Os debates sobre a possível adesão à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) aconteceram no mês de novembro em diferentes centros de ensino da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) buscando esclarecer a situação para a comunidade universitária. Representantes do Hospital Universitário (HU), membros do Fórum Catarinense em Defesa do SUS e Contra a Privatização da Saúde, representantes de outras universidades e até procuradores do Ministério PÚblico participaram dos debates para evidenciar pontos positivos e negativos sobre a Empresa.
A questão começou em 2011 quando o governo federal criou a empresa para uma gestão unificada dos Hospitais Universitários do Brasil. De acordo com a Lei que criou a Ebserh, a adesão é voluntária e o objetivo da empresa, pública, mas de direito privado, é facilitar a administração dos recursos e pessoal dos HUs, concentrando a gestão em uma entidade. Os principais fatores em discussão envolvem a administração dos recursos que o HU recebe e a contratação de novos funcionários para suprir as demandas do Hospital.
Hoje o HU tem 103 leitos fechados e para a abertura destes é necessária a contratação de pelo menos 450 pessoas. A estimativa de funcionários necessários para que o Hospital funcione com plena capacidade é em torno de mil novas contratações. Atualmente, quem negocia os novos concursos é a Reitoria por meio do MEC, passando pelo Ministério do Planejamento. De acordo com Carlos Eduardo Pinheiro, membro do Conselho Diretor do HU durante 12 anos “No modelo atual se é concurso para reposição de pessoal, eu tenho que fazer pedido para o MEC e ele autoriza. Se eu quiser ampliação de vagas, eu tenho que pedir pro MEC, que consulta o Planejamento, então faz um projeto de Lei pedindo autorização para o Congresso Nacional ampliar o quadro, o que é complicado. Isso é um dos motivos principais para aceitar a adesão, um hospital sozinho não consegue nada no Congresso Nacional, ele só consegue quando é um grupo de hospitais”, explica Pinheiro.
Simone Hagemann, do Fórum Catarinense em Defesa do SUS e Contra a Privatização da Saúde, explica que poderia haver mais esforço da Reitoria e da Direção do Hospital na questão dos concursos “O concurso de 2008 foi feito por iniciativa do Ministério PÚblico que entrou com uma ação”. A falta de pessoal é histórica e vem desde 1980 segundo Simone. O professor Pinheiro também admite a defasagem histórica e admite que a Ebserh é uma solução temporária.
A falta de pessoal no hospital se agravou ao longo dos anos por causa da extinção da função de auxiliar de saúde, um profissional sem qualificação técnica, mas que era responsável por dar banhos aos pacientes entre outras tarefas mais práticas do cotidiano. Atualmente, a lei não aceita mais auxiliares de saúde e é necessário um curso técnico para exercer este tipo de função, com isso, os auxiliares que estão se aposentando nos últimos anos não podem ser repostos e o HU foi perdendo postos de trabalho.
O orçamento é outro ponto debatido quando se fala sobre a Ebserh. Para Pinheiro, o problema do HU é na gestão do dinheiro que chega “O orçamento não iria aumentar com a Ebserh, mas se eu tenho um hospital que funciona melhor eu consigo atender muito mais. Com o equipamento que eu tenho aqui eu poderia atender o dobro de pessoas” afirma.
A possibilidade de diminuição das verbas pela não adesão à Ebserh é uma possibilidade que não existe segundo o Fórum Catarinense. “Existe essa ameaça do governo federal, de diminuir as verbas dos HUS que não aderirem. Legalmente no orçamento eles não podem fazer isso É obrigação do governo federal continuar dando verbas para os HUs”, explica Simone. As verbas que o HU recebe hoje são do SUS e do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf). O Contrato do HU com o SUS é por meio da Secretaria de Estado da Saúde, e o orçamento consiste em um valor fixo que equivale a 80% do orçamento, sendo os outros 20% de acordo com metas estabelecidas para o hospital. O HU não deixou de receber, até este ano, o dinheiro que varia de acordo com as metas.
