A recente Assembleia Geral (AG) da APUFSC, inviabilizada por falta de quórum, serviu pelo menos para que um grupo que se auto-intitula “comando local de greve” discutisse sua pauta fora de seu domínio habitual onde não encontram alguém disposto a contestá-los. A ocasião serviu também para acentuar a importância do quórum mínimo como condição necessária para legitimar decisões, pois se o tal comando local de greve organiza uma greve e não informa quantos docentes referendaram a decisão tem-se a impressão de que tudo se passa a nível individual onde o docente pode se auto-declarar em greve. Analisarei então como a ação desse comando local de greve tenta deslegitimar a atuação do sindicato legalmente constituído, a APUFSC, criando uma nova forma de se fazer a greve que chamarei de greve auto-declarada.
Observando as falas de alguns desses docentes que se auto-declaram em greve, vemos várias contradições. Um deles, professor do CFH, reclamou que a APUFSC está desmobilizada e arrisca perder o “bonde do movimento docente”, criticando a APUFSC por sequer conseguir reunir o quórum mínimo de 5% (cerca de 130 sindicalizados) para que a AG se realizasse. Ora, mas tem algo nitidamente equivocado no raciocínio desse professor do CFH que invalida a sua própria crítica. Com efeito, se ele critica a APUFSC pela desmobilização da categoria e adere a um movimento que organiza uma greve passando por cima da APUFSC, por que será que este colega grevista não consegue reunir 130 docentes sindicalizados a APUFSC para que participem da AG e avancem a greve? Só há duas razões plausíveis para isso, da qual analisarei alguns aspectos ao fim de meu texto, que são:
1. A suposta “desmobilização” é de todos os docentes, sejam sindicalizados ou não a APUFSC.
2. Não há um real interesse que tal AG ocorra, pois os docentes da tal comissão de mobilização docente querem delegar para si a organização e condução da greve.
Uma outra contradição nós vemos na fala da Prof. Soraia do CED, que se declara em greve, explica que a greve é por melhores condições de trabalho, pela defesa da universidade pública e gratuita (coincidência ou não, parte dos STA’s que estão anualmente em greve dizem a mesma coisa), chega a mencionar de forma efusiva que falta giz, e finaliza lembrando que há uma contraproposta contemplando 19% de reposição. Diante de tantos pontos colocados para justificar a greve é inevitável que alguns pontos sejam mais determinantes do que outros. Refletindo um pouco, surge um ponto crucial que indica a contradição. Com efeito, muitos alegam que estão em greve pela defesa do caráter público da universidade, melhores condições de trabalho, e a questão salarial. Ora, para que o discurso desses docentes seja consistente fica subtendido que se o governo acenar apenas com um percentual razoável de reposição salarial, mas não cumprir todas as outras exigências, esses docentes deveriam permanecer em greve, do contrário, demonstram que a razão principal acaba sendo mesmo a questão salarial (mas, haveria algo errado nisso?). Entende-se então, perfeitamente, que a formatação do discurso recheado de clichés como “defesa da universidade pública”, “melhores condições de trabalho”, etc. serve como um mero recurso psicológico para o indivíduo se sentir “menos mal” se no fim retornar ao trabalho tendo recebido apenas um ganho salarial. Imagino que tal contradição seja demasiadamente difícil de ser encarada por aqueles que por toda a vida se afirmaram pomposamente como socialistas e que não conseguem se imaginar seduzidos pelo “vil metal”. Mas, não seria mais honesto se reconhecessem isso já no inicio do discurso e não misturassem várias bandeiras de luta para no fim ter que abrir mão de todas elas?
Há uma outra contradição aparente no discurso dos que alegam a “defesa da educação pública” como uma “nobre” razão para estarem em greve, já que uma análise cuidadosa nos mostra que tal razão nem é tão nobre assim, pois a greve precariza a formação dos estudantes mesmo quando se repõe as aulas, dada a descontinuidade causada pela interrupção das mesmas. O que dizer então do prejuízo causado na formação dos estudantes quando alguém que se auto-declara em greve não pode repor as aulas, simplesmente porque a greve não foi reconhecida e não haverá reposição? O aluno sai definitivamente prejudicado. Ah, claro, sempre há o recurso de afirmar que educar consiste em infundir uma reflexão crítica (marxista) nos estudantes e não em ensinar conteÚdos.
