Observando os dez anos que se seguem de 2003 a este 2012 que acabou de se encerrar, e que são também os que marcam uma década do Partido dos Trabalhadores à frente dos rumos do País, temos diante de nós uma verdadeira década distributiva.
O fato é sem dúvida singular. Quando o desenvolvimentismo dos militares fez da economia brasileira uma potência em crescimento, ainda que se pudesse observar ampla expansão no consumo de massas, este não se fazia por meio de um processo distribuição de renda, mas antes através da expansão dos empregos, das elevadas horas extras e até dos muitos bicos a que se dedicavam as famílias trabalhadoras.
Assim, enquanto naquele período a participação dos salários no PIB, que mede a distribuição funcional da renda (entre o capital e o trabalho), não se movia, até porque bloqueada pela brutal repressão política, no período recente os salários passaram de 46,2% (2003) para cerca de 53,4% do PIB (2012).
Do mesmo modo, a distribuição pessoal da renda ‒ que mede, através dos índices de Gini, a diferença entre pobres e ricos, sendo 1 a máxima concentração ‒, naquele tempo admitindo apenas uma discreta redução (de 0,59 em 1976 para 0,56 em 1981), todavia logo descontinuada, passou agora da casa dos 0,58 (2003) para 0,50 (2011). No entanto, neste caso, comparando-se (sempre para o ano de 2008) com os índices de países como Itália (0,33), Espanha (0,32), França (0,28) e EUA (0,46), vê-se que a concentração da renda no Brasil é ainda extremamente elevada.
Ora, uma análise rápida dos dados acima sugere ao menos duas conclusões.
Em primeiro lugar, não são os programas de transferência de renda, Bolsa Família à frente, os responsáveis maiores pelo sucesso dos indicadores sociais dos governos do PT, mas antes a elevação do salário mínimo. Assim, o pensamento conservador que se habituou a associar o sucesso eleitoral desta agremiação apenas aos citados programas ‒ ambos de forte incidência territorial no Nordeste ‒, sofre aqui um sensível abalo. Mas também, é verdade, a esquerda que se esmera na crítica à focalização das políticas sociais em curso ‒ formato, diz-se, caro ao reformismo do Banco Mundial.
Segundo, a elevação do salário real, embora decisiva e certamente associada à necessidade de manter elevadas as taxas de crescimento da economia, não pode ser a única ferramenta para alcançar uma mais rápida distribuição da renda onde os índices são muito concentrados. E aqui está o papel das políticas compensatórias, como as de transferência de renda e as afirmativas (as cotas sociais e raciais nas universidades, recentemente aprovadas). Aliás, a propósito das últimas, vale notar que seria uma tolice acenar com a alternativa dos ‒ sem dúvida necessários ‒ maciços investimentos no ensino fundamental e médio. Até que estes maturassem, uma geração interia de pobres, pretos e pardos estaria perdida.
De fato, foi por estes meios, e por mais que ruborizem os críticos conservadores, que um país como os Estados Unidos logrou alcançar ampla democratização social e racial nos anos 60 do século passado. Processo certamente não desligado de influências da primeira experiência socialista da história, como o demonstram as lutas iniciadas ainda nas décadas de 1930 e 1940 pelo movimento negro estadunidense, que tinha então em Stalin um “novo Lincoln”.
E eis por que também aqui a crítica de esquerda parece um tanto fora de foco, posto desejosa de manter-se à margem de uma cultura política que sua própria história ajudou a forjar.
Marcos Aurélio da Silva
Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia