Prof. Philippi escreve:
– O fato de Ustra se defender das acusações de tortura não significa que ele não as tenha feito e há documentos do próprio Exército que comprovam isto. Não só torturas e humilhações (o que já é muito): ao menos 50 pessoas morreram quando Ustra era comandante do DOI-CODI e a única defesa de Ustra foi que estes documentos (do Exército) “não comprovavam que estas mortes tivessem ocorrido nas dependências do DOI-CODI.” Pode?…
Objeção: Poderias citar que documento do exército comprovaria de forma objetiva que o coronel Ustra cometeu tortura? Desconheço tais documentos.
Esses documentos que você menciona indicariam apenas que, de fato, ocorreram torturas no DOI-CODI por parte de alguns agentes, mas isso não significa que foram necessariamente ordenadas pelo alto comando, e nisto eu diria que surge a dúvida sobre a participação do coronel Ustra. Devemos lembrar que dada a natureza das operações de inteligência e do segredo envolvido nas ações desses agentes, é factível que alguns segmentos, com o tempo, passaram a agir de forma independente e arbitrária. Uma prova disso, fora do contexto da ação do DOI-CODI, nós vemos mais tarde na atuação de grupos das forças armadas contrários a abertura democrática gradual empreendida pelo regime militar, por exemplo, com bombas em bancas de jornais que vendiam o jornal Pasquim, a carta-bomba enviada a sede da OAB no Rio de Janeiro, bem como o fracassado atentado ao centro de convenções do Rio-Centro durante a celebração do 1 de Maio.
– Marighela foi preso em maio de 1964, após o golpe militar e libertado em 1965 por decisão judicial. A ALN só foi fundada em 1968 (4 anos após o golpe militar). O “Manual do Guerrilheiro Urbano” só foi escrito em 1969 (5 anos após o golpe militar). O MR-8 a que você também se refere foi fundado em 1964, mas sua ação na luta armada só se deu a partir de 1966. Reparou nas datas?…São todas posteriores à data do golpe. Uma reação, prezado Marcelo ao golpe e à forma como ele se desenrolou, retirando das pessoas os seus direitos mais elementares.
– Sem esta de contra-golpe. Marighela, o MR- 8 e as guerrilhas foram apenas reações ao golpe. Simples assim. Surgiram depois do golpe (e não antes). Depois de levarem muita porrada!
Objeção: Alegar que a fundação desses grupos, sendo posterior a contra-revolução de 31 de Março de 1964, seria uma reação ao regime militar é uma assertiva mais ou menos óbvia que, contudo, não invalida os objetivos autoritários e ditatoriais desses grupos. Sugiro a leitura dos documentos desses grupos, coletados no livro “Imagens da Revolução” de Daniel Aarão Reis, para se certificar do projeto autoritário desses grupos em transformar o Brasil numa ditadura comunista. Esse é um mito facilmente derrubado se atentarmos para a leitura desses documentos, mas é preciso ir à fonte e estudar tais documentos, algo que você ainda não se dispôs a fazer.
Mas, desejo dar outra argumentação que comprova que os comunistas iam mesmo dar um golpe aproveitando o (des) governo de João Goulart. Há duas referências que indicam isso, ambas escritas por autores ditos da esquerda.
A primeira referência é “A Revolução Impossível” de Luís Mir, pags. 115-120 que relata um encontro de Luís Carlos Prestes com Krushev em Moscou, em janeiro de 1964. Eis as palavras de Prestes sobre a conjuntura nacional
“A luta pelas reformas de base constitui um meio para acelerar a acumulação de forças e aproximar a realização de objetivos revolucionários,[…] o arcabouço institucional impede as reformas, pois elas dependem de dois terços do Congresso, tornando-as irrealizáveis, dado que ele é majoritariamente anti-reformas.
[…] O grande trunfo será o dispositivo militar, capaz não só de barrar um golpe ou uma reação da direita, mas, por uma ação enérgica e com o apoio das massas, desencadear o processo de reformas.
[…] Implantaremos um capitalismo de Estado, nacional e progressista, que será a ante-sala do socialismo.
[…] uma vez a cavaleiro do aparelho do Estado, converter rapidamente, a exemplo da Cuba de Fidel, ou do Egito de Nasser, a revolução-nacional-democrática em socialista. “
A segunda referência é o livro “Combate nas Trevas”, pags. 66-67 de Jacob Gorender, fundador do PCRB (Partido Comunista Revolucionário Brasileiro) onde lemos que
“Tornou-se corrente na literatura acadêmica a assertiva de que, no pré-64, inexistiu verdadeira ameaça à classe dominante brasileira e ao imperialismo. os golpistas teriam usado a ameaça apenas aparente como pretexto a fim de implantar um governo forte e modernizador.
A meu ver, trata-se de conclusão positivista superficial derivada de visão estática das coisas. Segundo penso, o período 1960-1964 marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros neste século, até agora. O auge da luta de classes, em que se pôs em xeque a estabilidade institucional da ordem burguesa sob os aspectos do direito de propriedade e da força coercitiva do Estado. Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo. A classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse.”
Esse relato de Gorender é categórico, pois ele admite explicitamente que 31 de Março de 1964 foi um movimento contra-revolucionário que impediu a ação dos comunistas para tomar o poder (ação que é sempre justificada pelos comunistas com os jargões rasteiros de “defesa da classe trabalhadora”, mesmo que a história demonstre que em nenhum regime comunista os trabalhadores desfrutaram de algum ganho).
