A Resolução Normativa 52-CUn-2015 dispõe sobre o Programa de Ações Afirmativas (PAA) no âmbito da UFSC para os processos seletivos de 2016 a 2022. Esta resolução atende a diversos preceitos legais, dentre os quais a Lei Nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 que estabelece que as instituições de ensino superior como a UFSC devem reservar “no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas“, com desdobramentos para o caso de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita e para pessoas autodeclaradas pretos, pardos e indígenas (PPI).
No Art. 8 desta resolução é definido que a UFSC reservará 50% de suas vagas para o PAA e indica os desdobramentos desta reserva. Por sua vez, o art. 12 define que é necessário o candidato optar por uma das modalidades de ações afirmativas. Não tendo optado, o candidato concorre na modalidade denominada “classificação geral” (parágrafo 1º).
O que poucos sabem é o que é dito no parágrafo 2º deste mesmo artigo:
“Os candidatos optantes pela PAA concorrerão inicialmente às vagas da classificação gerald+ caso não sejam classificados nessa modalidade, passarão a concorrer na modalidade pela qual optaram“.
Assim, esta reserva de 50% das vagas por si só já parece atender a natureza ou a finalidade do PAA expressa no artigo 2º da Resolução Normativa 52-CUn-2015, que menciona a “… promoção dos valores democráticos e de respeito à diferença e à diversidade sócio-econômica e étnico-racial, mediante a adoção de uma política de ampliação do acesso aos seus cursos de graduação …“.
Mas, paradoxalmente, o parágrafo 2º do artigo 8º desta mesma resolução parece conduzir a UFSC para a não observância desta mesma natureza ou finalidade do PAA.
Desconsiderando o parágrafo 2º do artigo 8º da Resolução Normativa 52-CUn-2015, as 100 vagas anuais de um curso qualquer seriam divididas igualmente entre optantes e não optantes. Assim, teríamos a seleção de 50 candidatos optantes pelo PAA e 50 candidatos não-optantes.
Contudo, ao considerar este parágrafo, esta proporção acaba sendo significativamente alterada.
A título de exemplo, considere o caso de um candidato optante pelo PAA que obtenha pontuação superior ao último candidato não optante. Nesta situação, o candidato optante passará para a classificação geral, desclassificando o último candidato não-optante e abrindo uma nova vaga para os candidatos optantes. Num cenário extremo no qual haja um número significativo de candidatos optantes com boa pontuação (que potencialmente indicaria que o mecanismo de quotas já não seria mais necessário), pode ocorrer o ingresso de 100% de candidatos optantes e de nenhum candidato não optante.
Lei Nº 12.711: Estabelece que que as instituições de ensino superior como a UFSC devem reservar “50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas”. UFSC: Para um curso com 20 vagas, os candidatos optantes pelo PAA, concorrem, inicialmente às 10 vagas da Classificação Geral correspondendo a 50% do total de vagas. Isto define uma nota de corte. As outras 10 vagas são exclusivas para os candidatos optantes pelo PAA com notas baixo da nota de corte. Este critério exclui os estudantes não-optantes com aproveitamento superior ao de candidatos optantes. O resultado é a redução da nota mínima de classificação para patamares abaixo do que seria desejável e a ocupação de vagas por candidatos sem condições de acompanhar as nossas disciplinas.
Análise dos dados do vestibular 2016 (http://vestibular2016.ufsc.br/relacao-candidatos-vaga), indicam que o número de candidatos concorrentes foi de 35.286, dos quais 12.719 são optantes. Em valores aproximados, significa que 36% dos candidatos são optantes, enquanto que 64% são não optantes. No caso da UFSC, a reserva de 50% das vagas para os optantes pelo PAA (art. 8 da Resolução Normativa 52-CUn-2015) é, portanto, bem superior à proporção observada na contagem dos candidatos inscritos.
Além disso, quando consideramos o Pgfo. 2 do mesmo artigo, 36% de candidatos inscritos como optantes pelo PAA concorreram à totalidade (100%) das vagas, enquanto que os 64% não optantes concorreram à metade disto, ou seja, a 50% da vagas, com a condição de que as vagas não tivessem sido ocupadas por optantes.
Em resumo, a Resolução Normativa 52-CUn-2015 atende ao exposto na legislação corrente e introduz “respeito à diferença e à diversidade sócio-econômica e étnico-racial“, como ela mesma preconiza, mas ao mesmo tempo, e paradoxalmente, introduz um mecanismo que distorce este mesmo preceito ao segregar os candidatos não-optantes.
O resultado é que a maior parte de nossas vagas está sendo ocupada por candidatos sem condições de acompanhar as nossas disciplinas, com uma enorme dispersão entre a maior nota e a menor no vestibular, em turmas largamente heterogêneas e gerando frustações e problemas psicológicos nestes estudantes.
Os dados de evasão e de reprovação falam por si.
E a universidade não pode ficar entre estas duas opções: a) frustrar estes jovens que não tem condições de se formar ou b) formar pessoas sem condições de exercer a profissão.
O Colégio Catarinense em Florianópolis atende 450 jovens carentes que cursam o ensino médio gratuito. Da mesma forma, outras escolas particulares adotam políticas de inclusão e responsabilidade social. Ainda que se enquadrem no PAA, estes jovens chegam ao vestibular sem a possibilidade desta opção. Por outro lado, alunos das escolas militares recebem ensino gratuito de alta qualidade, contam tempo para aposentadoria e, enquanto estudantes têm suas despesas de alojamento e refeições pagas além de um abono mensal. Estes alunos quando candidatos ao vestibular têm o direito de optarem pelo PAA.
Os 22.500 candidatos não-optantes pelo PAA que concorreram às vagas da classificação geral no vestibular da UFSC em 2016 cursaram o ensino médio em escolas particulares. E isto por dois motivos: i) no Brasil, a qualidade do ensino fundamental e médio é, em geral, melhor nas escolas particularesd+ ii) mesmo que suas famílias optassem pela escola pública, não haveria vagas para suportar tamanha demanda.
É justo segregá-los?…
Daniel Martins e Paulo C. Philippi
Professores do Departamento de Engenharia Mecânica