Há limites para a liberdade de expressão? (Ou, estamos negligenciando as manifestações de Cristofobia ?)

O recente cancelamento de um evento denominado “Queermuseu” sediado no centro cultural Santander em Porto Alegre levanta dúvidas sobre os limites da liberdade de expressão e suscita o seguinte questionamento:

 

Devemos invocar a defesa da liberdade de expressão como legitimando um pretenso direito de ofender outras pessoas ?

 

Sejamos mais concretos. Em nosso tempo, o que difere uma ofensa racial de uma ofensa a religião? Em ambos os casos, não estamos diante de atitudes que causam desconforto a um determinado grupo? Ambas as ofensas, seja racial ou religiosa, não seriam algo que tenta diminuir o outro por uma identidade que o indivíduo afirma? Ora, pouco importa então se a identidade remete a afirmação de pertença a certa raça ou a uma afirmação de fé,  já que a ofensa existe para ambos.  Assim, os que julgam tolerável que um grupo de artistas exponha obras numa temática LGBT que ultraja deliberadamente os cristãos tomam para si um direito adquirido de ofender. Mas, havendo esse direito de ofender (na verdade, não há!!), ele deveria ser exercido sem restrições. Imaginemos então um artista cristão que deseja retratar artisticamente um texto de Paulo, Romanos 1: 26-27, que expressa de forma inequívoca  a incompatibilidade entre ser cristão e a prática de  atos homossexuais ou, ainda, um texto de Deuteronômio 22: 5 que expressa a incompatibilidade entre ser cristão e transgênero. Assim, neste contexto de liberdade de expressão, o artista cristão estaria justificado em produzir uma obra mostrando pessoas sendo alvo da ira divina em meio a prática de atos homossexuais. No entanto, em nossos tempos, é provável que tal obra seria alvo de críticas dos ativistas LGBT, os mesmos ativistas que advogam para si o direito de ofender travestido de liberdade de expressão.

 

O fato de não vermos com frequência tais obras provocativas em exposições de arte sacra é devido a dois aspectos. O primeiro, e mais importante, é que o tema  se mostra  de pouca importância em face do inigualável tesouro que artistas cristãos tem para retratar  inúmeras outras passagens das Escrituras, muito mais significativas do que essas descritas em Romanos 1: 26-27 e Deuteronômio 22: 5 e que se mostram desfavoráveis aos que praticam atos homossexuais ou transgêneros. Segundo, não seria razoável pensar que um artista que realmente se vê como um cristão produzisse uma obra com o potencial de ofender outras pessoas. Mas, vivendo numa época onde se tenta de todas as formas atacar símbolos e suprimir referências cristãs fica fácil entender que seria negada a liberdade de um artista cristão  retratar  a ira divina contra os habitantes de Sodoma e Gomorra  (Gênesis 19: 1-29), sendo o artista cristão taxado de homofóbico se tentasse fazê-lo.

Mas, voltando aos artistas da exposição “Queermuseu”, que produziram obras ofensivas aos cristãos, até que ponto isso não seria uma manifestação (consciente ou não) de cristofobia? Há algo mais sutil a ser pensado aqui. Será que a temática de arte LGBT se mostra tão pobre de modo a ter que recorrentemente produzir obras que propositadamente  ofendem a religião? Como então explicar  essa obsessão de alguns artistas LGBT em usar símbolos e referências do cristianismo para produzir suas obras? Outra possibilidade seria tomar a ofensa como estratégia para chamar a atenção, o que por sua vez comprovaria  ser verdade a pobreza da temática da arte LGBT, pois indicaria dúvidas se  há no universo LGBT idéias, imagens, conceitos que sejam desvinculados do cristianismo e que teriam algum valor em si.  Estranho! Infelizmente, temos visto um verdadeiro abuso aos cristãos pelo uso desrespeitoso de seus símbolos por parte de alguns ativistas LGBT, tanto em paradas da diversidade como em performances provocativas de alguns ativistas,  como aquela que ocorreu durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, quando ativistas introduziram um crucifixo no ânus diante dos peregrinos ali reunidos, e foram surpreendidos pela reação pacífica dos peregrinos  que se limitaram a orar. 

 

Devemos tentar entender como caminhamos para este estágio deplorável de coisas. Definitivamente, vivemos tempos de extrema mediocridade intelectual, … tempos sombrios de total ausência de “insights” espirituais que não mais nos permite identificar o mal gosto e o erro que permeia  o nosso pensamento. Para ilustrar esse tempo sombrio de morte do intelecto e do espírito, volto a tal exposição de arte da temática LGBT exibida no espaço cultural do banco Santander e cujas peças foram publicadas  nas redes sociais, e reflito sobre o que pensaria Van Gogh, Rembrandt entre tantos outros artistas do passado vendo tal exposição, em especial, vendo essas peças que causaram tanta indignação. Ora, tomando por base o compromisso que esses artistas geniais do passado tinham em despertar um sentimento universal do que é belo fica evidente a diferença entre um tempo e outro e a certeza de que o nosso tempo nos tornou seres insensíveis e medíocres. Isto é, Van Gogh, Rembrandt entre outros são frutos de um período onde seria estranho (pelo menos para eles) obras como a que vemos hoje.

 

Diferente da ciência que avança sobre resultados passados produzindo novos conceitos que nos aperfeiçoa e conduz ao progresso, parece que as artes e “humanidades” de agora tem uma capacidade de nos fazer oscilar entre conceitos e modismos difusos, onde deixa de existir uma idéia do que é universalmente concebido como belo, perfeito, e valoroso, sendo isso substituído pela mera subjetividade. O fato é que vivemos num tempo dito pós-moderno (criação das ditas universidades) onde a regra geral  é “desconstruir” 1 e, desconstruindo, pode-se  afirmar que a mediocridade também é bela2 e, assim, nós nos conformamos com nosso estado terminal de apatia e pequenez intelectual e espiritual sem nenhum peso na consciência. A outra opção, para aqueles que desconfiam e recusam os dogmas pós-modernos,  é retornar  as origens, estudando e examinando o que é realmente valioso não cedendo nunca a tentação de jogar as pérolas aos porcos (Mateus 7: 6) e tampouco se nutrir das coisas de que os porcos se alimentam e, agindo assim, talvez ser como aquela que no fim escolheu  a melhor  parte (Lucas 10: 38-42).

 

Notas:

1 Parece ser uma tendência exagerada nas nossas universidades usar o termo “desconstrução” pondo num pedestal os filósofos que ajudaram a vender tal idéia. Infelizmente, anda longe das nossas universidades a contrapartida dos conceitos vigorosos desenvolvidos por Mário Ferreira dos Santos na sua “Filosofia Concreta”, ou ainda por Bernard Lonergan na sua obra “Insight”, dado o uso de conceitos matemáticos e físicos que Mário e Lonergan empregam para desenvolver seus conceitos, o que por sua vez demanda um treinamento que muitos da área das ditas “ciências” humanas não têm.

 

2 Afirma-se também, sem muito critério nestes tempos pós-modernos, que “ser homem ou mulher não é  determinado pela biologia, mas sim culturalmente”. Contudo, como num passe de mágica, parecem negar que alguém possa afirmar algo semelhante que “ser negro não é determinado pela biologia, mas sim culturalmente”, talvez pela única razão que isso acabaria de vez com todas as ações ditas “afirmativas”. Patético, não? Mas, esperar o que do pós-modernismo?


Marcelo Carvalho

Professor do Departamento de Matemática