Quem define a função social da universidade? Há um grupo que assume essa função para si e monopoliza a universidade ao pensá-la dentro da concepção da “universidade popular”, entendida aqui como o projeto marxista de transmutar a universidade em um agente de transformação da sociedade. O problema neste projeto é que ele invariavelmente leva a uma deturpação da essência da universidade ao substituir o pluralismo e independência de ideias pelas diferentes leituras que o marxismo propõe dos vários saberes e áreas. A questão é sutil e difícil de ser percebida, pois, num primeiro momento, a universidade aparentemente continua abrigando várias áreas de conhecimento o que em si não parece negar o pluralismo de ideias, contudo, a forma como alguns desses saberes é contemplado mostra-se enviesada pelo predomínio de uma interpretação específica. É o que pretendo mostrar neste texto.
Consideremos como primeiro exemplo a descrição do curso de Serviço Social como vemos no vídeo intitulado CALISS e PET – UFSC – “Uma Breve Introdução ao Serviço Social” ( http://www.youtube.com/watch?v=rGve25SrgNQ ) de autoria de um aluno chamado Davi Perez. Este vídeo apresenta a visão marxista do serviço social e preconiza a função que este profissional está incumbido de desempenhar na sociedade, neste caso, um agente do socialismo. O vídeo se enquadra na categoria de material de propaganda (algo que nos faz lembrar os regimes fasci-comunistas), contudo, não saberia dizer se esta visão marxista do serviço social é apenas a opinião de Davi Perez ou se corresponde à realidade do curso como vista pelo departamento de Serviço Social. Se o conteúdo do vídeo expressar apenas a opinião de Davi Perez então é altamente provável que seja tão equivocado quanto à glorificação que ele faz do comunismo em outro vídeo, ( http://www.youtube.com/watch?v=Ld7BWSqkdVcEampd+feature=relmfu ), onde comete erros históricos crassos que um estudante universitário não deveria cometer (ver texto “Mitos I” no Boletim #779). Melhor que seja assim, para benefício dos estudantes de Serviço Social que não querem se transformar em revolucionários.
Outra área diretamente afetada pelo marxismo parece ser a educação. Prof. Renato Rabuske em dois artigos: “A proposta curricular para os colégios públicos de SC: fundamentos filosóficos e metodológicos” (Boletim da APUFSC #730) , e“O conteúdo do currículo da escola pública de SC” (Boletim da APUFSC #740) aponta de forma precisa como o marxismo é introduzido nos programas curriculares de nossas escolas. Não é estranho, assim, vermos livros didáticos contendo insinuações de natureza ideológica que vão desde a afirmação positiva do socialismo à estigmatização pura e simples, e sem maiores considerações, por exemplo, do agronegócio (isso num livro de matemática!). Que dilema, enquanto na América do Norte John Dewey preconizava o ensino de valores morais nas diversas matérias a ser ensinadas na escola, aqui no Brasil o currículo parece indicar que alguns de nossos educadores substituíram a moral pelo marxismo. Que retrocesso!
A área de “ciências” humanas é igualmente afetada pela leitura marxista de modo que devemos refletir até que ponto não estamos formando historiadores, geógrafos, sociólogos, antropólogos, filósofos etc., segundo uma leitura marxista da história, da geografia, da sociologia, da antropologia, da filosofia, etc. No Brasil, temos uma situação surreal. Uma casta de marxistas há muito tempo se encastelou na universidade e, nos anos seguintes a contra-revolução de 1964, intensificou seus esforços de doutrinação num processo que segue até hoje, ajudados pela extrema candura do regime militar que, contrariamente a prática brutal das ditaduras comunistas de expurgar e calar os opositores, não interferiu sobremaneira na propagação da mensagem revolucionária que se originava das salas de aula. Esse encastelamento propiciou a inclinação ideológica das “ciências” humanas ao marxismo como podemos ver no exemplo que segue. Mais uma vez, consideremos a literatura sobre os acontecimentos que levaram ao movimento de 31 de Março de 1964 e o regime militar que se seguiu. É notório que há uma clara divergência entre as leituras feitas por amplos setores da esquerda e de historiadores militares (por exemplo: “A Grande Mentira” de Agnaldo del Nero Augusto, “A Revolução de 31 de Março de 1964 – História Oral do Exército (15 volumes), “Projeto Orvil”( C.I.E.), etc.) . Seria esperado que essas divergências fossem dissipadas por acadêmicos de reconhecida autoridade intelectual no assunto, contudo, isso não ocorre porque um segmento considerável desses acadêmicos acaba sendo parte do problema, quer por formarem a visão predominante da esquerda, quer por se calarem diante de argumentações estapafúrdias como vemos nas sessões e nos documentos da comissão da verdade. Devemos nos perguntar: onde estão ocorrendo os grandes debates sobre o tema na universidade? Onde estão sendo confrontadas as versões divergentes sobre o mesmo tema, essencial para que se possa chegar a uma síntese confiável de algo? Se não há esse debate é porque não há interesse em se mudar o “mainstream” já assimilado. A situação, no entanto, é muito pior. De fato, a ideologia é tão permissível nas áreas de “ciências” humanas que frequentemente encontramos argumentos inconsistentes que apelam para o lado emocional. Com efeito, na introdução do livro “Imagens da Revolução” (1985) de Daniel Aarão Reis lemos o seguinte trecho: “Naqueles anos alguns milhares, poucos, certamente, de mulheres e homens, quase todos muito