As armadilhas do discurso: Grant Osborne vs. Paul Krugman ??

Em textos que devem ser curtos é preciso evitar a tentação de um discurso demasiadamente técnico que poucos se darão ao trabalho de ler e, da mesma forma, deve-se evitar também deixar implícito uma pretensa tecnicalidade ao mencionar um trabalho de um suposto renomado autor, como se da sua leitura pudéssemos concluir coisas que não se aplicariam necessariamente de forma direta a um caso qualquer. A identificação de tais armadilhas pode ser facilmente percebida seguindo, por exemplo, o tratamento hermenêutico proposto por  Grant Osborne¹ que nos orienta a percorrer três percursos na formação da compreensão de um texto, e que eu aplicaria igualmente a qualquer conceito e idéia em geral, a saber:

1. O que ele significa (exegese)

2. O que ele significa para mim

3. Como compartilhar com você o que o texto (conceito, idéia) significa para mim.

Refinando a análise, é de grande utilidade aplicar o processo acima simultaneamente tanto ao autor quanto a quem lê o texto e também escreve suas conclusões. É o que farei.

Aqui, o objeto da minha análise refere-se ao texto “Meditando sobre a PEC agora 55” do prof. Rosendo Yunes que, por sua vez, faz alusão a vários trechos de um livro de Paul Krugman  intitulado “!Acabemos ya com esta crisis !”.

Já o primeiro ponto da análise hermenêutica, “o que ele significa”, traz consigo uma enorme dificuldade, afinal, a leitura do texto do prof. Yunes não deixa claro se devemos fixar nossa atenção “no significado do que Paul Krugman escreveu em seu livro”, ou no significado do que “o prof. Yunes entendeu sobre o que Paul Krugmnan escreveu”. Ora, certamente que as ideias que Krugman expõem em seu livro partem de um contexto e situações específicas, de modo que fica difícil crer que o próprio Krugman  aplicasse tais ideias diretamente ao Brasil. Há, então, um claro erro metodológico aqui que torna impossível sequer analisar o texto do prof. Yunes.

Já no segundo ponto da análise hermenêutica – o que “ele (o texto) significa para mim”, eu somente posso dizer que tomando o texto do prof. Yunes como está escrito ele representa tão somente uma opinião baseada na suposta aplicação objetiva de outro texto de certo Krugman que  indica que

“Hoje, mais que nunca, existem provas claras de que a política fiscal é importanted+ que um estímulo fiscal ajuda a economia a criar emprego, enquanto que reduzir o déficit orçamentário reduz o crescimento, ao menos no curto prazo. E, no entanto, estas provas parecem não estar chegando  ao poder legislativo”.(*)

Assim, todo esforço do prof. Yunes ao citar longos trechos descontextualizados de Paul Krugman visa unicamente nos convencer de que o mesmo diagnóstico que Krugman faz em seu livro (e que sequer sabemos da sua aplicabilidade à situações mais gerais) se aplica também ao Brasil.

Infelizmente, não dá para aceitar tal diagnóstico. Falta aqui ao prof. Yunes um trabalho efetivo de “exegese” das ideias que Krugman expôs em seu livro e de, concretamente, nos explicar como Krugman está pensando (fase 1 da análise hermenêutica), seguida da elucidação do significado que o prof. Yunes supostamente dá ao que Krugman expôs (fase 2 da mesma análise), algo que inexiste em seu texto.

Assim, não há nada a dissertar sobre o que o prof. Yunes escreveu, exceto que a referência que ele faz dos escritos de Paul Krugman como sendo uma potencial força a me inclinar a aceitar seu argumento não é eficaz, afinal, entre ter que estudar Paul Krugman e Grant Osborne, eu, particularmente,  tenho muito mais a aprender e a agradecer as perspectivas apresentadas pelos estudos de Grant Osborne.

Ou seja, após assinalar as armadilhas do discurso, dirijo-me respeitosamente ao prof. Yunes para de forma objetiva convidá-lo a reescrever seu texto considerando os seguintes pontos:

– Em que contexto a assertiva de Krugman feita em (*) é válida? Quais as hipóteses que ele faz para validar (*)? Tais hipóteses se aplicam ao Brasil?

Sem essa análise eu continuo a favor da PEC55, especialmente depois de comparativamente analisar as diversas exposições no debate organizado pela APUFSC e disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Ii8oSsRIqzo

Notas:

1 “The Hermeneutical Espiral: A Comprehensive Introduction to Biblical Interpretation”, de Grant Osborne.


Marcelo Carvalho

Professor do Departamento de Matemática