização.

 

Uma certa criminologia do amor tão prenha de religiosidade quanto da inverificabilidade histórica revela esse estado de confusão e grau de “envoltório ideológicos duvidosos” (Ruy Fausto).

 

As Leis penais merecem enquadrar comportamentos ilícitos. Isso não significa nem implica em cadeia, pois sabemos como funcionam os presídios. Mas não significa anuir com certo laxismo com relação aos crimes praticados com menores. Já conhecemos o que suas solturas implicam na captura e formação de delinquentes gestados nas frestas legais pelos criminosos “de maior” que capitalizam essa impunidade amparada em defensores de uma “humanidade” produz mortes.

 

Enquanto os assassinatos praticados por menores forem um problema do vizinho, nosso cristianismo fajuto utilizará discursos abolicionistas ou outros que dissimulam algo que deve ser enfrentados como o fazem outros países. Bolsonaro compreende e nós também (academicamente) essa situação, embora a simplifique, vulgarizando-a num sentido obscurantista. Seus discursos atinge a todos os públicos, em todos os níveis educacionais, em favor das armas, da violência dos particulares, agora sócios de um estado mínimo, delegando suas responsabilidades sociais, para a consecução
,10>a segurança do Capital máximo.

 

Também fomos complacentes com nossa Burguesia, pusilânime. BOLSONARO deve ser enfrentado, MAS O BIGODE DE HITLER não é exclusivo no bode expiatório da vez. Ele “enfeita” os que planejam e asfixia de forma lenta e quase invisível, o futuro.

 

O bigode apresentou-se sob variadas “vias de opções históricas”, prostituídas. Meirellles deveria ter o maior bigode, ou Ciro, ou aquele candidato com a bíblia na não, o que dizer desse outro candidato a Macunaíma, Boulos, e à fã de Aécio, Marina? O povão sabe, por machismo talvez, curiosamente respaldado por mulheres que não votarão na candidata Marina, que homens têm mais chances de ocupar o lugar institucional autoritário ou totalitário da política onde ela se afirma como política menor. O espaço está lá. O lugar. Logo vago a ser preenchido em face de tantas vacâncias.

 

Álvaro Dias é o meu candidato até hoje. Mas não vejo nele, ainda, propostas efetivas. O fato de não ter qualquer implicação na Lava Jatod+ ter renunciado a pensões como governador e senador, exerçam um bom sinal de honestidade e logo confere distinção e crédito. 

 

Alkmin ao menos está nessa merda toda envolvendo os tucanos, mas é o mais avesso aos alambiques da política amigo/inimigo. Claro, aliou-se aos amigos de muito tempo, o PFL de Março Maciel, lembram-se? Mas Alkmin não destila o moralismo dos “donos da virtude”, aí incluído Álvaro Dias. Se não tiver nada denunciado durante a campanha, creio, crescerá. 

 

Discursos moralistas lembram o Palhares, personagem de Nelson Rodrigues. Costumam ser uns filhos da puta.

 

Ressentimentos são sentimentos recrudescidos nas falsas polarizações que ajudamos a criar. Deu nisso. Bolsonaro é parte desse ressentimento, dessa sensação radical de Basta, desse medo do mundo em que vivemos (U.Beck), cuja metamorfose não nos exclui, mas nos implica e responsabiliza, em parte. 

 

O outro tem também é nosso. Bolsonaro é esse imenso e eloquente NÓS! FAZEMOS PARTE DESSA BESTA. Essa a contradição da contradição. Esse o calo em todos os sapatos ideológicos. Estar ciente do tamanho, peso, poder de punch e qualidades do adversário é senso comum até em boxe. Mas estamos em tempo de vale tudo que todo Fla/Flu provoca entre torcidas passionais que não medem esforços em destruir pessoas e instituições.

 

Hora de matarmos esses coveiros da democracia que todos portamos em nossas pesadas e de fétidas mochilas ideológicas.


Edmundo Lima de Arruda Jr.

Professor aposentado