A PEC 241, a proposta de emenda à Constituição para congelar os gastos públicos por até 20 anos, foi aprovada em seu segundo e definitivo teste na Câmara dos Deputados e agora segue para ser avaliada pelo Senado, onde se prevê que o Governo Temer pode ter maior dificuldade do que teve até o momento. A vitória desta terça, por 359 votos a favor (eram 308 necessários para passar a medida), 116 contrários e duas abstenções, era esperada, mas ainda assim considerada crucial para o Planalto, ávido por enviar a mensagem de que sua ampla maioria no Legislativo não foi abalada pela prisão do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e a possibilidade de que o nome forte do PMDB colabore com a Operação Lava Jato e entregue ex-aliados.
O texto da PEC 241, que na prática muda a forma que Constituição de 1988 determinou os gastos com saúde e educação, ainda precisa passar por duas votações no Senado para que se transforme em lei. O cronograma do Governo é que a tramitação no Senado comece ainda neste ano. A gestão Temer afirma que a medida é essencial para conter a trajetória de alta dos gastos públicos e rombo já existente em caixa. A alteração, no entanto, é criticada por especialistas que temem queda de investimento na área social e pelos que consideram o período de congelamento, de até 20 anos, longo demais.
Na primeira votação da PEC 241 na Câmara, no começo do mês, o placar final foi de 366 a favor, 111 contrários e duas abstenções – 58 votos a mais do que os 308 necessários para a aprovação da proposta. Com a votação desta terça-feira, o Governo perdeu o apoio de sete parlamentares e a oposição ganhou cinco votos. A alteração no placar, ao menos por enquanto, não deve alterar a divisão de forças no Legislativo. Temer segue tendo uma base capaz de aprovar boa parte das propostas que necessita para aprovar seu ajuste fiscal. De qualquer maneira, quando o número de traições cresce, um sinal amarelo acende e deverá forçar uma intensificação das conversas do presidente e seus ministros com os deputados.
Fantasma de Cunha
Inicialmente, a sessão estava prevista para ser concluída durante a madrugada desta quarta-feira, mas a base governista acelerou vários procedimentos e conseguiu encerrar a votação por volta das 21h.
Como era esperado, o fantasma de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ex-todo-poderoso presidente da Câmara que está preso preventivamente pela operação Lava Jato, rondou o Legislativo. Em vários momentos, o nome dele era lembrado. Manifestantes que ocuparam a galeria da Casa cantavam: “O Cunha já foi preso e vai ter delação. O Temer e o Congresso vão sair de camburão”.
As ofensas não partiram apenas de manifestantes, mas também de deputados. Enquanto Carlos Marun (PMDB-MS) – que era da linha de frente da tropa de choque do deputado cassado – discursava, um colega seu perguntava repetidamente: “cadê o Cunha, cadê o Cunha, cadê o Cunha?” Irritado, Marun respondeu: “Está preso te esperando”.
Dificuldades no Senado
Nesta quarta-feira, o presidente Temer deverá jantar com senadores para demonstrar sua preocupação pela aprovação da PEC 241 na Casa. Apesar de ter uma base consistente, ele sabe que os senadores são mais debatedores do que os deputados, principalmente quando o assunto é ajuste fiscal. Internamente na base, já há uma disputa para saber quem será o relator da proposta no Senado. Além disso, a tendência é que cresçam os protestos sociais contra a proposta. No primeiro turno, boa parte da população foi pega de surpresa, porque as discussões ocorreram no início da campanha eleitoral. No Senado, não haverá esse desvio de foco.
Outro motivo que está no radar do Governo é que, ao contrário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), seu colega do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não teria dívidas com a gestão Temer, o que o torna mais independente para definir a sua pauta de votações. Maia foi eleito para a função depois que o governo peemedebista bancou sua candidatura. Calheiros comanda o Senado com a habilidade que adquiriu depois de 21 anos frequentando o salão azul.
Desde o fim de semana passado, quando quatro agentes da Polícia do Senado foram presos, a prioridade de Calheiros é votar o projeto de abuso de autoridade. Suas últimas declarações, aliás, foram mais com o objetivo de aprofundar uma crise institucional (com o Judiciário e a Polícia Federal) do que a de ser o pacificador que costuma ser. Se ele acelerar um processo, pode ser que atrase o outro. A estimativa inicial era que a votação da PEC 241 fosse concluída no Congresso todo em novembro. Agora, foi alterada para dezembro.
Fonte: El País