O estranho olhar do meu gato

Sim: aquele gato preto tinha um olhar estranho.

Olhava a gente com perspicácia, lia-nos lá dentro – extrema fundura.

Sabia de tudo.

Mas esse olhar era também de piedade.

TENDES MISERICÓRDIA DE MIM E DO MUNDO INTEIRO!

 

Na penúltima vez em que fui internado, carregaram-me, mas ainda pude ver da porta o seu olhar – agora de uma compaixão enorme.

Estava à beira da morte, mas safei-me.

Era um safar-se constante.

Acariciei-o, alimentei-o – amava-o.

Não tinha nome o bichano.

E ele percebia tudo antes de nós.

Seu ronronar era suave, até melancólico – revoltado?

Os donos e seus gatos se parecem, já disseram.

TENDES MISERICÓRDIA DE MIM E DO MUNDO INTEIRO!

 

No dia da minha morte, antes de fechar os olhos e deixar esse absurdo mundo, sei que vou vê-lo.

Seu olhar indicará um sorriso, uma compaixão, como se estivesse dizendo: “é hora de descansar”.

Pois então descansarei, meu amigo. Até logo! Somos rápidos nessa passagem, meu irmão.


Emanuel Medeiros Vieira

Escritor