Em seu texto “A relação entre UFSC e Florianópolis” publicado na coluna do Jornalista Moacir Pereira do Diário Catarinense, em 27 de abril de 2014, o Prof. Fábio Lopes, Diretor da Editora da UFSC, defende que “O divórcio entre a UFSC e a cidade é um dilema real, que exige medidas urgentes” e conclui com “A ideia é, enfim, tentar modificar, por pouco que seja, a curvatura do discurso acadêmico, tirando-o do autismo a que ele está hoje preso.”
Ainda que o conhecimento tenha uma história frequentemente entrelaçada com o poder e mesmo com a política, é o puro e latente desejo de saber, que se afigura como o nosso bem mais precioso em uma universidade. Neste sentido, não há, como afirma o Prof. Fábio Lopes um “autismo” como resultado do excesso de especialização, mas uma busca de comunicação entre pares de aqui e de lá fora que se debruçam sobre os mesmos desafios, sejam eles científicos ou tecnológicos. Isto é conseguido pela participação do professor-pesquisador em congressos e conferências e por meio de publicações em revistas especializadas com peer-review, quando a originalidade e o ineditismo do seu trabalho são submetidos ao crivo dos seus pares. E é, sobretudo, deste processo de interação, deste diálogo entre autor e pares (como revisores), que resulta a produção do saber…e o avanço no conhecimento.
O primeiro nó da questão é que este processo de interação entre pares só é possível e frutífero quando estes detêm o mesmo nível de conhecimento. O segundo nó é a questão da valia deste saber de fronteira em uma sociedade com tantos problemas e com tanta desigualdade social como a brasileira.
Atenho-me de início ao segundo nó, pois aqui pinta uma questão ideológica que divide os professores de universidade em dois segmentos distintos. O primeiro defende que é responsabilidade direta da universidade dar uma solução para os nossos problemas sociais. Esta é a tese defendida por nossos partidos e movimentos da esquerda radical envolvendo, entre outros, os prestistas, os trotskistas e os bolivarianos, os dois primeiros tão presentes não só na UFSC, mas em todas as nossas universidades públicas, incluindo as paulistas.
O segundo segmento de professores defende que cabe à universidade ser o que ela sabe ser: uma instituição voltada para o domínio, produção e difusão do saber.
De fato, há uma confusão, uma mistura, um erro ao se considerar a universidade como “um agente direto de transformação da sociedade“. A universidade deve, sim, contribuir para isto, mas nunca poderá ter uma participação direta nesta transformação.
Somos engenheiros, físicos, matemáticos, filósofos e o que a sociedade espera de nós é que tenhamos competência suficiente para a solução de seus problemas, seja de aumento da competitividade, de empregos, melhoria de vida e possibilidade de acesso ao consumo. Mas o que um matemático sabe fazer é matemática. Que não se queira transformá-lo em um ativista preocupado com questões sociais, mas, antes, que se lhe dê a oportunidade de vencer os desafios da matemática pura, dos teoremas não- demonstrados, da lógica atrás dos limites e dos limites da lógica. O que um físico sabe fazer é física. O que lhe dá tesão é a Teoria das Cordas. Que ele se sinta livre para isto. Que matemáticos e físicos se sintam estimulados a vencer os desafios do conhecimento e derrubem paradigmas. Que engenheiros se debrucem sobre novas técnicas de produção têxtil e equipamentos industriais que possam competir com a indÚstria chinesa. Que os nossos engenheiros dominem o plasma no projeto de disjuntores e gerem empregos.
E daí a importância em uma universidade de procurarmos valorizar o mérito individual dos professores, servidores e estudantes. Fora disto seremos qualquer outra coisa…não uma universidade, uma instituição concebida para o ensino, a pesquisa acadêmica e a extensão.
Neste ponto retorno ao primeiro nó: o da competência. O diálogo só é possível quando formamos nichos de excelência capazes de conversar de igual para igual com os nossos pares de aqui dentro e de lá fora. De fato, ainda que os problemas sejam locais, não existe conhecimento relativo num mundo globalizado pelo comércio e pela comunicação. Um exemplo: dada a grande diversidade de nossa biota amazônica é importante que se priorize o desenvolvimento das ciências farmacêuticas no Brasil, mas a química e a biologia são patrimônios universais. Da mesma forma, não existe uma “hidrodinâmica para as águas brasileiras“, ainda que o desenvolvimento da indÚstria naval não possa deixar de ser uma política de Estado em um país com tamanha extensão de costas e abundância de rios navegáveis..
Mas como promover o diálogo entre a universidade e a sociedade?…Entre a universidade e a “cidade“, nas palavras do colega Fábio Lopes?…
A resposta é uma só: não há o que promover, ou melhor, não há o que a universidade possa promover.
A universidade nunca se isolou da sociedade e está nela inserida pelos quadros que forma. Quando estes quadros são bem formados, eles são capazes de promover a inovação, a geração de patentes, aumentar o valor agregado de nossos produtos, gerar empregos e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Mas ainda que necessária esta condição não é suficiente.
Destaco aqui um trecho de um artigo recentemente publicado na página da Apufsc pelo Prof. Raul Valentim da Silva (Eficácia Universitária): “A maior parte dos profissionais formados na pós-graduação continua a ser absorvida pelas universidades em tempo integral. Estima-se que mais de 70% dos egressos capacitados para gerar novas tecnologias e inovações estejam nas universidades brasileiras. Nos países mais desenvolvidos este percentual está empregado nos sistemas produtivos de bens e serviços”.
Pessoalmente, acredito que o mercado para os doutores que formamos está, não apenas na IndÚstria já constituída, mas e predominantemente, na geração de pequenas empresas de alta tecnologia que fariam uma ponte entre a universidade e a IndÚstria. Isto está acontecendo, ao meu conhecimento, na Alemanha e nos Estados Unidos e, ao nosso, lado, na Tecnopolis (45% do PIB de Florianópolis, uma cidade turística, está, hoje, alicerçado no Setor de Tecnologia de Ponta).
A receita é simples e é a mesma do ERJ da Embraer, ainda que em escalas bem menores. A turbina do ERJ 190 é GE, mas o ERJ é uma concepção Única que está fazendo sucesso em todo o planeta. Isso aumenta o PIB do país, dá empregos para os nossos formandos e estímulo de pesquisa para a universidade.
São Carlos apresenta um índice de um pesquisador doutor para cada 180 habitantes. Mas este pessoal não fica desempregado. A cidade abriga 200 pequenas empresas consideradas de alta tecnologia, em setores como ótica, novos materiais e instrumentação que se desenvolveram a partir de uma organização não-governamental sem fins lucrativos, criada para isto.
Todavia, pequenas empresas não saem do nada e precisam de políticas públicas e de suporte financeiro.
E, ao meu ver, é isto o que está faltando.
*Paulo Cesar Philippi
Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC