Ideias novas costumam gerar resistências, talvez por serem intrinsecamente ruins ou por forçarem modificações em comportamentos cristalizados que resistem qualquer mudança. É o que vemos na recente proposta de avaliação unificada das disciplinas do ciclo básico oferecidas pelo departamento da matemática a diversos cursos, algo que tem gerado uma certa controvérsia, especialmente no próprio departamento de matemática que, a princípio, deve decidir internamente pela aprovação ou não do processo de avaliação unificada das referidas disciplinas (se é que existe mesmo alguma provisão de que tal decisão deve ser feita). Entendendo nossa função de servidor público como aquele que provem um serviço ao público, julgo a matéria de suma importância para ser confinada apenas a uma decisão do colegiado do departamento e, assim, desejo colocar a questão ao conhecimento do público (principalmente aos alunos que são os mais afetados), afim de que posições a favor ou contra possam ser devidamente expostas, defendidas e refutadas e seus proponentes venham a público dizer o que pensam.
Em defesa da avaliação unificada pode-se invocar a necessidade de dispor de meios uniformes e homogêneos de avaliação. Isto permite uma melhor apreciação do processo de ensino/aprendizagem (desculpe-me aqui o teórico da educação, mas, respeitosamente, eu tampouco concedo a ele/ela qualquer direito de nos avaliar, a menos que detenha condições mínimas para isso no que se refere a entender o conteúdo do nosso ofício e as especificidades do que ensinamos) possibilitando um diagnóstico mais preciso e, também, possíveis remediações. A avaliação unificada permite também eliminar a figura folclórica do Prof. Boiada, um conhecido personagem fictício (inimaginável que possa existir numa universidade de excelência), criado originalmente de forma bem humorada entre alunos das engenharias para designar um tipo de professor supostamente relapso que abriria as “porteiras” passando um amplo número de alunos que também, supostamente, não incomodariam o professor por ser relapso. Brincadeiras a parte, afinal, acreditamos ser o prof. Boiada um mero personagem imaginário, a avaliação unificada permite que os próprios estudantes valorem que tipo de aula se revela mais adequada, assim, a escolha do professor se daria unicamente pela qualidade da aula que tende, em geral, a ser um diferencial quando todos tem que fazer a mesma avaliação.
Em oposição a avaliação unificada, há os que alegam que isso violaria a autonomia do professor em ministrar a disciplina. Contudo, tal argumento não parece sustentável, pois a avaliação unificada prevê que as provas e listas de exercícios são fruto de uma ampla discussão entre os docentes que ministram aquela disciplina, assim, nada é resultado da imposição de um sobre o outro , mas sim de um consenso. No máximo, alguém poderia alegar que não gosta da sequência de assuntos conforme previsto no plano de ensino, preferindo inverter a ordem de algum tópicos, o que inviabilizaria a aplicação de uma mesma prova para todos. Contudo, uma vez que aquele tópico deverá necessariamente ser apresentado, isso se torna um ponto de menor importância em face do ganho que os alunos tem em saber que todos estão sendo avaliados da mesma forma.
Em que pese as diferentes razões dos docentes a favor ou contra a avaliação unificada, em nenhum momento escutamos o que os estudantes pensam sobre a questão, e isso é essencial, já que tudo o que está sendo proposto afeta diretamente os estudantes.
O impasse de como proceder em relação a avaliação unificada inevitavelmente vai esbarrar na questão da legalidade. Assim, surge a questão de como proceder quando um professor deseja ministrar um curso de avaliação unificada sem, contudo, aplicar a mesma avaliação que os outros professores daquela disciplina aplicam em conjunto. Sem um dispositivo que garanta a uniformização da avaliação, todo o esforço de unificar as disciplinas quanto ao conteúdo e ensino perde a razão de ser e, talvez, a figura imaginária do Prof. Boiada torne-se uma figura real, afinal, ele parece ser o único que teria algo a temer com a avaliação unificada, … ou não?
Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática