Ebserh divide opiniões na comunidade acadêmica

A gestão dos hospitais universitários é tema de discussão nas principais universidades federais do país. Reitores, estudantes, professores e técnicos divergem sobre a possibilidade de adesão à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, conhecida pela sigla Ebserh. O debate levanta questões como autonomia universitária e privatização dos serviços de saúde.

Criada em 2011 pelo Ministério da Educação (MEC), a Ebserh nasceu para atuar exclusivamente nos hospitais universitários (HUs). Trata-se de um modelo de gestão centralizada, responsável pelos aspectos administrativos, como contratação de pessoal e compra de material. A criação da empresa faz parte do Rehuf, o Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais. Cabe a cada instituição decidir se adere ou não aos serviços prestados pela Ebserh.

De 33 universidades federais com HUs, seis assinaram contrato com a empresa: as federais do Piauí (UFPI), Brasília (UnB), Maranhão (UFMA), Triângulo Mineiro (UFTM), Espírito Santo (Ufes) e Grande Dourados (UFGD). Segundo dados da empresa, outras 13 universidades já decidiram pela adesão, sem ainda assinar contrato. A Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) são as únicas que já decidiram pela não adesão ao modelo durante seus conselhos.

Com a polêmica, 12 ainda não decidiram se aderem a esse modelo de gestão. Há denúncias da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde de que a UFMA, a Ufes e a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) – que ainda não assinou contrato – aderiram à Ebserh sem a aprovação dos conselhos universitários.

Privatização – Apesar de ser uma empresa pública vinculada ao MEC, a Ebserh foi criada com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio. Além disso, a empresa tem a possibilidade de obter lucros oriundos de operações de crédito, doações, acordos e convênios com entidades nacionais e internacionais, aplicações financeiras, direitos patrimoniais, prestação de serviços entre outras.

Segundo o MEC, a Ebserh é totalmente comprometida com o SUS e 100% do seu patrimônio pertence à União. Ela foi concebida sob a ótica de empresa pública totalmente nova, pois não se configura como nenhuma estatal conhecida no Brasil. Sobre o lucro líquido, o Ministério afirma que será reinvestido para atendimento do objeto social da empresa, excetuadas as parcelas decorrentes da reserva legal e da reserva para contingência.

“Nossos governantes têm sido criativos ao inventar novas formas de privatização disfarçada. A empresa é pública porque pertence ao governo federal, mas seu modelo de gestão é privatizante”, afirma Francisco da Cunha, integrante da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde. “Além disso, existem instituições que, embora sejam públicas, exercem atividade econômica e prestam serviços no mercado, cobrando por isso É o caso da Caixa Econômica Federal e dos Correios, por exemplo. Que sentido faz implementar esse modelo no SUS, que é um sistema universal, financiado por tributos, sem pagamento direto pelo usuário? Certamente é uma porta aberta para a privatização”, completou.

Contratação de pessoal – Um dos objetivos da criação da Ebserh é a gestão de funcionários nos hospitais universitários. Para tanto, nas instituições que aderiram aos serviços da empresa, concursos públicos estão sendo abertos para contratação de pessoal pelo regime da CLT.

A legalidade desta condição é questionada por sindicatos e por uma ação de inconstitucionalidade enviada pelo procurador-geral da República Roberto Gurgel, no início deste ano. Na ação, o procurador destaca que, por se tratar de “empresa pública prestadora de serviço público de saúde, seriam inconstitucionais a contratação de servidores pela CLT e a celebração de contratos temporários”.

Para e Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, o modelo acaba com a estabilidade, típica do serviço público, e implementa a lógica da rotatividade, comprometendo a continuidade e qualidade do atendimento em saúde. “é um modelo que fragmenta ainda mais a classe trabalhadora, precariza direitos e implementa uma lógica gerencialista”, afirmou Francisco. Além disso, ao prever a cessão de servidores públicos para a Ebserh, obriga-os a ter carga horária, processos de trabalhos e de gerência determinados e controlados pela empresa, que também passaria a definir metas e produtividade.

