No momento em que tanto se discute a participação dos docentes, alunos e servidores técnico-administrativos (STAs) nas eleições diretas para as funções da administração nas instituições públicas de educação superior, tomo a liberdade de abordar o tema, iniciando com a apresentação, abaixo, de excerto do Regulamento do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) sobre o mesmo assunto:
………………………………………………………………………………
REGULAMENTO DO INSTITUTO TECNOLÓGICO DE AERONÁUTICA
CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 12. O provimento dos cargos e funções observará as seguintes diretrizes:
I – o cargo de Reitor do ITA é exercido, no regime de trabalho de dedicação
,10
“SCHOOL of ADVANCED STUDY – UNIVERSITY OF LONDON
Director – Institute of English Studies
Salary: Negotiable plus excellent benefits
Applications are invited for a Directorship within the School of Advanced Study, University of London.
The School seeks a person of outstanding academic standing able to command the respect of their discipline community and with the strategic vision to lead this important institution.”( http://jobs.timeshighereducation.co.uk/jobs_jobdetails.asp?ac=114365)
Um outro exemplo, agora para Chefe de Departamento:
“Head of Department – Finance, Accounting and Business Systems
Sheffield Hallam University, Sheffield
At the Sheffield Business School, we pride ourselves on applying quality teaching and innovative thinking to make a difference – to our students, our staff and our industry partners. Outward looking and open, we’re passionate about working with organisations from the public, private and third sec…
Closing date: 22 Apr 2014 Salary: £Competitive + benefits”
(http://jobs.timeshighereducation.co.uk/jobs_category.asp?cc=10225)
Poder-se-ia continuar a apresentar vários anúncios, feitos em diferentes veículos.
O que se vê, nos dois exemplos acima, é a busca da qualidade pessoal, do mérito acadêmico, coisa em geral completamente negligenciada nas universidades federais brasileiras, que se comportam como se fossem, elas próprias, um clube recreativo, um sindicato, ou um país que, ‘democraticamente’, através de campanhas eleitorais escolhe um dos seus quadros para as funções de Chefe de Departamento, Diretor de Centro, ou mesmo de Reitor.
É sabido que o ser acadêmico, aquele que realmente conta na geração de conhecimento e excelência em ensino é, em geral, arredio e estranho a campanhas eleitorais. Em geral foge delas como o diabo da cruz, porque não vê nelas um ato acadêmico em si mesmo. Pois é isto mesmo que deseja o baixo clero acadêmico, em geral improdutivo em pesquisas e desenvolvimentos de qualidade, mas altamente engajado em militância política de esquerda. E é por isso que este processo de falsa democracia na maioria das vezes gera Reitores, Chefes de Departamento e Diretores de Centros (School, College) despreparados para a administração acadêmica que, necessariamente, como nas boas universidades do mundo, inclui liderança em pesquisas. São, na grande maioria das vezes, docentes medíocres, sem currículo Lattes, que apenas desejam o cargo como instrumento de promoção pessoal, de grupo, ou de militância ideológica e política.
E com isto, a universidade sofre, apanha, anda para trás.
Não se trata de sugerir, aqui, a adoção já do modelo das boas universidades do mundo. Naquelas, a chefia de Departamentos, a direção de Centros e os Reitores ocupam cargos permanentes e não funções temporárias com mandato eletivo fixo, como aqui. Chega-se lá, nas melhores universidades do mundo, por via de promoções de carreira, sem necessariamente prazo fixo para o exercício do mesmo. São cargos a serem preenchidos, naquelas universidades de renome, por pessoas de extração no mercado de competência mundial, e não funções eletivas, como aqui, para os que previamente já são quadros da universidade.
Essas diferenças são fundamentais e razão maior de nossas mazelas universitárias.
O que se deseja apontar aqui são as irracionalidades de nossos sistemas, que aplicam na universidade o modelo do Estado Democrático de Direito, como se ela (universidade) fosse um país e seus cidadãos fossem os alunos, os servidores técnico-administrativos e os professores. Este modelo é conceitualmente absurdo e, na prática, desastroso. O que se deseja é que, ao se pensar em colocar em lei as formas de escolhas de dirigentes universitários – antes de uma reforma geral (imperiosa!) que nos aproxime das boas práticas adotadas no mundo avançado – que se medite sobre as diferenças aqui apontadas e se evitem as tais eleições gerais (paritárias ou não) que só servem ao baixo clero acadêmico e constituem um desserviço à qualidade da universidade brasileira.
E os alunos, o que fazem os alunos durante o processo de escolha do reitor no ITA e nas universidades sérias do mundo, perguntará um “democrata” doméstico, que pouco ou nada entende e deseja de verdadeira democracia. Ora, o aluno fará o que todo aluno deve fazer sempre: estudar, que é este o seu ofício. Estudar para graduar-se com distinção e poder enfrentar com sucesso o mercado de trabalho, sendo útil a si próprio, aos seus familiares e ao país.
E os servidores e os STAs? Ora (de novo), cumprem suas funções específicas nas atividades meio, que é para isso que são contratados e não para participarem de campanhas políticas para reitor, ou para o que quer que seja.
Também não se observa, no ITA e nas universidades dos países avançados, a coloração ideológica do potencial reitor, já que esta ele não a usará em sua gestão acadêmica, mas se observa apenas que ele seja, tão somente, “personalidade de reconhecida capacidade no campo da ciência e tecnologia e cultura.”. Qualidades, alias, que nem se cogita na busca de um reitor por aqui. De fato, nem se exige, nem se fala nessas qualidades no Regimento ou no Estatuto da própria UFSC. Extra Estatuto e Regimento, verifica-se apenas se o candidato é “democrático” e as suas “propostas”, tal qual numa campanha política comum, para que tenha apoio das forças “progressistas e populares”, como sempre falava o folclórico João Amazonas, líder do Partido Comunista do Brasil, expressão que passou a compor o jargão da esquerda mais radical e bolorenta.