Analiso agora alguns aspectos implícitos nas duas questões que mencionei anteriormente. O significado do termo “desmobilização da categoria” aludido na questão 1, e muito repetido em reuniões do sindicato, admite uma leitura corrente feita por alguns, mas de modo algum exclusiva, que quase sempre se refere à reduzida participação dos docentes na AG e que assinalaria um suposto desinteresse da categoria nas questões do sindicato. Contudo, isso está longe de indicar indiferença com o sindicato, pois o que há é tão somente uma recusa à forma como se dá a dinâmica sindical. Na fonte do problema existe um contraste entre dois grupos. Um grupo que defende que o sindicato ocupe um caráter eminentemente político/ideológico, mesmo que isso demande um tempo demasiado que o docente poderia usar para seus estudos (sim, um docente tem que estudar continuamente!!). Há um outro grupo que defende que o sindicato atue no estrito limite da defesa dos interesses profissionais da categoria e que não se imiscua em questões secundárias, de modo a não ter que pensar numa proliferação interminável de informes contendo análises de quase tudo, desde a conjuntura política-econômica-social do país e do mundo, passando pela defesa do bolivarianismo, ou a superação das desigualdades e injustiças do capitalismo e a implementação do socialismo/comunismo (como se a história não demonstrasse que tal experiência também reproduziu e ampliou as mesmas injustiças sociais e aberrações do sistema capitalista que tanto criticam).
O contraste entre essas duas percepções de sindicato tem se acentuado radicalmente devido a uma mudança na compreensão do que é a carreira docente, que na universidade incorpora atividades de ensino, pesquisa e extensão e que atualmente super dimensiona a pesquisa, a ponto de alguns terem cunhado pejorativamente um termo para isso: “produtivismo acadêmico”. Não entrarei no mérito se é justo ou não o sentido pejorativo atribuído à expressão, pois não há justificativa alguma para extremismos que justifiquem, por exemplo, um docente deixar de cumprir a contento suas obrigações (ensino, pesquisa e extensão) por conta de um ativismo sindical que lhe ocupa um tempo excessivo, nem tampouco que um docente motivado por puro carreirismo, ou pela vaidade de desejar estar em evidência entre seus pares, se ocupe apenas da sua pesquisa em detrimento das suas obrigações de ensino, quer seja para cumprir a risca os requerimentos das agências de fomento, ou para afagar seu orgulho diante de seus colegas exibindo sua lista de publicações. O ponto é que a universidade pública passa por uma situação singular onde mesmo em universidades cujos sindicatos oficialmente deliberam pela greve, a adesão a greve se mostra apenas parcial. O caso mais emblemático que representa a situação de muitas outras universidades públicas talvez seja a da UFRJ e seu sindicato ADUFRJ, dominado pelo ANDES, que usando a velha prática do assembleísmo decreta greves que conseguem agregar apenas os docentes de certos departamentos, enquanto que os docentes de outros departamentos seguem suas atividades normalmente, não aderindo à greve. Não sei precisar direito a razão disso, mas cada área tem suas próprias particularidades e exigências sendo diferenciado o esforço de investigação e estudo dos problemas inerentes as diversas áreas, o que se reflete também na complexidade do que se ensina em sala de aula. Só para fixar idéias, deve haver alguma razão para alguns problemas na matemática como o “Teorema de Fermat”, a “Conjectura de Poincaré” (recentemente elevado a condição de um teorema), serem postos universalmente como grandes problemas, bem como na Física certamente são considerados grandes problemas obter uma formulação adequada para a “quantização da gravitação” ou a “unificação das forças fundamentais”. O que demonstra o caráter grandioso e universal de tais problemas é a existência de uma vasta literatura que tenta explicar esses problemas a um público não especialista, o que mostra o interesse e fascínio que os problemas da matemática e física suscitam no cidadão comum razoavelmente bem-educado, transcendendo nacionalidades e fronteiras (peço desculpa aos meus colegas de outras áreas que por ventura se sintam ofendidos por ter me limitado somente a alguns problemas da matemática e da física. Assim, convido colegas das áreas A,B, C,…, para que, à semelhança desses famosos problemas da matemática e da física, compartilhem seus problemas conosco). Ora, diante do fascínio que a pesquisa exerce atualmente sobre muitos, e da valorização natural que se dá a ela (o que explica o ganho salarial via bolsas de pesquisa etc.), como convencer então um colega que está imerso em suas pesquisas e estudos (e assim o faz porque também sente uma enorme satisfação de ordem “estética” em pensar os problemas da sua área) que ele deve se mobilizar, por exemplo, para escutar alguém falar que a APUFSC deve se filiar ao ANDES, ou a ter que acompanhar quem quer que seja a passar informes diários sobre as negociações do sindicato em Brasília, ou ter que participar semanalmente de AG’s? Assim, nessa ótica, quando uma AG não ocorre por falta de quórum talvez isso seja uma indicação não de indiferença diante do sindicato, mas sim da desaprovação e renúncia dos docentes em ter que participar de algo que muitas vezes consome um tempo demasiado e que se mostra incompatível com as demandas atuais da atividade docente. O grande erro é esse, achar que todos os docentes possam dar igual resposta em termos de tempo as demandas de um sindicato que por vezes tende a atuar como um super sindicato, como se a demanda de esforço de um docente para dominar a sua área e cumprir suas obrigações fosse algo homogeneamente igual e independesse da área de cada um. Esta seria uma explicação possível para a não adesão uniforme de todos os centros quando se tem uma greve, já que haveria para muitos docentes a percepção de que há mais a se perder com uma greve em termos da precarização da qualidade de seu trabalho de formação (de alunos) e pesquisa do que a se ganhar, já que certamente há outras formas de reivindicar os mesmos direitos.
