Uma forma de pensar o futuro da universidade é através do conceito de modernização reflexa apresentado por Darcy Ribeiro [1] em que através do aperfeiçoamento e inovação a universidade se aproxima progressivamente até se assemelhar às mais adiantadas do mundo. Neste caso não é necessário muita criatividade intelectual, a interação entre os agentes dentro da universidade e fora dela pode gerar uma atividade modernizadora em que alguns setores se desenvolverão mais do que outros dependendo da atuação dos dirigentes e suas relações políticas. Esta universidade pode até apresentar melhorias nos serviços que presta desde que se concorde em atender os critérios que lhe são impostos para o seu financiamento.
Outra forma de pensar a universidade é o desenvolvimento autônomo (conceito do mesmo autor supracitado) em que é necessário realizar um diagnóstico cuidadoso dos problemas internos da universidade, analisar sua relação com a sociedade que a sustenta, definir estrategicamente os objetivos e propor mecanismos para atingi-los. Cabe ressaltar que os objetivos podem ser diferentes, e em geral são, daqueles impostos pela modernização reflexa.
Poderíamos pensar que o desenvolvimento autônomo seria a opção escolhida pela maioria dos docentes universitários, mas muitos dos mais prestigiados mostram uma atitude conservadora ou, no mínimo, modernizadora do ponto de vista de modernização reflexa. Não é incomum que estes professores sintam orgulho dos seus pequenos logros em uma área específica do conhecimento e, por esta razão, se considerem inteligências excepcionais e meritórias com condições suficientes de definir o rumo que a universidade deve tomar. Na universidade não são formados e não está formada por sábios, até porque há algum tempo o cientista e o tecnólogo deixaram de ser sábios.
Diversas estruturas universitárias se desenvolveram atendendo fatores diversos. Estes fatores podem ser desde a necessidade da classe dominante formar seus quadros para se perpetuar no poder até a necessidade de formação de mão de obra qualificada para o desenvolvimento de uma nação independente. De qualquer forma, existem fatores culturais, sociais, religiosos, econômicos e políticos que influenciam a criação de estruturas universitárias adequadas a uma dada necessidade. O conhecimento destes fatores e o histórico de desenvolvimento das estruturas universitárias em diversos países não deve ser usado para transpor um modelo, qualquer modelo, externo para a realidade do Brasil nos dias de hoje, a meu ver.
Para entender um pouco melhor a estruturação da universidade brasileira atual devemos nos remontar à instalação da Universidade de Brasília e cá reproduzo um trecho do texto do Prof. Heron de Alencar [2] “O sistema departamental instituído pela Universidade de Brasília, embora possa não ser o melhor, foi a melhor solução encontrada para procurar corrigir os erros e evitar os problemas motivados pelo sistema de cátedras das demais Universidades Brasileiras”. No mesmo documento consta: “É assegurada a completa igualdade para efeitos didáticos, entre o Professor Associado e o Professor Titular…”, que mostra a não hierarquização entre estas duas categorias.
Um pouco da história do sistema de progressão docente da UFSC
O sistema de progressão vigente na UFSC data de 1991, em uma época que o que se esperava de um professor universitário era que dedicasse 20 horas de sua jornada de trabalho semanal ao ensino, 16 horas à pesquisa e outras 4 horas às atividades de extensão, para completar as 40 horas semanais do contrato de trabalho. Assim se definiu o perfil do professor ideal para a universidade, e a ideia de que um professor deveria fazer as três atividades era um princípio amplamente aceito. Muitos departamentos fizeram propostas de sistema de avaliação, que foram analisados nos centros e, finalmente, a universidade escolheu a proposta do Departamento de Elétrica como sendo a melhor. A partir deste ponto foram realizadas consultas para cada centro a fim de definir o número de horas médias necessárias para cada atividade. Surgiram então o número de horas para escrita de um livro, o número de horas dedicadas à orientação de um pós-graduando e todos os outros itens constantes nas tabelas de pontuação. Devemos ressaltar o caráter democrático dos mentores do sistema de progressão funcional que procuraram conciliar os diversos pontos de vista de forma a conseguir um contrato social que atendesse os anseios da maioria. Como o número de pontos necessários para a progressão para professor adjunto tinha sido definida previamente em 30 pontos foi necessário adequar as 40 horas de trabalho semanal aos 30 pontos para a máxima categoria que podia se atingida por progressão/promoção. Considerando que um professor deveria realizar as três atividades em um perfil ideal, anteriormente mencionado, deveria haver uma “penalização” por se dedicar mais tempo do que o ideal a uma atividade específica (ensino, pesquisa ou extensão), disso decorrem as curvas com “saturação”, para efetivar essa “penalização”. Existem vários fatores de correção, para não prejudicar o eventual mal desempenho em um dado período por quebra de equipamentos (por exemplo), para avaliar a qualidade da produção acadêmica, para adequar o sistema de progressão antigo ao novo (foram previstos 7 anos para completar a transição entre os sistemas de avaliação), etc. Quero expressar aqui o reconhecimento e a gratidão ao Prof. Adaucto Wanderley da Nobrega por ter oferecido os manuscritos que permitiram entender o sistema de progressão, assim como as conversas esclarecedora que tive com ele.
