Criação e destruição em sala aula: a convivência de professores, alunos, aparelhos celulares e computadores

Por que não discutimos questões pedagógicas em reuniões de professores e alunos? Assumir que há insatisfações tanto de professores, quanto de estudantes, é um bom indício de que há problemas pedagógicos na universidade contemporânea. Portanto, por que não discutimos?

Algumas respostas, não exaustiva, podem ser: (i) porque a discussão é sempre personalizada na figura de um dado professor ou específica a uma dada turmad+ (ii) porque as primeiras respostas são sempre extremadas, a culpa é do professor ou a culpa é dos alunosd+ (iii) porque, ao discutir tema polêmico, as heterogêneas formações e concepções dos professores aparecem e, dados seus egos e puritanismos, discussões se transformam em brigas …. 

No entanto, o tema é recorrente pois a insatisfação é cotidiana. Mas, para iniciar a discussão seria bom, de um lado, evitar os vícios que impedem a discussão. De outro lado, seria também bom identificar problemas mais específicos dentro do problema pedagógico geral.

Com esta orientação, abordarei um problema bem específico e contemporâneo: computadores e aparelhos celulares em sala de aula. É a inovação em sala de aula.

Para iniciar recorrerei a Schumpeter que alerta para a destruição criativa das inovações. Mas, para ir além de Schumpeter é preciso aceitar que as inovações não apenas criam novos produtos e  processos  mas também novos comportamentos e, até mesmo, novas formas de pensar. Da mesma forma, as inovações destroem comportamentos que faziam parte de relações interpressoais e sociais estabelecidas. Mesmo considerando otimistamente que o saldo das inovações normalmente é positivo, daí o otimismo de Schumpeter com o capitalismo inovador dos empreendedores, cabe analisar a destruição de comportamentos e relações sociais e a construção de novas relações. 

A situação específica é se a generalização do uso de computadores e aparelhos digitais em sala de aula está criando novas oportunidades pedagógicas, mas também está criando novos problemas em sala de aula?

Pelo lado positivo, podemos citar a disponibilidade de várias fontes de informação que professores e estudantes podem ter acesso com o universo da internet. Há mais possibilidades de transformar informação em conhecimento, embora não seja uma relação direta e fácil, mas que devem ser aproveitadas. O professor tem, assim, mais recursos para complementar a sua relação de ensino e aprendizagem com os estudantes.

O problema é que também há o lado negativo e destruidor que corrói a relação professor-estudante. Os novos aparelhos digitais e de comunicação ampla e imediata conectam os estudantes ao mundo e possibilitam se desconectar do presencial, do local e, consequentemente, do professor em sala de aula. O que fazer?

Permitir ou proibir o uso de aparelhos eletrônicos de comunicação em sala de aula? Está é uma batalha com vencedor já declarado. O argumento da modernidade das inovações, as oportunidades abertas pelos computadores e de sua possível utilização como instrumento adicional de ensino-aprendizado venceram esta disputa. O problema não é o argumento, não é o ideal. Assim, como a Educação, todos são a favor no abstrato, o problema é sentar a bunda e estudar, ou melhor, o problema é o concreto, a prática. Sendo este apenas mais um caso da difícil trajetória entre abstrato e concreto, quando o sentido que é justificado pelo argumento da modernização é perdido em algum momento da trajetória ou chega-se ao concreto em farrapos, quando não como farsa.

Minha hipótese inicial é: ao invés do computador e de aparelhos celulares em sala de aula serem um meio adicional de fazer uma relação entre conteúdo apresentado pelo professor e a variedade de exemplos e aplicações disponibilizados pelas plataformas virtuais, o que pode acontecer eventualmente, os aparelhos de comunicação digital e imediata são um meio adicional dos alunos se relacionarem com o mundo quando em sala de aula. Assim podem escolher entre se relacionar com o conteúdo apresentado pelo professor, o que seria ideal e complementar à disciplina, e/ou se relacionar com o universo digital que lhe abre um amplo conjunto de informações, comunicações e diversões, não necessariamente relacionados com o conteúdo apresentado em sala de aula. Caso esta hipótese valha a pena ser pensada e discutida, pode-se dizer que a tecnologia agravou, e permitiu uma desculpa, para um problema pedagógico recorrente: os alunos não conseguem prestar atenção todo o tempo a uma aula dada monocordiamente, e possivelmente monotonamente, pelo professor.  É o agravamento, devido a um novo instrumento que já foi incorporado na psicologia social dos alunos, de um problema pedagógico antigo, a escola é chata mas necessária.

