A resposta dependerá de quem lê. Um corregedor qualquer talvez respondesse que o corregedor se auto-corriged+ um acusador público poderia dizer que é alguém no MPF, ou CGU (ou em qualquer outra repartição desta república que nós, simples pagadores de impostos, sequer sabemos que existe)d+ servidores públicos na universidade talvez respondessem de forma variada, contudo, à luz do valioso (e inegociável?) princípio da autonomia eu penso que todos nós concordaríamos que a investigação e correção de um corregedor deveria ser atribuição do corpo de servidores efetivos da universidade. É o que pretendo mostrar neste texto analisando alguns pontos relativos à forma como o corregedor é selecionado e, em particular, examinando que pelo menos um dos critérios de admissibilidade ao cargo de corregedor da UFSC parece estar em assimetria com as ações do atual corregedor, Rodolfo Hickel do Prado.
Inicialmente, para situar o problema, podemos conceber a universidade como um corpo organizado formado por TAE”s, docentes e estudantes, todos tendo em comum o fato singular de que foram admitidos por meio de concurso público e, assim, devem zelar pelo bom funcionamento da instituição. Uma vez que a universidade goza de autonomia para organizar e constituir seus quadros selecionando presumidamente os melhores candidatos, segue-se que ela (isto é, seus membros efetivos que o próprio corpo universitário escolheu) também tem a obrigação de assumir a total responsabilidade de como seus atos repercutem na sua imagem e reputação diante do público.
Há, contudo, uma posição na UFSC que não se submete a este ordenamento, mostrando-se incompatível com a autonomia da universidade, pelo menos no que diz respeito à responsabilidade que a universidade tem diante da sociedade. Com efeito, uma vez que o corregedor não precisa ser necessariamente funcionário concursado da universidade, admite-se então a possibilidade da inserção no corpo universitário de um elemento estranho a UFSC e que, investido de amplos poderes, pode, no exercício de sua função, causar danos irreparáveis à imagem da instituição e também à reputação de trabalhadores desta universidade. Ora, mas ocorrendo dano, quem assume a responsabilidade pela imagem da instituição diante da opinião pública? Se o corregedor for um elemento meramente transitório, sem qualquer elo permanente com a instituição, é certo que a opinião pública, quase sempre desinformada, não fará distinção sobre quem causou o dano, mas colocará o ônus sobre todos os membros efetivos do corpo universitário. Nesta situação, fica claro que comprometemos a nossa autonomia, pois o público de fora nos responsabilizará por algo que sequer causamos e, neste caso, tampouco temos dispositivos para afastar efetivamente o responsável.
Examinemos com mais cuidado a resolução normativa [1] que introduziu a figura do corregedor na nossa universidade, algo que parece não ser uma obrigação, já que poucas universidades tem esse cargo
Art. 8º São requisitos necessários para exercer o cargo de corregedor:
I – ser servidor público efetivod+
II – possuir formação universitária completa. Parágrafo único. O corregedor-geral deverá, preferencialmente, ter graduação em Direito ou ser integrante da carreira de Finanças e Controle.
Art. 9º A escolha dos corregedores será feita da seguinte forma:
I – o Conselho Universitário, em edital específico, abrirá inscrições para interessados que cumpram os requisitos preliminares do art. 8ºd+
Fica claro então que um elemento externo a universidade pode candidatar-se a cargo de corregedor, mesmo que não tenha experiência alguma do que é uma universidade na sua estrutura, organização e, principalmente, na relação por vezes vezes conflituosa entre seus membros. Consideremos, agora, os critérios de seleção do corregedor, o que vemos em parte no parecer do grupo de trabalho (GT) formado por deliberação do CUn e que selecionou os candidatos a corregedor [2]:
“O GT teve consciência de que o/a Corregedor/a será a autoridade correcional máxima dentro da Universidade Federal de Santa Catarina e, portanto, deverá possuir grande responsabilidade no trato de todo e qualquer material de cunho correcional, seja no tratamento dado às representações e denúncias recebidas, na formação de comissões disciplinares, na análise de informações para a formação de juízo de admissibilidade, na instauração e/ou julgamento de processos disciplinares. Em vista disso, elaborou itens para o perfil desejado para esta função:
1- larga experiência no trato de matérias disciplinaresd+
2 – relação de independência com a Administração Superiord+
3 – sensibilidade e paciênciad+
4 – apacidade de escutad+
5 – equilíbrio emocionald+
6 – capacidade de trabalhar sob situações de pressãod+
7 – proatividade e discriçãod+
8 – análise críticad+
9 – independência e imparcialidaded+
10 – adaptabilidade e flexibilidaded+
11 – maturidade na prevenção, apuração e solução de conflitos.”
Embora os requisitos adotados pelo GT pareçam razoáveis, vemos que é difícil aplicá-los de forma objetiva na seleção de um corregedor junto a universidade. De fato, a dinâmica vivida na universidade é bastante complexa de modo que nada garante que um candidato que tenha demonstrado possuir os atributos 1-11 num certo contexto irá possuí-los também diante de uma realidade tão diversa como a que temos na universidade. Assim, parece mais consistente aplicar objetivamente os critérios 1-11 apenas como condição necessária para que o corregedor seja mantido no cargo, mas não para sua admissibilidade, muito embora seja razoável que nenhuma experiência profissional do candidato indique algo em contrário aos itens 1-11. Devemos atentar também, em especial, para a necessidade do corregedor possuir grande responsabilidade no trato de todo e qualquer material de cunho correcional.
Assim, quando perguntado em entrevista ao Diário Catarinense (DC) [3] se o reitor poderia ter acesso à investigação da corregedoria e sobre os motivos pelo qual imaginava que o reitor desejava ter acesso as investigações, o atual corregedor respondeu que
“…. não tem como dar acesso a uma pessoa, quando lhe está sendo imputada alguma responsabilidade, inclusive que nós ainda estamos apurando.”
“Acredito que, e isso é mera suposição, foi para tentar proteger alguns de seus pares, ou até mesmo ele (Cancellier). Mas não chegamos a uma conclusão (sobre as condutas dos investigados), o processo está em trâmite ainda”, declarou.”
Independentemente das investigações da PF e do MPF confirmarem ou não a culpabilidade dos denunciados é um fato consumado que o corregedor Rodolfo Hickel do Prado agiu de forma precipitada, pois, na entrevista ao DC primeiro ele afirma que está sendo imputada responsabilidade ao reitor num processo que ainda está sendo apurado e, em seguida, admite ser uma mera suposição de que o reitor desejava acessar o processo para proteger seus pares ou até ele mesmo (Cancellier). Nisso, o corregedor publicamente semeia dúvidas em quem lê, não deixando de alimentar uma presumível culpabilidade do reitor, pois, quando o corregedor afirma que está sendo imputada responsabilidade ao reitor e, por isso, ele está sendo investigado, do que haveria o reitor de se proteger que não fosse o objeto da investigação em si? Ora, mas se o corregedor admite que ainda não tem uma conclusão sobre a conduta dos investigados, ele tacitamente não excluiu a possibilidade dos denunciados serem inocentes, e é aqui que se tem materializada a exposição indevida dos envolvidos, já que se naquele momento o corregedor não tinha convicção da culpa dos envolvidos, ele não deveria ter dado publicidade ao caso, limitando-se apenas a encaminhar a denúncia aos órgãos competentes.
Igualmente precipitada e desnecessária foi a entrevista que o corregedor deu ao Jornal da NSC [4] onde afirma que sofreu ameaças nos seguintes termos
“As ameaças, no que diz respeito à corregedoria, elas se iniciaram logo após a posse do reitor. Alguns assessores talvez levassem a ele que … olha a corregedoria está investigando um ato que possa chegar a A ou B que tivesse algum relacionamento com o reitor, ou então se procurava tentar parar o trabalho ou … as pessoas não colaborarem com as intervenções que a corregedoria tinha por necessidade buscar subsídios para trabalhar.”
Mais uma vez, é estarrecedor e inapropriado que o corregedor dê publicidade a aspectos correcionais baseando-se em ilações do tipo “assessores talvez levassem a ele (o reitor)…” onde “se procurava parar o trabalho da corregedoria…” , sem nem menos apresentar provas dessas ameaças.
