Por que devemos combater a insidiosa ideologia de gênero III: Comentário a um texto de Susana Funck

Prof. Susana Funck em seu texto “Mau hálito na UFSC (ou: sobre gênero e ideologia)” faz duas afirmações onde tenta delimitar o conceito de “gênero”, a saber,

“Não podemos e nem queremos negar que construções e relações de gênero sejam ideológicas e que suas consequências sejam políticas. O gênero é, sim, ideológico.” (*)

e

“Como categoria de análise, o conceito “gênero” surgiu em decorrência das lutas feministas na segunda metade do século passado. Em linhas gerais, refere-se aos significados culturais e sociais atribuídos ao feminino e ao masculino em diferentes épocas e lugares, ou seja, cria a possibilidade teórica de pensar feminilidade e masculinidade fora de uma visão essencialista, aquela que, por razões históricas e com base na biologia, separou os seres humanos em duas categorias excludentes e diametralmente opostas: o homem e a mulher.” (**)

Do que foi dito acima, vemos que a prof. Susana reconhece que as relações de gênero tem uma componente ideológica que produz desdobramentos políticos. A conseqEuumld+ência lógica disso é que a ideia de gênero se projeta para o campo da ação e do ativismo. Além disso, segundo a prof. Susana, o “gênero” constituiria uma forma de se pensar os atributos “feminino” e “masculino” na sua manifestação, digamos, cultural ou social, em contraponto a sua manifestação determinada pela biologia, que se resume na dualidade homem/mulher.

Vejo aqui um progresso enorme ao se tentar definir de forma inteligível o que seria gênero e, assim, proponho reavaliar, a luz do entendimento da prof. Susana, o sentido da assertiva

ser homem ou mulher ou, equivalentemente, ser masculino ou feminino é uma construção social e política e não algo biologicamente determinado” (***)

Como está explicitamente colocado em (**), vemos que não há uma Única forma de se pensar os atributos “masculino” e “feminino”, ou a condição homem ou mulher, pois podemos pensá-los tanto numa forma condicionada por elementos culturais e sociais, quanto numa forma condicionada pela biologia.

Assim, a simples admissão de que há duas leituras para se entender os atributos masculino/feminino, ou a condição homem/mulher contraria a veracidade da assertiva (***), pois como a prof. Susana coloca é tão somente uma questão ideológica o que determina a compreensão do masculino e do feminino como condicionado por fatores culturais e sociais.

Observado isso, volto a um ponto central levantado em meus dois textos anteriores sobre o que justificaria a introdução da ideologia de gênero de forma compulsória nas escolas. Ora, aplicando a compreensão que a prof. Susana dá ao conceito de gênero vemos que não há nenhum caráter experimental que indique a validade e eficácia do princípio geral expresso em (***), já que ela mesmo admite que também há uma leitura biológica da masculinidade e feminilidade, assim, tal assertiva dada em (***) trata-se apenas de uma crença, pois não há nada de científico que a justifique. O mais bizarro, contudo, é considerar que se a questão do gênero subsidia uma ideologia, então sua introdução nas escolas é parte de um ativismo que visa fomentar uma nova atitude, um novo paradigma. Mas, com que direito? Há algo de intrinsecamente valoroso na crença expressa em (***) que justifique impô-la sobre todos na escola pública?

Agora, analisemos com mais profundidade a questão ideológica reconhecida pela prof. Susana. Ora, se há uma motivação ideológica para se tratar a questão do gênero então ela certamente fomenta ações que tem objetivos específicos. Quais? Prof. Susana dá a entender que um deles seria corrigir uma polarização que diminui o “valor social da mulher” alegando que

“existem mais diferenças entre as mulheres e entre os homens do que propriamente entre homens e mulheres. Mas essa polarização serviu, e ainda serve em muitos contextos, para diminuir o valor social das mulheres, uma vez que toda dicotomia inevitavelmente privilegia um dos termos”