Quando foi instituída a classe de professor associado, que foi uma forma de dar aumento salarial aos professores da ativa sem ter que dar aumento aos aposentados, e que prejudica até hoje todos aqueles que se aposentaram como adjunto, foi instituído que para a nova categoria deveriam ser exigidos 36 pontos, já que para progredir na categoria de assistente eram necessários 24 pontos, e na de adjunto 30 (uma diferença de 6), parecia “natural” exigir mais 6 pontos. O que não foi visto em 2006, ano desta mudança, era que o sistema de avaliação tinha sido pensado para a máxima categoria existente, adjunto, e não poderia ser aplicado para a nova categoria de associado sem realizar mudanças. Esta atitude promoveu uma distorção no número de horas exigidas para progressões na nova categoria. Ao longo dos anos subsequentes houve reclamações, principalmente de professores dedicados fortemente a atividades de pesquisa que não conseguiam atingir os 36 pontos exigidos. Houve até propostas de retirar a saturação para a tabela de pesquisa. Mas ninguém discutia os fundamentos do sistema de avaliação.
Além disto, os professores titulares sempre foram considerados “topo” da carreira e, mesmo aposentados, não sofreram o arroxo salarial que sofreram os que se aposentaram como adjuntos. Cabe lembrar que para ser professor titular deveria existir a vaga e concorrer a ela. Provavelmente, muitos professores adjuntos com mérito para pleitear um cargo de professor titular tiveram que se aposentar como adjuntos por, simplesmente, não existir a vaga disponível. Finalmente, depois de longos anos de reclamação para que o último degrau da carreira fosse o de professor titular e com boatos da criação da categoria sênior entre associado e titular, com os professores em greve, em 2012, foi conseguido que o último degrau da carreira fosse atingido por promoção. Saliento que na modalidade antiga em que o acesso ao cargo de professor titular se dava por concurso era necessário renunciar ao cargo anterior (se o tivesse) podendo perder vários ganhos trabalhistas.
Quando foi instituída a categoria de titular de carreira a UFSC estabeleceu um sistema de avaliação para que os professores pudessem realizar esta promoção. O que foi utilizado, pasmem, foi o mesmo sistema de progressão para a classe de adjunto, agora solicitando 6 pontos a mais, que despois de muita discussão foi reduzido a 4 pontos a mais. Algumas mudanças nas curvas de “saturação” e nos fatores multiplicadores (FM) foram realizadas, mas não existe documentação que as fundamente no processo arquivado na Propg. Eu solicitei ao Prof. Sebastião Soares, diretor do CTC e relator do processo, as memórias de cálculo e ainda não tive resposta.
Finalizo ressaltando o tratamento igualitário promovido entre os professores quando da estruturação da Universidade de Brasília, do fundamento do sistema de avaliação de desempenho da UFSC baseado em número de horas de trabalho, das distorções promovidas em 2006 e 2014 no sistema de avaliação de desempenho dos docentes e do prejuízo financeiro decorrente destas distorções. Portanto, considero que o meu sindicato deve interferir para restabelecer os princípios norteadores dos mentores da Universidade de Brasília e evitar maiores prejuízos financeiros dos professores da UFSC.
*Nestor Roqueiro
Professor do Departamento de Automação e Sistemas
[1] Ribeiro, D., A universidade necessária, Ed. Paz e Terra, 1982 (quarta edição)
[2] de Alencar, H, A Universidade de Brasília – Projeto Nacional da Intelectualidade Brasileira, Comunicação à assembleia mundial de Educação, México, Setembro de 1964.