A questão da autonomia universitária também é debatida. Para o Fórum Catarinense a Ebserh retira da Universidade a autonomia em relação ao HU, passando para a empresa o controle sobre as decisões fundamentais do Hospital, que tem em sua missão a pesquisa, ensino e extensão, além do atendimento exclusivamente pelo SUS. Para Pinheiro a autonomia do HU será respeitada, já que os diretores continuariam sendo da UFSC e não da Empresa.
Outro tema ligado a Ebserh é a forma de contratação de novos funcionários, que passaria a ser CLT, isso criaria duas categorias de profissionais dentro dos hospitais, os celetistas e os estatuários, que foram contratados pelo Regime Jurídico EUacuted+nico. Para compensar possíveis perdas na aposentadoria, o salário dos novos concursados seria maior dos profissionais que já atuam nos hospitais.
Ebserh no Brasil
No primeiro debate promovido pela Universidade, um dos componentes da mesa era o Reitor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), José Arimatéia Dantas Lopes, que contou a experiência da Ebserh para a UFPI. A Universidade tinha um hospital há 30 anos fechado e com a adesão à empresa foi possível abrir os 160 leitos do HU do Piauí.
Mesmo com a experiência positiva de inaugurar um hospital que estava previsto há 30 anos, o primeiro semestre da gestão da Ebserh no local foi cercado por polêmicas. Em relatório do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) é indicado que o SUS repassou ao Hospital administrado pela Ebserh a quantia de 10 milhões de reais, e os atendimentos realizados no primeiro semestre de 2013 correspondem a apenas 164 mil, o equivalente a 1,64% do valor recebido.
Em Minas Gerais, o Ministério PÚblico ajuizou uma ação civil pública pedindo a suspensão do contrato da Ebserh com o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para o MPF, o repasse da administração do HC para a Ebserh desrespeita a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Em Juiz de Fora, o MPF também entrou com uma liminar pedindo a suspensão do contrato entre a empresa e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), alegando início da privatização dos serviços de educação e saúde, mas a liminar foi suspensa pela justiça.
No âmbito legal, além de ações do Ministério PÚblico no Brasil, foi proposta uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) em outubro de 2012 pelo procurador-geral da República. Mesmo com a Adin em andamento, 22 Universidades já aderiram à empresa e contam com experiências negativas, como a do caso do Piauí, e positivas, como o Hospital Universitário de Brasília (HUB). Em entrevista à Gazeta do Povo no final do ano passado, o então superintendente do HUB, Hervaldo Sampaio Carvalho, afirmou que não houve perda da autonomia universitária, e que a empresa trouxe reformas estruturais de alguns setores, implantação de nova unidade de emergência, implantação de uma nova UTI clínica, além de realizar um concurso para contratação de mais de mil novos funcionários.
Apesar de todas essas questões legais, Carlos Eduardo Pinheiro questiona porque nada foi feito quatro anos atrás na criação da Empresa. Agora, ele considera fundamental a aceitação da Ebserh na UFSC. “Não existe ser a favor ou não, não é essa a questão no Hospital, a gente aceita a Ebserh. A gente julga no hospital que é fundamental nesse momento aceitar a Ebserh, porque é uma política pública, o MEC pela primeira vez na história criou uma política pública própria para os HUs”, ressalta Pinheiro. O professor afirma que essa é a posição do Conselho Diretor, que aceita toda forma de gestão pública que viabilize o funcionamento do Hospital Universitário. “Para nós, a Ebserh é só mais um capítulo de um processo que começou há 60 anos e que não vai se encerrar com a adesão a Ebserh, o que está se fazendo hoje são questões protelatórias. Novos problemas surgirão, não estamos achando que é a salvação da pátria.”
A decisão final pertence ao Conselho Universitário (Cun) e, segundo o Comitê Estudantil em Defesa do HU-UFSC, na reunião de outubro do Conselho foi aprovado um plebiscito universal dentro da Universidade para decidir se o HU vai aderir ou não à empresa. Com o intuito de informar melhor a comunidade sobre os debates e todas as questões que envolvem a empresa, a Universidade disponibilizou online documentos sobre o assunto. Para ler, basta acessar este link.