Vemos aqui uma sentença totalmente ilógica. Com efeito, que polarização a prof. Susana afinal quer assinalar como causadora da diminuição do valor social das mulheres? Ora, se ela identifica que há diferenças entre o mesmo tipo, seja homem, seja mulher, e depois menciona que também há diferenças entre diferentes tipos, por exemplo, “homem e mulher”, isto sugere que a natureza da polarização confrontaria “diferenças entre elementos do mesmo tipo” versus “diferenças entre elementos de diferentes tipos“. Se for, então prof. Susana forçosamente estaria afirmando que o que causa uma diminuição do valor social das mulheres é na verdade o fato de haver mais diferenças entre mulheres e mulheres do que entre “homens e mulheres”. Neste caso, a culpa pela diminuição do valor social das mulheres seria conseqEuumld+ência das diferenças existentes entre as mulheres pelo fato de ser de uma magnitude maior do que as diferenças percebidas entre homens e mulheres, ou seja, a culpa pela diminuição do valor social das mulheres recairia sobre as próprias mulheres. Não creio que tenha sido esta a intenção da prof. Susana. Alguém poderia ainda argumentar que são as diferenças entre homens e homens que causam esta diminuição do valor social da mulher, contudo, não parece crível que diferenças entre homens resultem em algo que se exprima diretamente sobre as mulheres, exceto no caso onde tais diferenças se prestem a conquista do afeto de uma mulher, o que de modo algum reduz a condição da mulher, mas produz um movimento contrário que eleva a condição da mulher por esta se tornar a razão de uma disputa, e há muitas mulheres que podem confirmar isso, para desespero das feministas! Mas, o que é mesmo ilógico na argumentação da prof. Susana não seria a conclusão anterior que põe a culpabilidade nas diferenças existentes entre as mulheres, mas sim que, pensando desta forma, não teríamos razão aparente alguma para não supor que a diferença entre homem e homem também não acabaria por produzir uma diminuição no valor social dos homens, algo que certamente minaria a posição vitimista das feministas, já que, a semelhança destas, criar-se-ia o tipo “masculinista” (que não é machista, a menos que admitamos que a feminista seria a versão feminina do machista, será?), que então adotaria o mesmo vitimismo como forma de militância. O fato de não existir ainda este tipo “masculinista” (ou de alguém ter cogitado sua existência) demonstra o caráter ilógico do que foi posto pela prof. Susana ao falar da tal “polarização”. Assim, para fazer algum sentido, devemos corrigir a afirmação da prof. Susana admitindo que se há alguma polarização ela reside apenas nas diferenças entre tipos distintos, como as que existiriam entre homem e mulher. Mas, também aqui vemos problemas, pois, neste caso, tais diferenças seriam necessariamente todas ruins? Ou, equivalentemente, será que a supressão generalizada das diferenças entre homem e mulher seria algo bom? Seria algo que as mulheres como um todo concordariam, ou seria apenas algo com que as feministas concordariam? Notemos que não é possível manter algumas diferenças eliminando outras, pois, do contrário, estaríamos sendo seletivos e, como afirmou a prof. Susana, “privilegiaríamos um dos termos”. Salta então aos olhos a forma simplória como a prof. Susana faz tal afirmação, pois sequer estabelece qualquer reflexão sobre isso, mas parece que endossa tal visão quando escreve que

Politicamente, gênero tem, portanto, a vantagem de quebrar modelos rígidos de sociabilidade, aqueles que aprisionam tanto homens quanto mulheres em comportamentos padronizados (homem não chora, mulher não diz palavrão e tantas outras regras sociais que aprendemos desde muito cedo)

Será? E para corroborar isso dá um exemplo mal construído e tendencioso querendo induzir no leitor a resposta que ela deseja ao escrever que

“sua sobrinha de uns quatro anos solta um pum na sala e o pai a repreende: “Que é isso, minha filha? Menina não peida.” “Não peida, pai?” “Não, pode perguntar pra tua mãe.” Ao ouvir a confirmação enfática da mãe, a menina, pensativa, responde: “Mãe, então eu sou homem”.

Ora, prof. Susana, seu exemplo é mal construído, pois, dependendo do lugar, tal prática de soltar gases em público é bem normal (por exemplo, nos EUA isso parece ser algo bem comum), e se trata de um exemplo tendencioso, pois os pais poderiam muito bem ter feito a mesma advertência caso fosse seu filho que tivesse soltado um “pum”, o que anularia a estigmatização da condição feminina a que você nos tenta induzir neste exemplo, e que se mostra tão importante em todo o seu discurso. Mas, voltando à questão das diferenças, e admitindo que não deva existir diferença alguma (sob pena de privilegiar um dos termos, como bem disse a prof. Susana), me pergunto como a prof. Susana convenceria as mulheres que elas não devem receber flores de seus homens (maridos, namorados) em datas especiais? Sim, pois há um simbolismo no papel de quem dá e de quem recebe flores que reforça um caráter muito bem definido entre homem e mulher, que não deixa de ser um papel biológico, ao menos é tão biológico e universal quanto um passarinho João-de-Barro deixar sua “Joana-de-Barro” confinada em casa (as feministas piram com esse exemplo!). Ora, estariam as mulheres dispostas coletivamente a recusar flores, que expressam um sentimento sublime de quem as oferece, simplesmente para se conformar ao ego e ativismo de algumas poucas mulheres que acham que isso serve apenas para reforçar uma diferença nociva entre homem e mulher? Sinceramente, espero que não, pelo menos no que concerne a mais adorável e sublime delas, a doce KCG.

Mas, voltando a parte da assertiva (**)

“biologia, separou os seres humanos em duas categorias excludentes e diametralmente opostas: o homem e a mulher”

por que não poderíamos pensar que a biologia dispôs os seres humanos em duas categorias complementares, afinal, a manutenção da própria espécie só é garantida por essa complementaridade entre homem e mulher, o que mostra o equívoco da afirmação feita pela prof. Susana, pois aquilo que se complementa não se exclui, QED.

