Eficácia das pesquisas universitárias

A renomada revista Nature divulgou, com o título “Science in 2015”, suas previsões para o ano que começou. Prevê que os dez milhões de pesquisadores do mundo trabalhem cerca de 26 bilhões de horas e publiquem aproximadamente 920 mil artigos em revistas conceituadas. Os recursos para pesquisa e desenvolvimento devem chegar a 1,9 trilhões de dólares. O crescimento destes dispêndios foi de 36% entre 2005 e 2010 e deve alcançar 46% entre 2010 e 2015. Os cursos de pós-graduação que formaram 125 mil doutores em 2002 devem formar 260 mil em 2015.

Esses números auspiciosos mostram que mesmo em períodos de crise econômico-financeira, os países mais desenvolvidos não deixam de investir em PED. Os dirigentes desses países estão convencidos de que os conhecimentos que vêm sendo gerados são muito valiosos para construir um futuro melhor para as respectivas nações e para toda a humanidade. Lembro que o professor e atual senador Cristovam Buarque, que foi reitor da UnB e ministro da educação, dizia que todo professor universitário deveria contribuir, através de suas pesquisas, para a evolução da ciência mundial ou, pelo menos, para a solução dos problemas da sociedade brasileira.

No entanto, o físico Rogério de Cerqueira Leite que é professor emérito da UNICAMP, em recente artigo publicado na Folha de São Paulo, informa que a mesma revista Nature publicou também dois artigos que podem deixar a comunidade acadêmica do Brasil profundamente envergonhada. O professor Cerqueira Leite intitulou seu artigo com a provocação: “Produção científica e lixo acadêmico no Brasil”. Dentre os 53 países analisados pela Nature o Brasil ocupa o 50º lugar, na frente apenas do Egito, Turquia e Malásia, com referência à eficácia no uso de recursos aplicados em pesquisa.

Em seu artigo, o professor Cerqueira Leite que tem participado de várias gestões da FAPESP e do CNpQ, onde é pesquisador emérito, atribui esta deplorável situação do Brasil a três causas básicas. A primeira seria o “distributivismo” demagógico que acaba levando recursos para equipes sem competências adequadas. A segunda causa seria o emprego vitalício nas instituições públicas que resulta em acomodação de muitos pesquisadores. A terceira causa apontada é a burocracia no sistema de gestão das instituições públicas que acaba soterrando as iniciativas dos pesquisadores bem intencionados.

Acredito que a atual avalanche de resoluções sobre pesquisa na UFSC pode agravar especialmente esse terceiro problema apontado pelo professor Cerqueira Leite, com prováveis desdobramentos futuros em relação à primeira causa de ineficácia que apontou. Acredito também que as universidades federais podem ser muito competentes em gerar novos conhecimentos a partir de temas específicos, contando com a capacidade intelectual e a disposição de seus alunos, especialmente da pós-graduação. Mas também acredito que as IFES têm muitas dificuldades em identificar temas de pesquisa realmente relevantes para a sociedade brasileira. A visão disciplinar fragmentada, de uma realidade circundante que é essencialmente transdisciplinar, prejudica muito essa identificação.

A referida revista Nature em um editorial de 30/12/14, intitulado “Time for the social sciences”, propõe uma alternativa que poderia contribuir para aumentar a eficácia das IFES brasileiras. A realização de projetos multidisciplinares integrados que contemplem, além das ciências naturais e das áreas tecnológicas, também óticas sociais, econômicas e culturais poderia melhorar significativamente o desempenho do sistema universitário brasileiro. As universidades detêm competências interdisciplinares que não são devidamente utilizadas.

Entidades nacionais, como a ANDIFES, poderiam atuar junto ao MEC e ao MCTI para que nos projetos de origem governamental ocorresse uma maior integração das ciências naturais e com as sociais e as humanidades. Em Santa Catarina um processo de planejamento estratégico do setor industrial, patrocinado pela FIESC e pela FAPESC, está sendo desenvolvido com a participação de empresários e de professores das áreas de engenharia e economia, com ótimas perspectivas na avaliação dos participantes. Alunos formados em ambientes de pesquisa multidisciplinar, além de mais motivados, adquirem uma visão mais abrangente do entorno, altamente benéfica para sua futura atuação profissional.

Nos países mais desenvolvidos, grande parte das organizações dos sistemas produtivos de bens e serviços dispõe de pessoal capacitado para acessar e utilizar os conhecimentos científicos e tecnológicos divulgados pelas universidades de todo o mundo, que sejam considerados relevantes. Tais pessoas detêm os conhecimentos básicos necessários e dominam os idiomas nos quais esses conhecimentos foram divulgados.

Em países como o Brasil as empresas e os órgãos públicos em geral não dispõem dessas condições e mecanismos. Assim, para que os conhecimentos das universidades possam ser efetivamente utilizados em benefício da sociedade brasileira, torna-se necessário um eficiente processo de extensão que consiga fazer uma verdadeira ponte entre a academia e os sistemas produtivos nacionais. O trabalho que está sendo desenvolvido pela FIESC, com o apoio da FAPESC, pode ser um bom exemplo desse processo.

*Raul Valentim da Silva

Professor aposentado da UFSC