Finalizo com a questão 2, analisando
o que levaria um tal “comando local de greve” a advogar para si a organização e condução de uma greve passando por cima da APUFSC, o sindicato que tem a prerrogativa legal para isso?
Talvez isso tenha a ver com o formato da deliberação não ser favorável ao que esses docentes desejam, do contrário, por que estariam organizando uma greve se a APUFSC também pode fazê-lo? Esta é a questão crucial que precisa ser elucidada.
Ora, na APUFSC, a AG de deliberação de greve segue um modelo de AG permanente em dois dias, com um primeiro dia dedicado apenas a debates e um segundo dia reservado para deliberação com votação em urna contando com a presença de pelo menos 25% dos associados (algo em torno de 625 docentes) e aberta a todos os docentes, sindicalizados ou não a APUFSC, embora isto não esteja dito no estatuto. Este formato racionaliza o processo de deliberação da greve permitindo que todos participem e decidam, eliminando de uma vez a prática de se alongar propositadamente uma AG intercalando falas até que ela fique esvaziada e, por fim, a decisão seja tomada por uma minoria. Na prática, quem gosta de discutir por longas horas e acredita que pode convencer os outros ainda pode fazer isso na AG do primeiro dia, contudo, a greve é decidida mesmo no dia seguinte onde cada docente vai a hora que bem desejar depositar seu voto em urna a favor ou contra a greve. E é exatamente este formato de deliberação com votação em urna que dá legitimidade a greve.
O grande problema que alguns têm em aceitá-lo reside no caráter inequívoco que se obtêm das urnas que expõe o número exato a favor ou contra a greve e do fato do processo ser aberto a todos os docentes. Este processo de deliberação da APUFSC é, assim, um verdadeiro xeque-mate nas pretensões dos docentes que se auto-declaram em greve, pois não estando eles impedidos de participar da votação em urna não podem dizer que a consulta é ilegítima e, se insistem em não participar, deveriam ao menos dizer por que não querem participar. Seriam contrários a um modelo que flexibiliza a consulta aos associados? Ou será que preferem o modelo antiquado da AG que afugenta aqueles que querem participar do processo decisório, mas não desejam se submeter à manobra da assembléia geral interminável para propositadamente ficar esvaziada e se submeter ao que uma minoria decidir? Se decidem participar, aceitam o processo como legítimo e, assim, podem se colocam numa situação onde permanecer em greve se configura uma clara ilegalidade, um verdadeiro esculacho com o povo que paga nossos salários É daí que se compreende a insistência do comando local de greve de passar por cima da APUFSC convocando AG’s para decidir greve quando a própria APUFSC dispõe de um processo de consulta que se mostra mais inclusivo e racional.
Definitivamente, a estratégia de fomentar paralisações de docentes por centros mostra-se ineficaz, não implicando que outros centros façam o mesmo. E é aqui que vemos a APUFSC como a Única entidade de classe capaz de resolver a questão, pois estamos caminhando para a convocação de uma AG da APUFSC para deliberar sobre a greve É nesta ocasião que saberemos se esses que se auto-declaram em greve são maioria ou não. Que venha então a AG extraordinária para que todos os docentes decidam se querem ou não a greve. Será que os colegas auto-declarados em greve aceitam participar deste processo? Finalizo ressaltando a todos que não estamos apenas decidindo a questão da greve, há algo muito mais importante que isso e se refere ao que coloquei no início de meu texto e que chamei de uma nova modalidade de greve que fomenta decisões individuais e por departamentos ao invés de deixar que o sindicato atue na questão agregando todos os docentes, o que é, aliás, o papel do sindicato. A participação de todos os docentes no processo conduzido pela APUFSC, quer seja pela greve ou contra a greve, é fundamental para que não permitamos que comandos locais de greve tomem para si um papel que não lhes pertence e, assim, submeta toda a categoria docente a um processo decisório do qual sequer conhecemos as regras, ou qual é o quórum mínimo, e num formato que lembra as AG’s do ANDES É contra esta volta ao passado que devemos nos unir e ser contrários. Apoiar a APUFSC é essencial.
*Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática da UFSC
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