Prof. Susana afirma também que

Os efeitos políticos dos estudos de gênero, embora ainda tênues, já podem ser percebidos nas instituições e nas práticas cotidianas. Atualmente não mais se aceita, por exemplo, na maioria das sociedades ocidentais, que mulheres e homossexuais, entre outros grupos “minoritários”, sejam ironizados ou ofendidos.

Sim, de fato, é uma grande conquista prof. Susana, mas seríamos demasiadamente otimistas em acreditar que os “efeitos políticos dos estudos de gênero” possam produzir uma mudança de atitude de ativistas do movimento LGBT e de grupos feministas como o FEMEN que os levem a refletir sobre o desrespeito com que símbolos cristãos são vilipendiados como vimos na Última parada gay de São Paulo, e também nos eventos ocorridos durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, quando ativistas realizaram uma performance ofensiva onde introduziram imagens religiosas em seu ânus com o Único propósito de chocar os peregrinos católicos que ali estavam. Afinal, prof. Susana, o seu conceito de respeito é algo de aplicabilidade geral ou se restringe somente as minorias, isentando essas mesmas minorias de respeitarem a maioria?

Prof. Susana finaliza seu texto desabafando

Se, para alguns, as liberais são perigosas ao pregar a igualdade de direitos, aceitando e tornando visíveis as várias formas de sexualidade humana, para outros (e aqui me incluo), as conservadoras são bem mais perigosas ao negar as diferenças e, especialmente, ao incitar a homofobia e a violência moral e física contra a mulher. Pois é o mau hálito conservador que instiga a barbárie de gênero cometida por grupos como o Estado Islâmico e o BokoHaram, por exemplo, sem deixar de mencionar os crimes homofóbicos em nosso país, e os estupros e humilhações sofridos diariamente pelas mulheres no Brasil.

Tal afirmação é confusa e sem sentido, pois a condição de liberal ou conservador é definida apenas por um posicionamento. E vejo aqui uma tremenda contradição na afirmação da prof. Susana, pois ela fala tanto em aceitar a diferença, contudo, nega o direito que o conservador tem em afirmar sua visão ao taxá-la de visão homofóbica. Na verdade, inferir que a visão conservadora induz a homofobia e tão equivocado quanto dizer que a visão liberal induz a cristofobia, pois um e outro desequilíbrios são meramente frutos de um pensamento deturpado que existe entre alguns grupos liberais e conservadores. Mas, o discurso da prof. Susana é no mínimo fragmentado, pois afirma que há crimes homofóbicos, dando a entender que isso é algo generalizado e endêmico, sem apresentar, contudo, qualquer estatística indicando isso. Assim, gostaria que a prof. Susana apresentasse dados concretos sobre aquilo que afirmou e nos explicasse se estas estatísticas incluem também os casos quando um homossexual comete um crime contra outro homossexual.

Prof. Susana, não me entenda mal, mas meu ponto aqui nada tem a ver com a sua crença pessoal nas “questões de gênero”, isso não faz a menor diferença para mim, afinal, a crença é sua, não minha. Desde que a senhora e ninguém mais não deseje impor sua crença sobre outros introduzindo compulsoriamente a ideologia de gênero nas escolas, tens tanta razão em defender sua crença quanto um astrólogo tem em fazer suas previsões. Está aí um direito que lhe pertence que me disponho a defender.

Nota: Em tempo, deixo em público meu veemente repúdio às pesquisadoras do Instituto de Estudo de Gênero (IEG) que encaminharam ao comitê editorial da APUFSC suas considerações sobre meu primeiro texto, algo que levou o próprio comitê editorial a publicamente declarar que não faz censura a artigos de opinião. Paira então uma dÚvida sobre o teor do que foi posto ao comitê editorial pelas pesquisadoras do IEG, o que é reforçado por uma petição pública lançada contra meu texto

https://secure.avaaz.org/po/petition/IEG_Instituto_de_Estudos_de_Genero_Repudio_a_publicacao_de_conteudo_preconceituoso_no_boletim_da_APUFSC/?noHsccb

Diante de tais atitudes, lembro a tais pesquisadoras que estamos em um meio acadêmico onde é normal discutir idéias e que petições e pressões para a APUFSC não publicar textos de opinião de seus associados é atitude questionável e fora dos padrões tanto de um sindicato quanto de uma instituição acadêmica, afinal, somos professores, não somos? Reafirmo a vocês, pesquisadoras do IEG, que não vou deixar de escrever por causa da contrariedade de vocês. Este boletim é o espaço onde qualquer um pode expressar livremente suas idéias, de modo que vocês não detêm nenhuma autoridade intelectual sobre mim que me faça deixar de escrever. Que saiam das sombras e venham então debater aqui neste espaço como fez a prof. Susana.

*Marcelo Carvalho
Professor Departamento de Matemática

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