Procurada pelo Jornal da Ciência, a Ebserh informou que os servidores públicos do hospital permanecerão em seus postos de trabalho e continuarão vinculados aos seus órgãos de origem. Existem, porém, aproximadamente 26 mil trabalhadores terceirizados em todos os hospitais universitários federais do país. Segundo a empresa, eles desempenham funções por meio de vínculos empregatícios considerados irregulares pelo Tribunal de Contas da União e poderão participar dos processos seletivos e concursos públicos para ingresso na Ebserh. Já que a seleção leva em conta a experiência profissional, os candidatos que já trabalhavam nos HUs terão vantagens em relação aos outros candidatos.

Autonomia universitária – O principal ponto de polêmica na comunidade acadêmica diz respeito à autonomia das instituições universitárias de ensino. Segundo a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, a gestão da Ebserh acabaria com a vinculação dos HUs às universidades, já que a empresa teria amplo poder para firmar contratos, convênios, contratar pessoal técnico, definir processos administrativos internos e metas de gestão.

Na Lei de Criação da Ebserh, o MEC assegura que a autonomia universitária será mantida, já que a finalidade da empresa é prestar serviços de apoio às instituições na execução de planos de ensino, pesquisa e formação de profissionais. Mesmo assim, em março deste ano, o Ministério PÚblico Federal do Distrito Federal (MPF/DF) entrou com uma ação civil para anular o contrato assinado pela reitoria da UnB com a empresa para administração do Hospital Universitário de Brasília (HUB). Para o MPF, a criação da Ebserh e sua gerência sobre o HUB ofendem a autonomia didático-científica, de administração, de gestão financeira e de patrimônio que as universidades têm garantidos no Artigo 207 da Constituição Federal.

UFRJ adia decisão

Com o maior complexo hospitalar da América Latina, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) adiou mais uma vez a decisão de aderir ou não à Ebserh. Diante da pressão de quase mil pessoas no Último Conselho Universitário (Consuni), no dia 26 de setembro, o reitor Carlos Levi dispôs-se a ouvir a posição da maior parte da comunidade acadêmica.

Durante os debates na UFRJ, a estudante de medicina Camila Damasceno, da UnB, relatou suas impressões sobre a administração da empresa no Hospital Universitário de Brasília. Segundo ela, os setores com menor potencial de lucro estão sendo desmontados, como a otorrino e a pediatria. Enquanto isso, setores como a cardiologia, que possibilitam tratamentos caros, têm mais investimentos.

Na reunião, estava em jogo o futuro de oito unidades de ensino, pesquisa e saúde: o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, o Hospital-Escola São Francisco de Assis, o Instituto de Doenças do Tórax, o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, o Instituto de Ginecologia, o Instituto de Neurologia Deolindo Couto, o Instituto de Psiquiatria e a Maternidade-Escola. Não existe previsão de data para o próximo Consuni.

A posição das universidades federais

Assinaram contrato

Piauí (UFPI)

Brasília (UnB)

Maranhão (UFMA)

Triângulo Mineiro (UFTM)

Espírito Santo (Ufes)

Grande Dourados (UFGD)


Não aprovaram a adesão

Paraná (UFPR)

Campina Grande (UFCG)

Não assinaram contrato, mas aprovaram a adesão

Bahia (UFBA)

Amazonas (Ufam)

Mato Grosso (UFMT)

Pelotas (UFPel)

Santa Maria (UFSM)

Rio Grande do Norte (UFRN)

Juiz de Fora (UFJF)

Mato Grosso do Sul (UFMS)

Pernambuco (UFPE)

Paraíba (UFPB)

Alagoas (Ufal)

Ceará (UFC)

Vale do São Francisco (Univasf)


Ainda não decidiram

Rio de Janeiro (UFRJ)

Minas Gerais (UFMG)

Fluminense (UFF)

Estado do Rio de Janeiro (Unirio)

São Paulo (Unifesp)

Santa Catarina (UFSC)

Rio Grande do Sul (UFRGS)

Uberlândia (Ufu)

Pará (UFPA)

Rio Grande (Furg)

Sergipe (UFS)

Goiás (UFG)

(Fonte: Jornal da Ciência)