Constrangida pela circunstância de a greve estar identificada ao Andes, a diretoria da Apufsc, inicialmente, fez o que pôde para evitar o debate sobre o movimento nacional. Os fatos falam por si: enquanto a greve era objeto de reportagens constantes na grande imprensa, o Boletim da entidade não trazia uma palavra sobre o tema. Mas essa política do avestruz não tinha como durar para sempre: em 20/21 de junho, um mês depois da deflagração do movimento nacional, a diretoria finalmente viu-se obrigada a render-se à força dos acontecimentos, realizando uma AG para tratar de nossa adesão à greve.
O resultado daquela consulta aos professores trai o nível de despolitização e isolamento a que a chamada Nova Apufsc condenou-nos: tudo o que conseguimos foi agendar para 11 de julho a deflagração da greve na UFSC. Em suma, aderimos, sim, à paralisação da categoria, mas só dois meses depois do início do movimento nacional, justamente quando o recesso escolar começava.
Na mesma AG de 20/21 de junho, foi nomeado um Comitê de Mobilização, a fim de preparar e fortalecer a greve vindoura. Entre a data em que o Comitê foi criado e a data em que a greve efetivamente irrompeu na UFSC, passaram-se vinte dias. Não há notícia de que, nesse prazo, o referido Comitê de Mobilização tenha tomado qualquer iniciativa: não se viu nenhuma ação mobilizatória, nenhum mísero texto a respeito da greve, nenhum contato com as instâncias nacionais responsáveis pela condução do movimento e, o que é mais importante, nem mesmo a convocação de reuniões por Centro, a bem de constituir um Comitê de Greve que respeitasse as melhores tradições de organização da categoria na UFSC. Nada. Ou, melhor: nada, a não ser a autotransformação do Comitê de Mobilização em Comitê Provisório de Greve – uma provisoriedade que, a propósito, estender-se-ia até o último dia do movimento na UFSC.
O Comitê Provisório Local de Greve logo revelou-se um continuador da política da diretoria em tempos de normalidade. Com o único fito de impedir o fortalecimento do Andes, o CLG moveu-se a passos de cágado na hora de encaminhar o óbvio: a ida de representantes nossos ao Comando Nacional, instância que não apenas alavancou e sustentou a greve, mas que era também, por razões evidentes, a única capaz de realmente interferir nos rumos da negociação. A idéia de – no dizer de um dos diretores da Apufsc – Equotd+não pôr a azeitona na empada do AndesEquotd+ levou-nos a uma situação ridícula, paroxística, aloprada: permanecemos do começo ao fim da greve a discutir propostas e contrapropostas in abstracto, como se participássemos de um mero exercício acadêmico, sem nenhuma conseqüência prática possível. A greve mais parecia um simpósio universitário sobre salário e carreira.
Para marcar ainda mais a oposição sectária e radical ao Andes (que, nesse caso, mercê das circunstâncias, era também uma oposição à realidade), a diretoria – sob o silêncio cúmplice do Comitê Provisório de Greve – formou fileiras com o Proifes. Recordemos a novela em seus detalhes. Um convite da entidade pelega chega à diretoria: esta teria, se desejasse, assento na mesa de negociação (um nome pomposo para a farsa que o Proifes encenava com o governo, na tentativa de alijar o CNG-Andes – isto é, os professores em greve – do processo decisório). A diretoria – em deliberação de gabinete, sem a anuência da categoria – prontamente atendeu ao chamado do Proifes. Ato contínuo, o Proifes indicou a saída de greve, no que foi imediatamente secundado pelo Comitê Local. A categoria, em decisão apertada, recusou localmente o indicativo. A greve continuou, se bem que perseverou também a inacreditável circunstância que relegava o movimento local à condição de mero simpósio universitário sobre carreira e salário.
Pois bem: o simpósio acabou. Não quero desprezar o fato de que mais de 900 docentes compareceram ao plebiscito que determinou o fim da greve. Mas, convenhamos, não há muito a comemorar nesse número. Nada há de notável no fato de os professores da UFSC, em seu próprio local de trabalho, descerem as escadas (ou o elevador, para os mais cansados ou comodistas), assinarem o nome em uma lista e marcarem um xis na cédula de votação. Só mesmo em um ambiente tão despolitizado e esvaziado quanto o nosso, isso pode ser brindado como um grande acontecimento. De resto, o último ato do CLG – a atribuição de uma única urna aos não filiados, na sede da Apufsc – conspurcou a legitimidade do pleito (é preciso lembrar que a ordem jurídica vigente assegura tratamento idêntico a sindicalizados e não sindicalizados em períodos de greve: ambos têm os mesmos direitos de voz e voto. A desculpa dada pela diretoria da Apufsc para a tal urna única – fazer do plebiscito uma ocasião para que os não sindicalizados conhecessem a sede da Apufsc – é de uma desfaçatez sem tamanho, tanto mais se se considera o fato de que, entre os não sindicalizados, cujo comparecimento ao plebiscito foi obviamente dificultado, contam-se os colegas ligados ao Andes local, que certamente estavam dispostos a indicar a continuidade de uma greve que a diretoria da Apufsc e o Comitê Local de Greve jamais quiseram e que desejavam abreviar a qualquer preçoEquotd+).
Não tenho dúvidas de que a Nova Apufsc deve muito aos governos Lula e Dilma. Eles deram-nos uma certa trégua. Ofereceram-nos reajustes espontâneos até recentemente. Em seguida, quando a greve foi necessária, ofereceram-nos mais ou menos rapidamente um troco cheio de truques deletérios, mas suficiente para salvar as aparências em ambientes desinformados e despolitizados, tais como os que o Proifes e a Diretoria da Apufsc fomentam. Experiências – que eu preferia chamar de brincadeiras com nossas carreiras e salários – como o MDIA ou essa greve/simpósio acadêmico jamais seriam possíveis sem a pax lulista.
Espero que o PSDB nunca volte ao poder. Mas, se chegar, preparem-se: a porca vai torcer o rabo. Diante de um avatar de Paulo Renato, veremos o quanto valem o isolamento, o radicalismo e o sectarismo anti-Andes que a Nova Apufsc – a custa de expedientes que incluem ilegalidades, golpismo e autoritarismo – está consolidando. Veremos o quanto vale transformar greves em simpósios acadêmicos. Veremos o quanto vale reduzir a atividade sindical a assinar o nome e fazer um xis em um papel.
Fábio Lopes da Silva, Professor do DLLV/CCE