Vemos então desses relatos de Prestes e Gorender que em 1964 os comunistas atuavam para tentar tomar o poder. Na literatura, a ação dos comunistas para tomar o poder durante o governo Jango é dita “a segunda tentativa de tomada de poder”. A dita “terceira tentativa de tomada de poder” se deu durante a luta armada com a ação dos vários grupos terroristas. É esta fase que o prof. Philippi acredita ter sido uma reação ao regime, já que foi iniciada depois de 1964, contudo, muitos desses grupos terroristas da luta armada já estavam em gestação antes de 1964, e o fato de não terem optado antes pela luta armada pode ser explicado pela visão da época, a dita “via pacífica”, difundida pela URSS de Krushev que acreditava ser possível tomar o poder sem a revolução armada. Não foi! A influência do golpista Luis Carlos Prestes como líder comunista da época e que era ligado ao PCB e seguia as diretrizes da URSS foi um fator que adiou a opção da luta armada antes de 1964.
Diante das evidências dadas por Gorender e a declaração de Prestes acho engraçado que o prof. Philippi escreva meio contrariado
“Sem esta de contra-golpe. Marighela, o MR- 8 e as guerrilhas foram apenas reações ao golpe. Simples assim. Surgiram depois do golpe (e não antes). Depois de levarem muita porrada!…”
-Você baseia os seus textos no que o Ustra escreveu em “A verdade sufocada”. Ustra mentiu quando negou a autoria de seus crimes. Estaria falando a verdade em seu segundo livro?… Você é, evidentemente, livre, para se alinhar com o que deseja acreditar. Mas não pode colocar a “carroça na frente dos bois”, defendendo o golpe de 64 como um “contra-golpe” ou uma “contra-revolução”.
Na verdade, eu baseio minha argumentação em fatos objetivos baseados não só nos relatos bem documentados apresentados no livro do coronel Ustra, mas também em outros autores como Gorender e Luís Mir. Não me contento em fazer uma exposição rasa de coisa alguma, para isso prefiro ficar em silêncio.
5-O socialismo apareceu em contraposição ao capitalismo como uma forma de organização da sociedade. Não há fuzis em Marx, Engels, Hegel e em toda estes teóricos que se contrapuseram ao capitalismo. Há sim exemplos que não deram certo.
Estranho, ao escrever isso fica a impressão que Marx era um pacifista, contudo, em algum dos escritos de Marx publicados em Neue Rheinische Zeitung , vemos exatamente o contrário. Para mostrar isso cito algumas citações traduzidas para o inglês
(http://www.paulbogdanor.com/left/communists.html)
“… there is only one way in which the murderous death agonies of the old society and the bloody birth throes of the new society can be shortened, simplified and concentrated, and that way is revolutionary terror.”
Karl Marx: “The Victory of the Counter-Revolution in Vienna,” Neue Rheinische Zeitung, November 7, 1848
“We have no compassion and we ask no compassion from you. When our turn comes, we shall not make excuses for the terror.”
Karl Marx : “Suppression of the Neue Rheinische Zeitung,” Neue Rheinische Zeitung, May 19, 1849
Finalmente, vale a pena elaborar sobre este trecho final onde Prof. Philippi escreve:
“… Mas o socialismo nunca “encaixou” na cabeça dos brasileiros, acostumados a 500 anos de servidão aos nossos barões. Por outro lado, do outro lado do Equador, nossos irmãos do norte (de fato, os “pica- grossas” de lá) preocupavam-se com o que acontecia por aqui: “E vai que esta moda pegue?…Já basta Cuba!…” Estes nossos irmãos de lá possuíam (e ainda possuem) uma ampla rede de sócios por aqui. E daí o golpe de 64…com os militares na frente (…bancando os bobos nas mãos de quem, realmente, se interessava pelo golpe).”
Estranho, muito estranho, você menciona os irmãos do Norte e seus interesses no que você chama de “golpe”, mas esquece que também havia um império do Norte que expandia mundo afora a revolução comunista e que tinha Cuba como posto avançado na América Latina que financiava e treinava grupos armados para desestabilizar os governos da região e tomar o poder pela força. Esse seu esquecimento tira toda a credibilidade da sua argumentação. Na verdade, tanto os EUA quanto a URSS exerciam sua influência na região assim como faziam em muitas outras partes do mundo.
– Não sou socialista, mas defendo o direito das pessoas lutarem pelo socialismo. Assim como defendo o direito das pessoas abraçarem o capitalismo como forma de organização da sociedade. E não acho, de fato, discordo profundamente, que se precise da força para impor uma ou outra forma de organização (como o que ocorreu no período ditatorial). Quando isto ocorre é porque a forma que existe é frágil…não é aceita e não está dando muito certo.
Mais um enunciado estranho, muito estranho. Vendo a prática dos que se diziam socialistas, fica evidente que não existe socialismo democrático, talvez tu estejas confundindo socialismo com social-democracia. De minha parte, eu me definiria como “solidarista” entendido no sentido de comunidades inspiradas no exemplo de vida de São Francisco de Assis que se fossem aplicadas em larga escala levaria a formação de pequenos grupos sediados em comunidades como igrejas, centros comunitários etc. onde cada um poderia voluntariamente servir a sua comunidade. Uma idéia onde isso encontra eco é no chamado movimento do home-schooling, mas isso ainda é uma realidade demasiadamente distante.
Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática