Em todo o mundo a avaliação de processos, produtos e serviços, no que se refere à análise do desempenho e da relação com consumidores ou usuários, faz parte das preocupações de qualquer empresa, instituição ou órgão público. Trata-se de uma ação de melhoria contínua, e não de uma medida com finalidade punitiva.
No Brasil, por preceito constitucional, cabe ao Estado autorizar e avaliar a qualidade dos cursos superiores. E aqui, na prática, o que se constata é uma inversão da lógica do processo avaliativo, que não leva em conta o objetivo principal de aperfeiçoamento que deveria orientar qualquer ação desenvolvida nesse sentido e se torna meramente punitiva.
A avaliação educacional é questão de extrema complexidade. Nela coexistem muitas diferentes realidades, que precisam ser amplamente averiguadas para que qualquer ponderação levada a efeito possa cumprir a sua finalidade.
A Equotd+Lei do SinaesEquotd+ – que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior e estabeleceu os princípios, normatizou e disciplinou a matéria – foi sábia ao determinar que a avaliação da educação superior atentasse para alguns aspectos fundamentais: diversidade de instituições de ensino superior (IES)d+ diferenças regionaisd+ variação de tipologias e de metodologias usadasd+ desigualdades econômica, social e cultural dos estudantes, dentre outras especificidades. A lei determinou, ainda, que os procedimentos deveriam envolver a autoavaliação das IES, além da avaliação externa realizada pelo Ministério da Educação (MEC) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade).
Mas, considerando que existem mais de 2.300 instituições de ensino superior distribuídas pelo País afora, com uma oferta de cerca de 30 mil cursos e mais de 6,7 milhões de estudantes, a realidade é que o MEC não tem condições de avaliar os cursos conforme determina a lei, mesmo acionando uma média de 10 mil cursos por ano.
Esse fato nunca foi explicado convenientemente à sociedade. A população não sabe que para vencer o desafio de avaliar esse grande número de cursos os técnicos do MEC precisaram encontrar uma alternativa com o objetivo de facilitar a operação. Baseando-se no modelo estatístico de distribuição normal dos resultados (a Curva de Gauss) – que quantifica com notas de 1 a 5 os grandes grupos populacionais e ordena os resultados melhores com as notas 4 e 5 (20%), os piores com notas 1 e 2 (20%) e os medianos com nota 3 (60%) -, o MEC criou o Conceito Preliminar de Curso (CPC), indicador provisório que, por meio de uma fórmula, sinaliza que só os cursos com piores notas (1 e 2) devem receber a avaliação in loco.
Em razão disso, o MEC criou também o Índice Geral de Cursos (IGC) – média ponderada das notas dos CPCs e dos cursos de pós-graduação de cada instituição, para indicar as IES com notas 1 e 2 que deveriam ser efetivamente avaliadas posteriormente por uma comissão presencial. No decorrer do tempo, entretanto, esses índices provisórios se tornaram definitivos. E o péssimo de tudo isso é que a divulgação dos resultados pela mídia, sem esclarecer o mecanismo da medida, classifica as IES pelos seus ICGs, que são somas de conceitos preliminares, e não conclusivos.
O fato é que a verdade sobre essa solução criativa encontrada pelo MEC para diminuir em 70% o seu trabalho nunca foi mostrada. Simplesmente se omite da sociedade que se trata de uma estratégia adotada diante da impossibilidade de se aplicar a lei.
É preocupante, portanto, que um arranjo matemático – baseado principalmente na nota do Enade, um exame de quatro horas de duração, com o qual os estudantes não têm compromisso algum sobre os resultados – esteja sendo aplicado para avaliar os cursos superiores brasileiros. O que seria apenas um exame para conhecer o que o aluno aprendeu em quatro anos é reformatado para apontar os cursos que não teriam bom desempenho. E esses índices provisórios é que estão valendo para qualificar as instituições de ensino superior brasileiras.
É importante acrescentar que o critério do ranking criado por essa prática também não é justo, tendo em vista que privilegia as instituições que recebem os melhores alunos, oriundos da rede privada de educação básica e que têm a possibilidade de estudar no período diurno, em detrimento dos alunos que estudam à noite e precisam conciliar os seus estudos com uma árdua jornada de trabalho.
A lógica do ranking impede, por exemplo, que se estabeleça uma meta na quantidade de doutores a contratar. Isso porque, mesmo que as IES atinjam essa meta, sua posição no ranking dependerá do que as outras instituições fizerem. Afinal, qual é a porcentagem de doutores que uma instituição deve ter? Pela lógica gaussiana, não existe essa meta, é preciso estar acima das demais, ou seja, o resultado final de uma instituição de ensino superior depende do que ocorrer no segmento como um todo.
Nenhuma instituição educacional é contra a avaliação, mas, sim, contra métodos superficiais, nos quais indicadores frágeis se tornaram verdades absolutas, e são capazes de penalizar de maneira irreversível as instituições de ensino e os seus alunos.
O MEC precisa sintonizar-se com a modernidade e perceber que o propósito de qualquer avaliação é promover a melhoria contínua das instituições. A avaliação, acima de tudo, é um processo pedagógico que visa a maximizar a qualidade dos recursos humanos formados pelas instituições educacionais. Avaliar com base num único indicador, sujeito a imperfeições, é incorrer na prática inadmissível do pré-conceito. Neste contexto, precisa reconhecer que o caminho adotado está imperfeito e que urge buscar uma proposta mais justa e coerente com os preceitos legais.
Gabriel Mario Rodrigues é membro nato do Conselho da Presidência do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp).
Nota da redação: O conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores.