Em nota anterior, foi indicado que a universidade, para recuperar seu sentido e identidade, inicialmente deve intervir nos grandes temas do dia o que significa colocar a universidade na altura dos tempos. A continuação de minha resumida contribuição para este tema.
Ortega, o filósofo espanhol, escrevia que viver na altura dos tempos é na altura das ideias vitais do tempo. Para Ortega, cultura é o sistema vital de ideias de cada tempo. Vital, porque delas se alimenta a vida social. Essas ideias podem ser cientificas ou não.
Falamos de crise e isto não é ruim. Ao contrário, a crise é uma esperança. É o momento em que conseguimos a oportunidade de poder orientar novos caminhos. A crise indica que entre o sujeito (universidade) e seu contexto (o país e o mundo) existe um problema de coexistência. Um elefante criado num pequeno quarto seguramente entrará em crise, seu aumento de volume resulta inviável num contexto espacial limitado e invariável.
Neste momento, observamos um mundo onde o capitalismo há evolucionado de tal forma que é inviável um equilíbrio no contexto planetário atual, os poderes transnacionais, especialmente econômico-financeiros e mediáticos, têm conduzido a uma cultura individualista, subordinando tudo ao lucro sem respeitar a dignidade humana, numa política de globalização depredadora e criadora de graves problemas e injustiças. Antes as potências (USA e Europa, especialmente França) subsidiavam sua agricultura para competir com Brasil e Argentina (algum economista das universidades do Brasil e Argentina calculou quanto perderam esses países injustamente?), agora China aplica o mesmo mecanismo nos produtos químicos e muitos outros, junto a monarquias árabes compra terrenos na África para conseguir seus alimentos enquanto os coitados nativos morrem de fome (novamente onde estão os economistas e outros cientistas das universidades para acordar a consciência deste problema?).
Morin E. (Los siete saberes necesarios para la educación del futuro, Barcelona, Paidós, 2001) explica que a crise profunda aparece pelo efeito desequilibrado de duas hélices do avião que orienta o destino comum da sociedade mundial: uma hélice quadrimotor de ciência, técnica, indústria subordinadas ao interesse econômico (que corresponderia ao que denominei “eu reptilico” do ser humano: egocêntrico, violento, depredador) e a outra hélice as ideias humanistas e emancipadoras do ser humano (que corresponde ao eu espirituald+ da solidariedade, da arte, da compaixão, do amor).
A hélice quadrimotor sugere mais crescimento econômico, mais desenvolvimento tecnológico, especialmente mais liberação dos mercados onde competem os tigres desenvolvidos (USA, Europa, China, Japão, etc.) contra as ovelhas em desenvolvimento (especialmente América Latina e África). A hélice humanista considera que os mecanismos da hélice quadrimotor são a base da crise e, por isto, a solução deve ser mudar os mecanismo estabelecidos procurando mecanismos alternativos.
Desde 1980 se fala de um processo de globalização. Essa ideia para ligar diferentes povos é antiga. Não podemos ser ingênuos para no observar que a história demonstra que estes processos foram gerados por mecanismos de dominação (militar, colonial, econômico, ou cultural) mais que como fruto do diálogo.
A globalização atual tem levado a diversos graves problemas: perda da diversidade (extermínio de espécies, desaparição de idiomas, homogeneização da cultura, etc.), acumulação de poder (OMC, FMI, Banco Mundial etc.), dano meio-ambiental, perda de valores e práticas realmente democráticas, dificuldade de desenvolver políticas locais por governos subjugados a lógicas e poderes mundiais.
A resposta das universidades tem sido muito lenta. Algumas universidades não fizeram nada para se adaptar a realidade atual. A concepção “modernizadora”, acadêmica-cientificista e falsamente autonômica dos anos 70 continua como filosofia. A universidade se centra mais no sujeito que ensina que no sujeito que aprende como foi em sua origem.
As reformas foram sempre parciais e realizadas por modificações legislativas, paradoxalmente, a quantidade de mudanças legais tem constituído uma gaiola com uma rigidez institucional que cria grandes empecilhos à criação e inovação.
Ortega escreve que o direito é estático, por isso seu organismo principal se denomina Estado. Mas as coisas humanas são históricas, isto é, puro movimento, mutação perpétua. Assim a realidade histórica bate com a estabilidade do direito que se converte numa camisa de força. Este é o motivo de porque nossa universidade está engessada e controlada por procuradores da AGU. Algum professor das áreas do direito, sociologia, etc., se perguntou seriamente sobre a autonomia? Nossa universidade é autônoma?
Esta análise nos permite definir o primeiro objetivo para colocar a universidade na altura dos tempos: mudar totalmente as leis referentes à universidade.
Os mais radicais sugerem que a melhor lei seria aquela com artigos referidos aos objetivos que são conferidos e a obrigação total de seu cumprimento. Sugiro um mínimo de leis, mas com um compromisso sério com os ideais e objetivos e com uma cobrança dura dos mesmos.
No entanto, o saber universitário tem muito de local, mas mais de universal. Por isso, a construção do saber se alimenta e fortifica pela comunicação sem fronteiras. Isso não é novo. O que é novo é a pressão com que os mercados tem entrado na vida universitária, assim aparecem claros enfrentamentos respeito dos objetivos da investigação e da atividade docente. Definir estes objetivos é fundamental para construir uma alternativa de universidades na altura dos tempos.
Devemos analisar três polos do problema intimamente relacionados: acadêmico-científico, político e econômico.
No polo acadêmico, devemos superar o academicismo, que leva a uma instituição que mira a construção de conhecimento como um fim em si mesmo (não se interessa sobre a aplicação social da criação e transmissão de conhecimentos). Pelo contrário, devemos promover uma universidade, referente das ideias vivas de nosso tempo, preocupada especialmente com sua função social.
Resulta evidente que o conhecimento, do homem e seu mundo, se tem dividido em áreas cada vez mais especializadas. No entanto, um conhecimento mais profundo da matéria pela teoria quântica leva a ter uma visão unificadora do mundo, interdisciplinar e transdisciplinar, tanto no domínio das ciências como das humanidades. Assim, o ensino deve colocar a ração pura em equilíbrio com a estética, a ética e a transcendência do homem. Aparece assim o segundo grande objetivo para colocar a universidade na altura dos tempos: o ensino deve ser para formar pessoas responsáveis, críticas, com profundo sentido social e do ser humano transcendente.
No polo científico as mudanças são tão rápidas e, às vezes, não previsíveis que a universidade deve orientar-se na formação permanente o que obriga a renovar conteúdos, métodos, práticas e tempos. Igualmente deve estar orientada para conseguir uma forte capacidade de criação e inovação. A pesquisa deve ser orientada não pelas necessidades e prioridades estrangeiras, mas pela própria realidade nacional, a nação cultural e histórica para contribuir a uma sociedade mais humana, mais solidária, e mais justa.
A ciência pela ciência mesma foi uma bela ideia dos colonizadores. A ciência nasceu com um sentido de domínio da natureza ou para procurar as verdades relativas que se orientam a verdade absoluta ou última. Este é um problema real no qual estamos engajados pela própria vida, porque é engajar todo nosso ser numa afirmação sobre a função das coisas.
Em 2012 parte da indústria editorial brasileira imprimiu seus livros na China. A indústria vem caindo em sua participação no PIB desde 1990. Em parte, isto é devido à valorização do real frente ao dólar. É importante observar como a imprensa (TV, jornais, etc.) desejam demonstrar que um aumento do valor do dólar seria terrível, porque vai afetar os turistas e a compra de aparelhos (fones) importados, em contra do interesse nacional que seria não gastar dólares no estrangeiro. Seguimos quase totalmente colonizados culturalmente por revistas e jornais. E a universidade que opinião deu ou dá sobre isso? Nada. Foi submetida ao poder dos mercados.
O terceiro grande objetivo é assim: a pesquisa deve ser orientada pelas necessidades regionais, do país ou pela procura de uma visão transcendente do ser humano. Deve ficar evidente para todos que onde não existe justiça não existe a transcendência.
No polo político está o risco de uma ideologização extrema que transforma a universidade quase num partido político. Isto é, uma tendência em alguns grupos de universidades latino-americanas. No entanto, o mais comum é uma universidade autocontemplativa, hiper-especializada com grande ignorância de seu papel de transformação social outorgada à mídia mercantilizada. Se considerarmos a política em seu sentido verdadeiro, como o serviço desinteressado ao bem comum, necessitamos uma forte politização da universidade não no sentido de transformar ela num partido político ou defensora de uma ideologia determinada, como pretendem alguns, mas para servir à sociedade onde está situada. A Universidade deve tomar partido em questões importantes desde o ponto de vista da ciência, da procura livre da verdade sem interferências de religião, partidos políticos, grupos econômicos ou ideológicos. Deve esclarecer que foi demonstrado cientificamente do que é somente opinião não convalidada.
Aparece o quarto grande objetivo: a Universidade não pode deixar de ser universidade para ser política, mas deve ser sobretudo Universidade, submetida unicamente à verdade, para poder exercer sua missão política na formação de uma cultura mais humana.
No polo econômico, atualmente vivemos um sistema de mercado, que constitui um sistema social regulado, pelo mercado ou os mercados. Foi um grande invento, em lugar de obedecer a um governante, a Deus, tudo se regula por si mesmo combinando o interesse egoísta de cada indivíduo com o livre intercâmbio, isto é analogicamente um demônio de Maxwell que levará a sociedade para o melhor. No entanto, sabemos que o demônio de Maxwell leva as moléculas diferentes ordenadas e separadas em dois frascos interconectados para a mistura que significa desordem, o caos. Atualmente, observamos o caos ao qual nos levou o Deus mercado.
Assim, nos encontramos com um problema fundamental da educação: se deve educar para ser ou para ter. O império do ter cresce na medida em que a economia de mercado impõe o prestígio das marcas ou títulos como medida da importância social. Ter uma camisa Lacoste como símbolo de status ou ser um bom cidadão, ter um título de médico que dá prestígio ou ser um médico real, observamos as personalidades forjadas pela mídia, assim os critérios de admiração se degradam (se admira mais um jogador de futebol que um prêmio Nobel de ciência), a gente termina observando a nós mesmos como objetos de mercado.
Segundo o notável filósofo francês E. Mounier, a pessoa é por natureza comunicável. Comunitária. Quando a comunicação se deteriora ou corrompe por não estar fundamentada na verdade, como ocorre atualmente, eu mesmo me degrado, o outro se torna um alheio e eu me torno estranho a mim mesmo, alienado. Podemos afirmar com Mounier “que eu só existo na medida em que existo na verdade para o outro, e, no final das contas ser é amar” (E. Mounier. O Personalismo, texto grafia. Lisboa, 2010). A pessoa humana é superação de si mesma, “ela é o movimento do ser para o ser”.
O quinto grande objetivo: a universidade deve atender o ser dos alunos e professores e subordinar o mercado ao serviço do homem usando o poder da comunicação e do exemplo.
O canal de TV universitário tem algum poder na mídia?
Podemos sonhar com a realização desses cinco grandes objetivos?
*Rosendo A. Yunes
Professor voluntário do Departamento de Química.