O PT e a Classe-Médiafobia

As vaias e xingamentos dirigidos a Dilma Roussef no jogo de abertura da Copa do Mundo parecem ter deixado nocauteado não só ela, mas também alguns chefes petistas como Rui Falcão e Luís Lula. Somente assim se entende a pressa da cÚpula petista em isolar o fato, caracterizando-o como advindo de uma classe de privilegiados, não do povo (farei aqui uma distinção, escrevendo “povo” para significar o que o PT entende por povo, pois não faz sentido algum excluir segmentos pela sua renda). O desespero é tão grande que Rui Falcão, fazendo justiça ao seu sobrenome, conseguiu a proeza de tal qual um falcão identificar de onde as vaias originaram num ambiente tão diversificado e heterogêneo de um estádio de futebol, segundo ele, do setor mais caro das cadeiras numeradas. Definitivamente, na sua soberba, o PT consegue se reinventar adotando um discurso que cria uma espécie de “classe-médiafobia”. Realmente, a imaginação, o cinismo, e a arrogância petista não têm limites.

Há vários pontos interessantes a se analisar aqui, alguns consistentes e outros bastante inconsistentes.

A vaia é uma manifestação comum em estádios de futebol, e xingamentos também. Assim, um juiz de futebol é vaiado e xingado quando entra em campo, o que não deixa de ser uma atitude lamentável, pois, neste caso, o xingamento ao juiz já antecipa, sem justificativa alguma, uma pré-disposição do público de que o juiz não será justo. Pode-se, contudo, desculpar o público entendendo isso como uma atitude automatizada, algo que a educação contrarrevolucionária pós-64 deveria ter abordado nas aulas de Educação Moral e Cívica. Curiosamente, muitos criticaram a ofensa dirigida a Dilma Roussef pelo caráter sexual implícito que a ofensa encerra, alegando, inclusive, que havia crianças nos estádios, contudo, estes críticos provavelmente são os mesmos que defendem a divulgação de conteÚdo sexual entre crianças e adolescentes através das cartilhas de educação sexual distribuídas nas escolas, algo que muitos dedicados pais e mães consideram ofensivas e beirando a promiscuidade.

Mas, voltemos ao xingamento a Dilma Roussef. Tirando o fato de que não devemos xingar ninguém, ele não se tratou de uma reação automatizada da massa, pois Dilma Roussef e seu partido já demonstraram inúmeras vezes sua antipatia pela classe média. Assim, diferente do caso do juiz, vemos que há antecedentes que motivam o xingamento, já que não passa despercebida à classe média as críticas que lhe são feitas pelo PT. Podemos sintetizar tudo na declaração de uma figura academicamente sem muita expressão, a apologista petista Marilena Chauí que, em certa ocasião, foi ovacionada pela cÚpula petista ao destilar um discurso venenoso do tipo: “A classe média é o atraso de vida”, “A classe média é estupidez É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista”, “A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e ela é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante” (http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/o-video-revela-por-que-marilena-chaui-a-musa-do-pt-odeia-a-classe-media). Aqui, sem perder de vista as causas que levaram a torcida a xingar Dilma Roussef, não se pode dizer que o xingamento tenha sido uma atitude inconsistente, já que reflete um mal-estar visível entre um e outro.

Ora, mas se a critica petista é contra a classe média então o que o PT entende por “povo” deve ficar alerta. Com efeito, não é o PT que fica propalando que seus programas de distribuição de renda visam tirar o “povo” da pobreza? Ora, mas tirar da pobreza significa levá-los a uma ascensão social, situando-os não mais na sua condição atual, mas sim na classe média. E a contradição está aí, para o povo perceber que está sendo enganado.

Com efeito, se o PT despreza a classe média, por consistência, o PT não desejaria que o “povo” ascendesse à classe média. Logo, esses programas de distribuição de renda seriam meros engodos, embustes, uma farsa que visa tão somente dar um afago ao “povo” fazendo-os acreditar que no futuro, e com a direção do PT (eis aí o ponto central da propaganda), algum dia o “povo” deixará de ser “povo” É a terra prometida petista. E aqui temos um exemplo concreto de inconsistência, pois o PT jamais admitirá isso.

Não é possível afirmar com certeza se o que mais incomodou Dilma Roussef foram as vaias ou a lembrança de que em meados dos anos 70 um notável presidente, Emílio Garrastazu Médici, era aplaudido de pé pela torcida quando seu nome foi anunciado num jogo de Fla-Flu de Maracanã lotado. A comparação é providencial, pois, diferente dos tempos atuais, na época do presidente Médici o povo realmente frequentava os estádios e, assim, a manifestação de afeto ao presidente Médici refletia um sentimento genuinamente popular. O próprio mentor de Dilma Roussef reconhece essa popularidade, como lemos no livro de Ronaldo Costa Couto, “Memória Viva do Regime Militar”, quando Luís Lula tece elogios ao presidente Médici. Aos que duvidam da credibilidade de Luís Lula (mesmo que ele ostente alguns doutorados “honoris causa”), vemos que a própria história registra o expressivo apoio popular que o regime militar tinha na época do presidente Médici, fato refletido nas eleições legislativas de 1970 quando a Arena recebeu um voto popular expressivo impondo a oposição MDBista uma derrota humilhante. Mas, se o povo aplaudiu Médici de pé, não haveria razões para o PT também o fazer? Aproveitando a oportunidade para fazer um contraponto à historiografia moderna, tão ávida em fazer recortes e leituras marxistas dos eventos, e também para fazer justiça ao período histórico mencionado, não nos esqueçamos que o pré-sal foi fruto da visão de estadista do presidente Médici ao reivindicar a soberania das 200 milhas náuticas, desafiando o interesse de vários países, principalmente os EUA. Com efeito, só este fato mereceria o aplauso de todo PT, e, em especial, de uma das diretamente beneficiadas, Dilma Roussef.

Mas, em uma coisa os petistas talvez tenham razão, pois não é exagero admitir, como fizeram Rui Falcão e Luís Lula, que o xingamento refletiu, de fato, uma insatisfação de pessoas de classe média que foram ao estádio, já que o preço do ingresso é meio proibitivo para quem não é da classe média para cima. Contudo, não se pode concluir de modo algum que se o “povo” estivesse presente no estádio ele iria aplaudir Dilma Roussef como fez com o presidente Médici, e essa incerteza é algo demasiadamente cruel para o inflado ego petista.

*Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática da UFSC