Os mundos paralelos do prof. Bebeto e a reforma da previdência

Prof. Bebeto deve habitar um mundo paralelo ao meu, já que a questão da previdência ser ou não deficitária é uma das muitas diferenças entre os nossos mundos, de modo que, se for mesmo verdade que não estamos tendo devaneios, ter-se-á então provado de forma prática a tese de Hugh Everett III sobre mundos paralelos.

Em sua fala na última Assembléia Geral, prof. Bebeto afirma que

 “A mídia insiste, no caso da reforma da previdência, em dizer que há um déficit da previdência social, … é uma absoluta mentira, o déficit da previdência social não existe, os economistas um pouco mais críticos não aliados a uma perspectiva ideológica , de entreguismo do país, afirmam com números que o déficit da  previdência seria resolvido (…o problema do equilíbrio da previdência) com a cobrança por parte dos Estados dos devedores da previdência que é mais de 400 bilhões, mas o nosso professorado acredita que existe um déficit, por isso aceita a idéia de uma reforma que amplia cada vez mais a perda de direitos.” [1]

Uma vez que o prof. Bebeto não apresenta nenhuma referência embasando o que ele afirma fica impossível analisar a razoabilidade em se dizer que “o déficit da previdência social não existe”. Contudo, mesmo não dispondo das fontes do prof. Bebeto (se é que existem),  pode-se de forma indireta por em suspeição a tese do prof. Bebeto. Com efeito, a Anfip (Associação nacional dos auditores fiscais da Receita Federal do Brasil) defende a tese de que a previdência é na verdade superavitária em cerca de 11,1 bilhões de reais [2], mas a Anfip chega neste número tendo que deixar de fora o custo previdenciário dos servidores públicos (cerca de 77 bilhões) [3],  alegando que pelo fato do regime previdenciário dos servidores públicos estar num capítulo a parte da Constituição, fora da seguridade social, este custo previdenciário não deveria incidir como gasto da seguridade social (estranhamente, esta informação é omitida no vídeo da Anfip). Para se chegar aos 11 bilhões de superávit, não parece que a Anfip tenha usado no seu cálculo  o débito de 400 bilhões dos devedores da previdência como afirma o prof. Bebeto. Será mesmo que a Anfip desconhece os dados que o prof. Bebeto dispõe, ou será que tais dados são mera invenção?

A fala do prof. Bebeto também causa perplexidade quando ele menciona que

“economistas um pouco mais críticos não aliados a uma perspectiva ideológica , de entreguismo do país, afirmam com números que o déficit da  previdência seria resolvido…”

,10“…o nosso professorado acredita que existe um déficit, por isso aceita a idéia de uma reforma que amplia cada vez mais a perda de direitos.”

Ora, mas o “professorado” que apóia a reforma nós sabemos quem são, basta ver o noticiário de economia e veremos o nome de economistas: alguns professores de universidades, outros analistas de noticiários de economia, por exemplo, a economista Miriam Leitão que escreve diariamente sobre o assunto na sua coluna. Em comum, todos defendem a urgência da reforma da previdência e põem sua reputação em risco ao tornarem pública sua análise. Agora, quem são os tais “economistas críticos” mencionados pelo prof. Bebeto que supostamente têm a solução para o problema do déficit da previdência que não seja via a presente reforma do governo Temer? Quem são eles prof. Bebeto? Estão na FGV? Estão no IBMEC?  Em que noticiário sobre economia eles  expõem suas teses para que possam ser devidamente questionadas? Vemos então que fica muito improvável crer na tese defendida pelo prof. Bebeto visto que ele não foi capaz de apresentar nenhuma fonte além do que ele provavelmente “ouviu dizer por aí”. A outra possibilidade é mesmo estarmos em mundos paralelos e, neste caso, o mundo do prof. Bebeto só faz sentido para ele.


Marcelo Carvalho

Professor do Departamento de Matemática

Notas

[1] https://www.youtube.com/watch?v=fYLbdX87ZAk

[2] https://www.youtube.com/watch?v=_GFzBhb16K8

[3] http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2964