jovens, lançaram-se à luta contra o poder, não imaginando que se encontravam isolados política e socialmente. Foram massacrados. Tentando despertar as lutas sociais nas fábricas, nas escolas, nas áreas rurais. Nas casas e apartamentos onde se escondiam. No foco guerrilheiro do Araguaia. E, principalmente, nas sofisticadas salas de tortura da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. […] Mas não foram totalmente esquecidos. Não terá sido sintomática a ovação com que o povo do Rio de Janeiro saudou a menção a Lamarca e Marighella no comício das Diretas-Já, em 1984? Os povos, mesmo quando desorganizados e sem ânimo para se revoltar, sabem apreciar os rebeldes que lutam pelas boas causas , mesmo em momentos e circunstâncias social e politicamente desfavoráveis. As grandes revoluções, aliás, têm sempre sabido homenagear os precursores, embora sonhadores, das rebeldias coletivas.” Num primeiro momento, o leitor desavisado e suscetível a doutrinação é capaz de se deixar levar gratuitamente pela pieguice e emocionalidade que emana do texto. Contudo, um leitor mais sagaz e menos emotivo lendo o que o mesmo Aarão Reis afirmou numa entrevista ao Jornal O Globo (23/09/2001) ficaria confuso com o seguinte trecho: “As ações armadas da esquerda brasileira não devem ser mitificadas. Nem para um lado nem para o outro. Eu não compartilho da lenda de que no final dos anos 60 e no início dos 70 (inclusive eu) fomos o braço armado de uma resistência democrática. Acho isso um mito surgido durante a campanha da anistia. Ao longo do processo de radicalização iniciado em 1961, o projeto das organizações de esquerda que defendiam a luta armada era revolucionário, ofensivo e ditatorial. Pretendia-se implantar uma ditadura revolucionária. Não existe um só documento dessas organizações em que elas se apresentassem como instrumento de resistência democrática”. Ora, a inconsistência fica explícita, pois em 1985 o autor falava de “rebeldes que lutavam por uma boa causa”, para depois em 2001 se referir a esta “boa causa” como sendo um projeto ofensivo e ditatorial. Não é difícil encontrar inconsistências desse tipo em outros autores, o que lança uma profunda dúvida sobre a capacidade da esquerda analisar certos eventos de forma objetiva e rigorosa.
Na área sócio-econômica vemos que o marxismo se difunde na vertente da chamada “economia política” onde é fundamental ser fluente no pensamento de Marx, sendo de pouco interesse entender as ideias de um nobel de economia como John Nash, algo que não é surpreendente em um meio universitário onde muitos pejorativamente classificam como “produtivismo acadêmico” as criações científicas oriundas de Princeton, coisas típicas de uma universidade “burguesa” como diriam alguns mais exaltados.
Na área do Direito basta olhar para o órgão regulador OAB. Na sede desta entidade, na capital fluminense, não faz muito tempo havia uma enorme faixa com alusão a casos de tortura e, estranhamente, nada indicava sobre o terrorismo praticado pelos grupos revolucionários de esquerda. Porque esta exclusão do terrorismo se ele também é um crime hediondo? Ora, é inegável que o terrorismo da esquerda foi praticado em nome da causa revolucionária. Carlos Marighella, líder da ALN e um dos celebrados “heróis” dos terroristas que pegaram em armas, deixa isso bem claro quando escreve em seu livro “Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano”: “O terrorismo é uma arma a que jamais o revolucionário pode renunciar. […] Ser assaltante ou terrorista é uma condição que enobrece qualquer homem honrado”. É compreensível que qualquer um que seja inclinado ao marxismo (e revolucionário) tente ocultar esse lado tenebroso da atividade revolucionária, algo que Marighella, sem nenhuma cerimônia, prontamente assumiu e que hoje incide como herança sobre eles. Isso talvez explique a omissão ao terrorismo na faixa da OAB do RJ, ao mesmo tempo em que deixa sérias dúvidas sobre a extensão da influência do marxismo no que é ensinado na área das “ciências” jurídicas.
E o que dizer do movimento estudantil? Este raramente dá mostras de lucidez, carcomido que está nas mãos de uma minoria de estudantes militantes que, para se sentirem “revolucionários”, mostram-se obstinados no projeto da tal universidade popular. Um exemplo dessa obsessão revolucionária nós vemos quando algumas lideranças estudantis apoiam movimentos grevistas na universidade pelo simples fato de que isso lhes dá a oportunidade de demonstrar apoio aos sindicatos envolvidos (algo que soa bem no imaginário deles), indiferente ao que pensa a maioria dos estudantes, para os quais a paralisação não traz benefício algumd+ é o que vimos ano passado quando em pouco menos de três dias cerca de 1800 estudantes da UFSC assinaram uma petição para que o CUn deliberasse pelo retorno as aulas (http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2012N28140). Também, não deixa de ser um típico caso de arroubo juvenil propostas como voto universal para eleição de cargos administrativos na universidade, como se ela cumprisse as mesmas funções que cumprem o congresso e a presidência da República, instituições onde este voto se aplica. Chega a ser tão fútil e cômica tais ideias “reformistas” que ninguém as leva a sério, já que a aplicabilidade delas na universidade poderia ser igualmente empregada, com ligeiras modificações, na nomeação de cargos do judiciário, das Forças Armadas e até mesmo de empresas públicas, proposta tão absurda que nem merece ser comentada.
*Marcelo Carvalho
Professor do Departemento de Matemática