O Instituto de Estudos de Gênero da Universidade Federal de Santa Catarina (IEG/UFSC), vem por meio dessa carta repudiar o texto publicado no Boletim da APUFSC, divulgado no site desta instituição, no dia 8 de junho de 2015, denominado Porque devemos combater a insidiosa ideologia de gênero. O Instituto avalia que se trata de um conteÚdo superficial e incompetente na forma de abordar as questões de gênero e suas interseccionalidades, mostrando um desconhecimento total de décadas de estudos e pesquisas na UFSC e em instituições de todo o mundo e os pressupostos de organizações e agências de fomento nacionais e internacionais que reconhecem a necessidade de incluir a sensibilização das questões de gênero nas escolas, visando combater as desigualdades e discriminações presentes em nossa sociedade.
Esse tipo de texto reforça e estimula atitudes preconceituosas, manifestações discriminatórias, discursos de ódio e intolerância, travestidas de “liberdade de expressão”, além de ofuscar uma das facetas mais graves das desigualdades sociais: a violência de gênero. é chocante o desdém e a ignorância com que o autor do texto trata as lutas pela igualdade de gênero, nomeando-a vulgarmente de “ideologia de gênero”, recorrendo aos discursos homofóbicos de deputados de atuação controversa como Jair Bolsonaro (PP/RJ) e Izalci Ferreira (PSDB/DF), para produzir uma análise reducionista de fragmentos de livros didáticos que estimulariam o desejo homossexual de crianças, numa associação compulsória entre gênero e “opção” sexual.
O Instituto de Estudos de Gênero da UFSC considera que esse tipo de crítica conservadora e fundamentalista, que argumenta em favor da “família tradicional” e da “moral cristã”, tem tentado criar obstáculos ao avanço de discussões urgentes na sociedade, como a valorização das diversidades, a criminalização da homofobia, o progresso em torno da despatologização de pessoas trans. Além disso, tais tipos de discurso que fomentam o ódio e a intolerância, desconhecem mais de um século de debates e de lutas pela equidade de gênero nas sociedades ocidentais. Da mesma forma, ignoram que essas lutas surgem das constantes transformações das práticas sociais em nossa sociedade. Por fim, observamos que estes discursos parecem desconhecer que ideologias religiosas endossaram no passado e continuam apoiando atualmente, regimes ditatoriais e projetos políticos autoritários, numa demonstração da mais absoluta incapacidade de conviver com a diferença, vislumbrada sempre como uma ameaça. Nunca é demais perguntar: quais as razões que levam as mudanças de valores serem vividas como ameaça para vários setores impregnados pelos fundamentalismos religiosos e políticos?
E mais: por que será que um Boletim de uma Associação que representa os/as docentes da Universidade Federal de Santa Catarina, uma instituição plural como convém a uma sociedade democrática, publica esse tipo de discurso? A que ideologia ele interessa?
Algumas respostas a essas questões parecem evidentes. Outras nem tanto. O Instituto de Estudos de Gênero da UFSC considera fundamental reagir aos preconceitos, ao ódio e à discriminação, tanto a partir das pesquisas de ponta que desenvolve, quanto pelas ações de extensão que realiza há mais de 20 anos em Santa Catarina, contribuindo cientificamente ao enfrentamento de desigualdades, violências e discriminações.
*DrEordfd+ Miriam Pillar Grossi
*DrEordfd+ Mara Coelho de Souza Lago
*DrEordfd+ Zahidé Lupinaci Muzart
Coordenadoras do IEG/UFSC
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