Na quadra histórica em que a sociedade atualmente está situada vemos uma série de tensões e conflitos de direitos. Não raras as vezes, o conflito é estabelecido entre pessoas que realmente possuem seus direitos garantidos na Constituição ou mesmo em Lei Federal e é daí que se necessita de um intérprete para avaliar qual das partes em conflito terá a prevalência do direito assegurado, quando tais previsões se contrapõem.
Nesse sentido, vários foram os instrumentos criados pela administração pública visando garantir a devida e correta interpretação de dispositivos legais, bem como coibir eventuais excessos e/ou danos causados. Como exemplo de tais práticas temerosas citamos o assédio moral, sexual e/ou o abuso de autoridade. No âmbito da Universidade criou-se um importante canal de comunicação com a instituição, a Ouvidoria, que recebe denúnciais, inclusive anônimas, contra todo(a) e qualquer servidor(a) da UFG, incluindo, como não poderia ser diferente, os professores e as professoras.
Por meio da experiência prática do departamento jurídico, verifica-se o crescimento do número de denúncias, em especial anônimas, que buscam somente mitigar a autonomia dos docentes dentro da sala de aula. Infelizmente, o importante instrumento que é a ouvidoria tem sido utilizado de forma estranha ao seu objetivo, em denúncias frívolas e sem qualquer amparo documental, que por vezes é oriunda de pessoas que abusam de seu direito de denunciar, causando um grave prejuízo ao professor, consequentemente, à Universidade.
Tal prejuízo é evidente, pois, no mínimo, o(a) servidor(a) terá que justificar o que aconteceu ou demonstrar que se trata de invencionice, preocupando-se com questão totalmente alheia àquela prevista no tripé constitucional que alicerça a Universidade, ou seja, ao invés de se preocupar com o ensino, pesquisa e extensão, terá que se preocupar com sua defesa no infundado processo administrativo.
Fato é que há uma série de movimentos politico/ideológicos/filosóficos que se contrapõem na discussão do que seria, ou não, correto no processo de ensino, todavia, parece-nos equivocado crer que há uma só verdade e por isso entendemos que a Universidade deve ser o mais plural possível, congregando as várias linhas de pensamento existentes, afim de que o discente, após conhecer e ter contato com as inúmeras formas de pensamento, possa se decidir por qual caminho lhe parece mais adequado seguir.
Outrossim, acreditamos que quanto mais aquele(a) que quer aprender estiver disposto(a) ao diálogo e ao convívio com as linhas de pensamento trazidas nas sala de aula, melhor será seu domínio da matéria, ainda que para criticar ou apontar os equívocos que lhe pareçam existir nas formas de pensamento apresentadas.
Nesse sentido, O Ministro Roberto Barroso ao deferir cautelar na ADIn 5.537 suspendendo os efeitos da Lei n° 7.800/2016 do Estado do Alagoas, expressamente consignou em sua decisão:
37. Há uma evidente relação de causa e efeito entre o que pode dizer um professor em sala de aula, a exposição dos alunos aos mais diversos conteúdos e a aptidão da educação para promover o seu pleno desenvolvimento e a tolerância à diferença. Quanto maior é o contato do aluno com visões de mundo diferentes, mais amplo tende a ser o universo de ideias a partir do qual pode desenvolver uma visão crítica, e mais confortável tende a ser o trânsito em ambientes diferentes dos seus. É por isso que o pluralismo ideológico e a promoção dos valores da liberdade são assegurados na Constituição e em todas as normas internacionais antes mencionadas, sem que haja menção, em qualquer uma delas, à neutralidade como princípio diretivo.
Consignou ainda, no que se refere à liberdade de ensinar, que:
44. A liberdade de ensinar é um mecanismo essencial para provocar o aluno e estimulá-lo a produzir seus próprios pontos de vista. Só pode ensinar a liberdade quem dispõe de liberdade. Só pode provocar o pensamento crítico, quem pode igualmente proferir um pensamento crítico. Para que a educação seja um instrumento de emancipação, é preciso ampliar o universo informacional e cultural do aluno, e não reduzi-lo, com a supressão de conteúdos políticos ou filosóficos, a pretexto de ser o estudante um ser “vulnerável”. O excesso de proteção infantiliza.[8]
O desafio que se lança é a correta utilização do sistema da Ouvidoria por todos, buscando que haja, ao mesmo tempo, a plena liberdade de se efetivar denúncias e pedir providências para coibir abusos e que se evite que comunicações frívolas e sem qualquer amparo fático afete a vida e o bem estar dos servidores e servidoras, que diga-se de passagem têm sofrido efeitos deletérios, inclusive em sua saúde física e mental, por atos puramente irresponsáveis.
Para tanto, cremos que o anonimato e a não responsabilização é, infelizmente, a mola que propulsionam essa enxurrada de denúncias vazias, eis que se cria um sentimento de que “darei um trabalho” para esse ou aquela servidora e nada me acontecerá. Nesse sentido, parece-nos adequado que o nome dos denunciantes sejam preservados pela autoridade que recebe a denúncia, todavia, caso a denúncia se mostre frívola, vazia ou irresponsável, que imediatamente os nomes dos denunciantes sejam comunicados ao(à) denunciado(a) e se instaure um Processo Administrativo contra aquele que utilizou de má-fé a ferramenta da ouvidora.
A crescente valorização da liberdade e autonomia do indivíduo, na sociedade atual, fizeram com que a autoridade do docente ficasse muitas vezes comprometida, sendo comumente confundida com violência e domínio. Por isso, a partir da última década, as instituições têm sido exortadas a trilhar novos caminhos administrativos e organizacionais, baseados na descentralização, autonomia e participação, sinalizando a origem de uma nova cultura escolar.
A ideia de não decidir ou não interferir no destino dos discentes, deixando para estes a construção dos seus próprios significados, não implica, contudo, que o docente não possa apresentar sua linha de pensamento para os estudantes, utilizando da autonomia inerente ao exercício do magistério, dentro da sala de aula, que são essenciais para que a construção e absorção do conteúdo lecionado se deem de forma efetiva e correta.
Através da experiência prática do departamento jurídico, verifica-se o crescimento do número de denúncias, em especial anônimas, que mitigam a autonomia do docente dentro da sala de aula, diminuindo o espectro de atuação deste sobre o aluno, que, não raras as vezes, abusa de seu direito de denunciar, causando um grave prejuízo ao professor, consequentemente, à Universidade e, por fim, a si mesmo, tendo um déficit de aprendizado ensejado pela coação injustificada do professor. Tudo isso motivado, por vezes, pelo sana de um único discente-denunciante, ou até mesmo seu desinteresse na matéria lecionada.
Assim, os professores continuam a perder seu espaço de liderança, fazendo com que seja questionada sua função, o que implica em uma grande perda para a sociedade, vez que a Universidade é o mais importante canal para a produção de conhecimento e inovação científica.
A reiterada conduta de utilização indevida e equivocada do bom instrumento da ouvidoria, causam apenas desestimulo à prática docente, que já enfrente grandes desafios e obstáculos impostos pela crise e corte orçamentário, conduta adotada pelo atual governo, mesmo quando a experiência internacional aponta que para se superar uma crise econômica há que se incrementar o investimento em educação, pesquisa, inovação e produção científica.
A Constituição Federal e legislação infraconstitucional, não obstante, dão suporte para uma atuação autônoma e independente do professor, garantindo a este a máxima autonomia dentro da sala de aula. Legalmente, observamos que a gestão democrática está amparada pela Constituição Federal (art. 206, VI), pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 56, da Lei n° 9.394/1996) e também pelo Plano Nacional de Educação (art. 2º, da Lei n° 13.005/2014).
O que mais se destaca nos enunciados normativos é a centralidade da gestão e do gestor escolar, os quais devem “responsabilizar-se não apenas pelo desenvolvimento do sistema escolar, mas também pela realização dos princípios fundamentais de igualdade de oportunidades educativas e de qualidade de ensino” (FONSECA, M.d+ OLIVEIRA, J.F. ded+ TOSCHI, M.S.).
A gestão da educação acontece em todos os âmbitos das instituições de ensino, desenvolvendo-se primordialmente dentro da sala de aula, onde concretamente se põe em prática o projeto político-pedagógico, deixando de ser uma meta, tornando-se fonte de novos subsídios para tomadas de decisões pelo docente no efetivo exercício do magistério.
A gestão democrática supõe a redefinição do papel do educador, cabendo-lhe o papel de influenciar seus alunos para o envolvimento, por meio do trabalho pedagógico, explicando os objetivos dos conteúdos curriculares e da aula, mostrando a importância de atingi-los para a completa formação acadêmica.
Assim, a participação do aluno é de primordial importância à transmissão do conteúdo, impondo-se a ele engajar-se no trabalho pedagógico. Contudo, ao discente não é dada a centralidade do processo de ensino, pois cabe ao professor a transmissão do conteúdo da forma mais eficaz, vez que dispõe de maiores condições para assegurar a qualidade do trabalho pedagógico.
Assim, a transmissão do conteúdo fica adstrita à organização da sala de aula, que dependem da construção de regras e procedimentos coletivos, do acompanhamento e da mediação dos comportamentos, sempre visando favorecer a relação ensino-aprendizagem.
Um dos mais fundamentais papéis do professor é proporcionar condições para que o conhecimento seja adquirido pelo aluno e, para isso, ele deve administrar bem o tempo e o espaço escolar (o ritmo, as intervenções/participações, os imprevistos, os obstáculos), selecionar os objetivos e as atividades curriculares, dosar os conteúdos e construir a convivência, sem jamais excluir os alunos que criam situações de conflito.
Essas trocas de poder não representam uma disputa, mas sim o respeito entre posições diferentes, sem que haja sobreposição entre elas. O uso indisciminado e abusivo de denúncias anônimas e falaciosas cumpre apenas o papel de deslegitimar e desestimular a atuação do professor e, consequentemente, da própria Universidade, não podendo esta encampar quaisquer denúncias, constrangendo o docente da forma que vem se verificando, sob pena de findar a própria docência e, em consequência, a Universidade.
Elias Menta e Igor Escher
Advogados parceiros do escritório Eliomar Pires E Ivoneide Escher Advogados Associados SS e consultores jurídicos do Adufg-Sindicato