Tudo isto é de uma indigência conceitual tão cabal que dói em quem enxerga algo mais, sobre universidade, à frente do nariz. E sem contar os sucessivos resultados medíocres para a instituição universitária que esta visão tem trazido, por gestões várias, por anos muitos. Coisa desanimadora!
Na raiz de tudo o que ainda existe de bom nesta nossa UFSC, estão as mãos de dois gigantes: Ferreira Lima, o seu criador, e Caspar Erich Stemmer. Não vou me estender na análise da obra desses homens excepcionais, por não ser tarefa fácil e não caber neste simples ensaio. Mas o que quero dizer é que esses dois reitores, a quem muito devemos como universidade e como sociedade, não foram eleitos por alunos, nem por STAs, nem por todos os professores. Não nasceram, como reitores, do engodo da aplicação do modelo do Estado Democrático de Direito, que não é aplicável à universidade, que uma universidade não é uma nação, não é um clube nem um sindicato. Nestas três últimas organizações (nação, clube, sindicato), fazemos questão de votar os dirigentes porque lhes pagamos para exercerem suas funções e administrar o nosso dinheiro. Na universidade nada pagamos: recebemos salários para ensinar, pesquisar e avançar o conhecimento. Somos empregados do Estado para cumprir uma missão e não para brincar de clube democrático, do qual sejamos sócios.
Para bem servir à democracia no Estado de Direito temos que nos dedicar, sem desvios ideológicos, à tarefa para que fomos incumbidos e somos pagos. Temos de produzir boa tecnologia, boa ciência e boa cultura. Para bem servir à sociedade, não podemos brincar de democracia interna corpore. Assim como um exército que, para bem servir ao Estado Democrático de Direito, não pode ceder ao engodo da democracia interna. Aliás, já se disse que um exército democrático (interna corpore) não é exercito: é um bando armado.
E a universidade “democrática”, para uso interno?
Também uma universidade que se entrega à farsa da democracia interna logo se afasta dos seus objetivos, perseguidos desde a Universidade de Bolonha: criar conhecimento, preservar e sistematizar o conhecimento e difundir o conhecimento.
Em vez disso, a universidade “democrática”, vira uma arena de disputas ideológicas, onde várias facções se digladiam, se acusam umas às outras, com sérios danos ao tecido acadêmico. Neste sistema absurdo e subtropical soma pontos eleitorais quem mais cede e mais acena ao eleitorado, principalmente o não docente, constituído dos alunos e dos STAs. Este quadro grotesco funciona, periodicamente, em época de eleições, como uma festa para o baixo clero acadêmico, que deste circo se aproveita e sempre tira vantagens, levando às mais altas funções administrativas pessoas que, nem de longe, preenchem os requisitos de “personalidades reconhecidas pela capacidade no campo da ciência, da tecnologia e da cultura”.
Mas o absurdo conceitual não para por aqui. Não se restringe às altas funções administrativas da universidade.
A lei 5540, de dezembro de 1968, criou as classes da carreira do magistério superior: Professor Assistente (mas não se diz de quem), Professor Adjunto (são se especifica a quem) e Professor Titular (mas não se sabe de que). (Hoje já existem subdivisões, mas sem alterar a questão que desenvolvo). A lei não estabelece atribuições às várias classes. Não há hierarquia funcional estabelecida. A lei deixou isto a critério das universidades e este foi um tremendo erro. Rezam os instrumentos constitutivos da universidade (Estatuto e Regimento) que todo docente é membro nato do Colegiado do Departamento, com voz e voto. Assim, um neófito Assistente tem a mesma autoridade, o mesmo valor de voto, dentro do Colegiado do Departamento, que um Professor Adjunto ou Titular, com mais de vinte anos de docência. Também não se requer hierarquia ou prestígio acadêmico para ser eleito Chefe do Departamento: um neófito Assistente pode bem vir a ser eleito para a função. E passa a mandar nos demais docentes, mesmo Adjuntos, mesmo Titulares. É a instituição, já na base da universidade, do modelo da pirâmide invertida: o mérito acadêmico no vértice sendo esmagado pela base, sem qualidade acadêmica reconhecida. Para quem se insurge contra esta barbaridade (a quase totalidade fica calada, não estrila) isto é uma fonte pródiga de atritos e mesmo perseguições. E, pior ainda, já que Chefia de Departamento não é cargo conquistado como promoção por mérito, mas simples função política eletiva, sem requerer e mesmo sem permitir (ao contrário do que ocorre nas boas universidades do mundo) o exercício de liderança acadêmica em pesquisas, os professores realmente produtivos fogem da função de Chefia como o diabo da cruz.
De novo, é a alegria e gloria do baixo clero departamental.
É o macro modelo da universidade reproduzido na base departamental.
Os docentes, lotados nos Departamentos, devido à falta de atribuições e hierarquia, são todos caciques de uma mesma aldeia: o próprio Departamento. Não pode e não dá certo. É um verdadeiro milagre que, em meio a este pandemônio, alguns abnegados ainda consigam recursos de pesquisas, enfrentando dificuldades imensas, e consigam produzir com qualidade, porque este sistema, em não sendo meritocrático, conspira contra os melhores. É o caos!
E assim se perpetua e ganha força o baixo clero acadêmico em toda universidade.
E assim se esmaga e se humilha a competência acadêmica.
E assim se destrói o espírito acadêmico.
É este o ovo da serpente que, chocado durante muitos anos, acabou eclodindo na baderna de março-abril deste ano de 2014, triste e infame ano da História da UFSC.
* José J. de Espíndola
Professor aposentado do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC