O imbróglio em que a UFSC se encontra está servindo ao menos para mostrar o quão dispensável é a função da corregedoria. Com efeito, vemos que há uma total incompatibilidade entre a autonomia universitária e a função do corregedor. Isso fica evidente quando consideramos que a UFSC exerce autonomia apenas parcial no que se refere a estabelecer critérios para escolha do corregedor, já que pela intervenção do MPF e da CGU a instituição tem negada sua autonomia em investigar o corregedor usando os meios de que dispõe, no caso, o processo administrativo.
Outro ponto que se revela contraditório para a universidade é o fato do corregedor ser escolhido por um GT composto por poucas pessoas, mas, uma vez no cargo, ele se investe de poder suficiente para forçar o afastamento de um reitor democraticamente eleito num processo em que participa toda a comunidade universitária. Como podemos aceitar que um corregedor concentre tantos poderes e os exerça de modo a poder afastar um reitor sem nem mesmo precisar da anuência de um órgão colegiado como o CUn ? Devemos ter em mente aqui uma diferença entre “suspeição” e “provas concretas”. Tivesse o corregedor apresentado ao CUn meras suspeições, e havendo um mecanismo que facultasse ao CUn o afastamento do reitor em face de meras suspeições, teria sido o reitor afastado? Não sabemos, mas no momento em que o corregedor apresenta suas suspeições ao MPF e PF nós transferimos a esses órgãos a decisão de afastar o reitor. Isso é humilhante, pois estes mesmos procuradores, juízes e policiais federais que formaram seu juízo determinando a prisão e afastamento do reitor nada seriam se não tivessem em algum momento passado por alguma instituição que os formou e, agora, vemos a cilada que armamos para nós mesmos ao criar a corregedoria, pois fica claro que a suspeição de um simples corregedor é capaz de forçar a universidade a renunciar ao seu próprio julgamento, tornando-a subserviente ao que é posto por procuradores e juízes de fora da universidade ao lidar com evidências que parecem demasiadamente tênues.
Mas, afinal, quais foram as evidências concretas dadas pelo corregedor Rodolfo Hickel do Prado para afastar o reitor? Da exposição indevida [1] que o corregedor faz na mídia, o que vemos são ilações como a que ele mesmo sugere num trecho de uma entrevista dada ao jornal do NSC [2] ao falar sobre supostas ameaças que estaria recebendo
“As ameaças, no que diz respeito à corregedoria, elas se iniciaram logo após a posse do reitor. Alguns assessores talvez levassem a ele que … olha a corregedoria está investigando um ato que possa chegar a A ou B que tivesse algum relacionamento com o reitor, ou então se procurava tentar parar o trabalho ou … as pessoas não colaborarem com as intervenções que a corregedoria tinha por necessidade buscar subsídios para trabalhar.”
Como assim sr. corregedor Rodolfo? Se não tens como provar o que afirma, e isso fica claro pelo uso dos termos “talvez” , “tivesse”, “procurava tentar”, não deverias ir a público falar do caso, contrariando aquilo que a universidade espera do exercício da sua função que é a “responsabilidade no trato de todo e qualquer material correcional”.
A função da corregedoria também se mostra dispensável, pois, na sua essência, é um órgão que parece competir com o gabinete do reitor no aspecto correcional. Ora, alguém poderia alegar que a corregedoria se faz necessária para investigar a própria administração central face a denúncias, contudo, nada impediria que aquele que fez a denúncia original sobre desvio de verbas do EAD fosse diretamente a PF apresentar as evidências que alegava ter contra o reitor. Fica claro então que não precisamos da figura de um corregedor para fazer essa intermediação.
Quanto ao atual corregedor, seria muito proveitoso se ele se apresentasse em público refutando as objeções que tem sido postas à sua atuação frente a universidade [3]. Sua renúncia faria um grande bem a instituição além de preservar sua própria imagem diante do que parece ser o início de um processo irreversível que poderá levar ao seu afastamento.
Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática
Notas
[1] A exposição na mídia que o corregedor faz de casos correcionais se mostra indevida por contrariar um dos critérios de admissibilidade ao cargo de corregedor, a saber, que o corregedor deve “possuir grande responsabilidade no trato de todo e qualquer material de cunho correcional”. Ora, ao dar publicidade a investigações em curso, o corregedor deixa de observar este critério e, por esta razão, deveria ser afastado da sua função.
PS: Curiosamente, a matéria referida em [3] além de mencionar fatos relacionados a atuação do corregedor na UFSC, também lista fatos passados sobre o corregedor que, confirmada a veracidade, entraria em choque com os critérios de seleção estabelecidos pelo GT que selecionou o corregedor.