Ao julgar o caso da viúva de um servidor público estadual que pleiteava reajuste no valor da pensão, um juiz da 1a Vara da Fazenda de Belo Horizonte decidiu anular os efeitos da reforma da Previdência, de 2003, com base na tese de que a reforma só foi aprovada pelo Congresso mediante compra de votos pelo esquema do mensalão.
Segundo o juiz Geraldo Claret de Arantes, a reforma é “inválida” em razão de “vício de decoro parlamentar”. Com a decisão, o magistrado determinou o pagamento do reajuste, mas o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg) poderá recorrer.
O juiz afirmou que a decisão vale somente para esse caso específico, mas ele diz acreditar que o Supremo terá de decidir futuramente se a reforma previdenciária valerá ou não. “Vale só para esse caso específico e está sujeito a recurso, mas acho importante porque vai suscitar discussão sobre a questão de atingirem o direito adquirido anos atrás”, disse.
No julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros entenderam que o mensalão foi um esquema organizado para compra de votos de parlamentares com o objetivo de assegurar a aprovação no Congresso de projetos de interesse do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A reforma da Previdência teria sido um desses projetos.
O Supremo não chegou a discutir a nulidade de leis votadas pelos parlamentares que receberam dinheiro do mensalão. Durante o julgamento, o revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, chegou a afirmar que, se o STF considerasse que houve compra de votos, deveria, então, anular os efeitos de leis votadas, como a reforma da Previdência. O ministro Celso de Mello também questionou, em argumentação, a validade das leis votadas. Mas outros ministros, como Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Rosa Weber, avaliaram que a legalidade das leis não estava em questão.
A decisão do juiz mineiro beneficia a viúva de um servidor público que morreu em 2004. De acordo com a decisão, ela passará a receber o valor integral da pensão, previsto na Constituição Federal, que é de R$ 4.827,90. Até então, por causa das mudanças de cálculos promovidas pela reforma previdenciária, a viúva vinha recebendo o valor de R$ 2.575,71. Em sua decisão, o juiz Geraldo Claret de Arantes diz que, no contexto do julgamento do mensalão (ação penal 470), foram lançados “holofotes” sobre “o questionamento da validade da Emenda Constitucional 41″, que culminou na Reforma Previdenciária. ”O Ministro relator da referida Ação Penal 470, Joaquim Barbosa, em voto histórico, sustentou com veemência que houve compra de apoio político e de votos no Congresso Nacional entre 2003 e 2004, num esquema organizado pelo PT para ampliar a base de apoio ao governo da época, no parlamento nacional”, es- creve o juiz no texto de sua decisão.
Segundo o juiz, “a votação da Emenda 41 de 2003 foi fruto da aprovação dos parlamentares que se venderam, culminando na redução de direitos previdenciários de servidores e a privatização de parte do sistema público de seguridade”.
Arantes defende que a emenda constitucional não foi votada a partir da “vontade popular representada pelos parlamentares, mas da compra de tais votos”. Assim, conclui o juiz, a emenda torna-se inconstitucional por ser derivada de “vício de decoro parlamentar”.
Ao longo da decisão, de oito páginas, o juiz também se coloca contra as emendas constitucionais, ao dizer que o Estado não pode, “a seu livre convencimento e suposta conveniência, alterar e confiscar os direitos do servidor, como vem acontecendo cada vez mais agressivamente no país, especialmente em relação aos direitos à aposentadoria e à pensão”.
Ele diz que ainda que “todo cidadão, ao fazer suas escolhas profissionais, avalia as condições daquele momento, planejando minimamente como e com o que serão amparados na velhice, bem como as condições em que serão deixados seus filhos, cônjuge e demais parentes em caso de eventual morte”.
Para ele, as emendas à Constituição são “verdadeira violência aos direitos do cidadão” e “desrespeito” ao constituinte. (com informações do G1)