De forma disfarçada (“estou copiando o que está escrito no quadro”) ou descaradamente (“tenho direito a usar o computador, não atrapalho ninguém), o aluno fica, no mínimo, duplamente conectado, caso seja possível presta atenção a aula do professor, de um lado, e fica ligado ao mundo digital do computador e do aparelho celular, de outro. A pedagogia e didática do professor não tem apenas que superar a dificuldade de explicar o conteúdo da disciplina e supor, ou pedir ou exigir, a atenção e dedicação dos alunos, mas também, se seguirmos esta trajetória, tem de competir com milhares de alternativas coloridas disponibilizadas pelo mundo digital. Para o aluno é uma escolha entre o mundo presencial ou digital. Para o professor é um esforço para ganhar a atenção de sua presença frente os novos ambientes digitais competitivos da atenção do aluno. 

Se isto é um problema, é um problema moderno (no sentido de fruto do desenvolvimento da racionalidade aplicado a natureza e com desenvolvimento tecnológico) e contemporâneo (no sentido do nosso próprio tempo pois o desenvolvimento capitalista já barateou os aparelhos eletrônicos ou permitiu o crédito para a compra em suaves prestações). Portanto, não é combatendo a modernidade, nem voltando no tempo da escola disciplinadora que poderemos enfrentar o problema e, se possível, encontrar uma solução.

Em sala de aula a modernidade é parcial. Houve a entrada de inovações em sala de aula, os alunos têm computadores, os professores podem usar computadores ligados ao data-show, há a comunicação pelo moodle e outras plataformas de comunicação acadêmica. Mas, na maioridade das salas mantem-se a mesma arquitetura: cadeiras individuais voltadas para frente em direção ao quadro e ao professor. Apesar da modernidade, é a antiga posição do professor e do quadro que predomina. Com isto, na frente da sala, o professor é o protagonista para expor solitariamente o conteúdo da disciplina. Cabe ao professor ser extremante ativo. Permite-se aos alunos no fundo da sala de aula serem extremamente passivos em relação a aula, embora abre-se a possibilidade de serem extremamente ativos digitalmente. 

A arquitetura, antiga, e os aparelhos, modernos, são meios e instrumentos de uma relação, qual seja: a relação de ensino-aprendizagem entre professores e estudantes. Esta relação tem também que se modernizar. Pensar que os aparelhos modernos, com sua própria dinâmica, podem modernizar a relação tem como resultado os problemas pedagógicos contemporâneos.

O problema está na relação professor-estudantes diante do mundo moderno. Existem inércias que impedem buscar soluções, além da dificuldade em discutir estes problemas, como apontado inicialmente. Estas inércias são, primeiro, a formação dos professores que está dirigida para transmitir conteúdos que estudaram e pesquisam, com mais preocupação em dominar conteúdo e apresenta-lo bem do que em saber se está havendo efetiva relação de ensino-aprendizagem, ou de outra forma, de achar que a relação é unidirecional, do ensino para aprendizagem, com um pólo ativo, o professor, e outro passivo, os alunos.   Segundo, em relação aos estudantes, está bem confortável sentar em sala de aula e escolher entre prestar atenção na aula e/ou no mundo digital. Há uma preferência pela passividade e omissão em sala de aula, pois isto permite se dedicar a atividades mais interessantes fornecidas pelos aparelhos eletrônicos. Superar estas inércias é um início, mas exige novas forças.

A relação professor-aluno pode incorporar os meios e instrumentos modernos. No entanto, é a relação que tem que se modernizar. Para isto, o ativismo dos professores tem que ser dirigido para uma nova relação, e não em ser dinâmico em uma relação estagnada. E o ativismo dos estudantes tem que se voltar para a relação presencial de professor-aluno em sala de aula e não para a conexão com o mundo digital na própria sala de aula.

Obrigado Schumpeter por explicar o poder e impacto das inovações. São criativas e destrutivas, o problema é que, por vezes, destroem antigas relações, mas não constroem imediatamente novas relações. 


Wagner Leal Arienti

Professor Departamento de Economia e Relações Internacionais-CSE-UFSC