“Com relação ao exposto e mesmo que requerente não tenha obtidos pontos nos critérios: a) livro publicado com autor únicod+ b) coautoria de livro publicado nos termos do item anteriord+ c) trabalhos publicados em periódico credenciado ou em anais de Congressosd+ d) relatórios de pesquisas publicados por Instituições de alto conceitod+ … sou de parecer favorável, salvo melhor juízo, ao reconhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina de Notório Saber no campo da Educação a Norival Moreira de Oliveira (Mestre Nô), referência mundial na prática e oralidade da capoeira, legitima manifestação da cultura corporal humana.”
(Trecho do Parecer de Prof. Prof. Edison Roberto de Souza, Diretor do Centro de Desportos/UFSC, aprovando o reconhecimento de Notório Saber ao Mestre Capoeira, Norival Moreira de Oliveira. Os destaques são meus)
Maravilha!
A quanto evoluímos como instituição universitária! (O verbo “evoluir” é usado aqui no sentido de “transformar”, não necessariamente para melhor).
Agora só falta o ex-campeão de MMA, Anderson Silva, the Spider, requerer Notório Saber, que a UFSC certamente concederá, pelas mesmas razões que o concedeu a Mestre Nô, o capoeirista baiano Norival Moreira de Oliveira. Sendo Anderson de cor preta, o reconhecimento fica mais fácil, já que a UFSC, como diz o relator, terá mais uma “oportunidade de superar as resistências segregacionistas do povo do sul…” Assim a cor preta e a região nordestina de origem do pleiteante – vejam como evoluiu a UFSC – são agora partes relevantes do currículo para o reconhecimento do Notório Saber.
Anderson Silva, a exemplo do atual relatado, tem notório saber do ofício, reconhecido internacionalmente, e ministra cursos e treinamentos mundo afora. Além de tudo, Anderson Silva é preto, certo? Não estou seguro de que seja nordestino, mas talvez isto até seja relevado ante o seu pujante (embora não escrito) currículo de disseminador do MMA, antigo Vale Tudo, inventado no Brasil, renomeado, apropriado e aculturado pelos norte-americanos.
Claro, como o atual relatado, Anderson não gerou qualquer literatura que documente seu notório saber, não produziu arte permanente, mas isto é irrelevante, conforme o sábio Parecer, exarado no sábio CUn (Conselho Universitário da UFSC) por um sábio membro. E por aquele colegiado sabiamente aprovado!
Eis a nova UFSC dos Roselanes**, sábia e, além de tudo, uma universidade democrática, popular e progressista.
Mas Anderson Silva é apenas um entre os muitos que a UFSC, através do seu notório, mas nada notável Conselho Universitário, consideraria dono de notório saber. Cito ainda, só para constar, outro lutador de MMA, Antônio Rodrigo Nogueira, o Minotauro, exímio conhecedor e divulgador do ofício e dono de academias para o ensino e propagação da arte da porrada. Minotauro deixou recentemente de lutar e passou a trabalhar como como embaixador do UFC Brasil, com a missão de desenvolver lutadores de MMA para a competição, o que demonstra o reconhecimento internacional do seu notório saber do ofício. Minotauro nasceu em Vitória da Conquista, Bahia, no nordeste brasileiro, o que ensejaria à UFSC, mais uma vez, caso requeresse o reconhecimento de Notório Saber, a “oportunidade de superar as resistências segregacionistas do povo do sul…”, preocupação maior do atual relator.
O homem se reconhece por sua obra, que deixa para a posteridade, segundo Ingenieros? Tolice, a UFSC sábia, democrática, popular e progressista dispensa tudo isto. Nela a obra documentada e permanente deixa de ser relevante e pode mesmo não existir, que esta exigência parece coisa de elitista burguês. Mesmo que a “obra” caracterizadora do notório saber desapareça com a morte do “notório sábio” e que as pessoas futuras não possam compulsá-la – porque não mais existe – a UFSC sábia, democrática, popular e progressista, diz que isso não é relevante. Que vá às favas, José Ingenieros.
A missão da universidade é, desde a Idade Média, gerar, guardar, sistematizar e difundir conhecimento (obviamente tudo documentado, sem o que a missão se torna impossível). Pois a UFSC dos Roselanes (a atual e o próximo) houve por bem alterar esta tradição secular, praticada desde a Idade Média na Universidade de Bolonha. De agora em diante, não há mais necessidade de – documentada e permanentemente – se gerar conhecimento, guardar e sistematizar conhecimento e difundir o conhecimento para conseguir o reconhecimento da UFSC: basta que, por um obscuro processo democrático, popular e progressista, mas “notoriamente” sábio, se conclua que alguém tem – sem objetivamente, ou documentadamente demonstrar – notório saber. Ajuda muito se for preto e/ou nordestino.
E que vá às favas Universidade de Bolonha!
* José J. de Espíndola, Ph.D., Dr.H.C., é Professor Titular da UFSC, Departamento de Engenharia Mecânica, aposentado. É doutorado pelo Institute of Sound and Vibration Research, da Universidade de Southampton, Inglaterra. Produziu uma obra considerada de valor pela comunidade acadêmica internacional, possui algumas patentes, uma delas norte-americana e outra europeia. Por não ser nordestino nem preto (nada é perfeito!) jamais se encorajou a requerer à UFSC o reconhecimento de Notório Saber.
** Para entender a expressão “UFSC dos Roselanes”, leia meu texto intitulado “Shakespeare e Roselane”, devidamente documentado (epa!) em: