A componente religiosa na questão Árabe-Israelense

Em seu texto, “Palestina e Jerusalém – o que ler para compreender ?”, prof. Brisola pensa o conflito entre palestinos e israelenses de forma previsível seguindo a mesma cartilha de tantos outros “especialistas” que, adotando um pensamento puramente ocidental, ignoram um elemento fundamental que alimenta o conflito – a religião. Assim, pretendo mostrar que a compreensão do conflito (independentemente de ter ou não solução) só será obtida dando a devida importância à questão religiosa.

De fato, qual o fundamento que o prof. Brisola tem para escrever que

É bastante exótico se basear no que dizem trechos da Bíblia sobre quem tem direito à terra da Palestina, escritos e compilados com óbvio viés para quem os escreveu.”

quando, da mesma forma, os árabes e não-árabes são movidos pelo que está escrito no Quran para justificar “guerra santa contra os infiéis”, um princípio que serve para legitimar desde governos teocráticos (por exemplo, Irã) até ditaduras encabeçadas por líderes carismáticos que sabem explorar esse sentimento religioso para seus próprios objetivos (por exemplo, Turquia, etc.), apenas para citar dois casos. Talvez o prof. Brisola não ache exótico (eu diria trágico) que, sob o disfarce de um discurso religioso, jovens convertidos ao Islamismo sejam levados a ataques suicidas por acreditarem que depois disso terão a sua disposição sete virgens no céu, contudo, para além de se achar exótico ou não, a realidade desses fatos mostra que a religião é mesmo um fator essencial na disputa e não pode ser separada da questão.

Assim, a inutilidade das ponderações do prof. Brisola e de inúmeros “doutores” no conflito árabe-israelense se deve ao simples fato de ser extremamente difícil para um ocidental com pouca ou nenhuma convicção religiosa convencer pessoas com um sentimento religioso arraigado de que ele tem uma solução razoável para o conflito. O fracasso das inúmeras tentativas de intermediação ocidental para se resolver a questão demonstra isso.

Quando se fala numa perspectiva Bíblica para a defesa de Israel no seu reclame de Jerusalém, espera-se tão somente que o outro lado do conflito exponha suas justificativas religiosas baseadas no Quran para também legitimar a sua posse da região. Esta discussão, se promovida com sinceridade pelos muitos líderes religiosos do judaísmo e do islamismo, poderia ao menos dar um embasamento sobre a legitimidade do que cada lado reclama. Ou seja, traríamos a questão religiosa para fundamentar o debate entre dois lados que são profundamente religiosos, deixando que estes dois lados dialoguem, algo que nunca foi tentado antes.

Infelizmente, nas relações internacionais, negociadores ocidentais se mostram demasiadamente arrogantes e presunçosos para pensarem nesta componente religiosa, já que suas nações, há muito tempo secularizadas, acreditam que Deus não mais existe, sendo o destino das nações reguladas pela medida do progresso da ciência e por um discurso humanista ateu. A grande ironia dessa crença ocidental é perceber que os imigrantes muçulmanos nos países europeus, mesmo vivendo em Estados seculares, não deixaram de ser profundamente religiosos, contrariando aqueles que apostavam na emergência de uma nova geração de muçulmanos “ocidentalizados”. Ao que parece, essa ocidentalização não ocorreu em larga escala com os filhos dos imigrantes muçulmanos na França, Inglaterra e Alemanha. E aqui encontramos o aspecto cômico dessa arrogância ocidental que decretou a “morte de deus”, pois, diante de uma Europa pouco dada a valores familiares, e conseqüentemente de ter filhos, é questão de apenas algumas décadas que países como França, Alemanha, Inglaterra tenham uma população predominantemente muçulmana que decretará que “Deus está vivo” e reina, sendo esse reinado algo que irá confrontar os valores culturais do pós-modernismo abraçados nesses países.

Finalizando, prof. Brisola escreve que

Assim, seria ótimo ter outra proposta, desinteressada e viável, para a região, após muita leitura e cuidadosa avaliação.”

O que numa primeira vista parece ser uma sábia proposição do prof. Brisola, revela-se na verdade um embuste, como nos alerta o ditado de Antilochus:

“A raposa conhece muitas coisas, mas o porco-espinho conhece uma grande coisa”.

Pois, como expus acima, há uma grande coisa sendo esquecida ao tratar a questão: a religiosidade dos protagonistas. Assim, pouco importa muita leitura e cuidadosa avaliação se insistirmos em negligenciar o que move estes protagonistas, ou, segundo Antilochus, mais vale ser um porco-espinho do que uma raposa.


Marcelo Carvalho

Professor do Departamento de Matemática