Da análise minuciosa da atuação do corregedor fica a dúvida de onde está, neste caso, verificada “a grande responsabilidade do corregedor no trato de todo e qualquer material de cunho correcional”?, já que este era um dos princípios básicos que a comissão utilizou para selecionar o então corregedor. Acredito que este fato é suficientemente grave para afastar esse corregedor e, mais ainda, de suscitar uma discussão séria sobre a necessidade de termos uma corregedoria que não pode estar acima nem do bem nem do mal, que é o que sugere o recuo da então reitora em exercício ao revogar o processo administrativo instaurado pelo prof. Áureo para investigar o corregedor. É fato que há um procedimento a ser observado afim de se investigar o corregedor, algo que o MPF e a CGU prontamente lembraram a reitora, sob pena dela incorrer em crime de improbidade administrativa, como nos conta o jornalista Moacir Pereira [5]
“A professora Alacoque Erdmann alegou ter sofrido pressões e ameaças do Ministério Público Federal de ser acionada na Justiça por crime de improbidade administrativa se a portaria de Áureo Moraes fosse mantida. As ameaças foram avalizadas pela Controladoria-Geral da União em Santa Catarina durante reunião ocorrida na segunda-feira à tarde no campus.”
mas, tais procedimentos recomendados pelo MPF e a CGU nada mais são que meras interpretações de tecnicalidades processuais feitas por procuradores, e temos visto que na esfera judicial tais interpretações muitas vezes são mal embasadas e tem gerado uma profusão de arquivamentos de processos do MPF. Assim, ao revogar o processo administrativo contra o corregedor a reitora não apenas cedeu a intervenção do MPF e da CGU, mas aniquilou também a autonomia que nós temos (ou deveríamos ter) de investigar um corregedor que conseguiu ser amplamente rejeitado por esta comunidade acadêmica. Será que coletivamente não temos idoneidade, honorabilidade e capacidade para corrigir nossa própria instituição naquilo que se mostrou errado e viciado, a ponto de precisarmos do serviço de um corregedor que é uma figura estranha a nossa universidade por não ser funcionário efetivo como todos nós somos? Lamentavelmente, a reitora Alacoque Erdmann parece não entender que vivemos tempos difíceis e de pujante autoritarismo onde qualquer um que assuma cargo na administração pública está sujeito a processo de improbidade administrativa, não por necessariamente estar fazendo algo errado, mas porque estamos sujeitos a uma multiplicidade de interpretações que acusadores públicos estão dispostos a dar a qualquer ato administrativo de um agente público. Contudo, se temos convicção que agimos retamente não há porque deixar de agir ou recuar por medo do que diz o MPF e a CGU, do contrário, melhor seria escolher para administração central servidores dessas instituições.
Finalizo observando que a autonomia universitária é um princípio que nos afeta diretamente como categoria e, assim, gostaria que a APUFSC analisasse a questão, pois não me parece razoável que um elemento estranho a UFSC goze de tantos poderes sem que sequer seja investigado pelos eventuais danos que suas ações podem trazer a universidade e a reputação de colegas docentes. Neste sentido, é salutar que o CUn trate a questão levantada pelo CCS [6] sobre responsabilizar judicialmente instituições e servidores que possam ter contribuído para uma eventual imagem negativa da UFSC bem como ter causado danos a imagem de algumas pessoas citadas na operação “ouvidos moucos”. Assim, sendo comprovado danos coletivos a imagem dos docentes dessa instituição, seria razoável que a APUFSC prestasse atenção a questão.
Quanto ao corregedor, gradualmente vamos tomando conhecimento de como ele tem atuado nesta universidade e, sucedendo-se investigações e comprovada irregularidades [7], ninguém deve ter receio de questioná-lo publicamente, exigindo explicações de suas ações, pois, se Jacob enfrentou um anjo e o venceu, o que haveríamos de temer questionando o corregedor?, ele é apenas um ser humano como qualquer um de nós.
Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática
Notas
[6] http://noticias.ufsc.br/files/2017/10/MEMO_CCS.pdf
[7] http://blogln.ning.com/profiles/blogs/a-morte-do-reitor-e-o-esp-rito-punitivista-por-lu-s-nassif-1