Em um artigo publicado neste boletim, intitulado O Estado Laico, o professor Waldir José Rampinelli, do Departamento de História, incomodado com uma missa que teria sido convocada pela administração da universidade, apoia-se na sua visão de Estado laico para exercer um patrulhamento ideológico na nova gestão da UFSC, ao afirmar que: “nem sequer um culto ecumênico deveria acontecer. No entanto, foi-se mais longe: buscou-se uma missa. Esta é a do primeiro dia da gestão! Que não venha outra”.
Ora, o Estado laico, ou secular, caracteriza-se tanto por não possuir uma religião oficial, como também por permanecer neutro com relação às expressões religiosas. Esta neutralidade importa no respeito às crenças, na garantia de boa convivência entre os credos e religiões e na inexistência de discriminação e de preconceito.
O respeito às religiões e crenças pressupõe o respeito às suas manifestações e propriedades e às suas contribuições para a sociedade. É sabido que, não somente no Brasil – que começou o registro civil de nascimentos no início do século XX – como também em diversos países europeus, os registros de nascimentos e casamentos já no século XIX só existiam nas Igrejas.
O registro civil foi um avanço recente e uma conquista a comemorar, sem, entretanto, invalidar a anterior.
A separação da Igreja e do Estado foi uma conquista e neste pequeno particular concordo com o professor Rampinelli. Mas, discordo plenamente quando ele apregoa como vantagens desta conquista as leis de reforma no México, que “expropriaram os conventos, transformando-os em repartições públicas e tomaram as terras eclesiásticas, vendendo-asd+ apoderaram-se dos templos, das escolas religiosas e dos cemitérios, secularizando-os. Até algumas festas religiosas foram suprimidas.” Foi uma ação de vendeta. Sabe-se que todo conquistador submete o conquistado às humilhações da perda de liberdade, de propriedade, de crença e de direitos políticos. O revolucionário vitorioso submete o povo às mesmas humilhações. Esta é uma realidade histórica, mas não é uma vantagem a ser comemorada e tomada como ideal.
Por outro lado, não vejo como ideal a atitude revanchista do revolucionário Pancho Villa em prender padres professores lasallistas, cobrar resgate de 100 mil pesos e despachá-los como carga ferroviária para os Estados Unidos. Além da violência aos direitos humanos, o exemplo que o professor traz à baila, mostra um gosto pela violência e uma discriminação contra religiosos. Tecer loas à prisão de padres já é um comportamento discriminatório. Se no lugar de padres ele citasse gays, lésbicas ou negros, certamente sofreria um processo de discriminação baseado em específica legislação pátria.
Uma preocupação estranha do professor de História é sobre a reação dos pró-reitores ateus e chefias agnósticas. Ora, um ateu não crê em Deus. O que pode incomodá-lo uma coisa que ele não crê? O agnóstico está em dúvida: nem sabe se Deus existe ou não existe. O que pode incomodá-lo uma missa a que nem é obrigado a ir? Crê o professor Waldir que estas autoridades universitárias não têm discernimento suficiente para fazer suas escolhas? Estaria o professor preocupado que a presença deles em uma missa fosse convertê-los ao Deus de Abrão, Isaac e Jacó?
Uma das formas legítimas do exercício do poder é o convencimento. Do convencimento através de argumentos racionais, pela percepção de coisas e ideias ao alcance ou fora do alcance de nossos sentidos, pela inteligência e por percepções que só a mente humana é capaz de alcançar.
Há, também, formas ilegítimas de exercer o poder: uma delas é a do constrangimento, quando se pretende pautar o comportamento de alguém ou de uma instituição através de ameaças veladas, ou de insinuações sutis de represália. Isto é feito quando os argumentos estão fracos e as outras duas formas de exercício de poder – a compra e o exercício da força – não estão disponíveis.
Esta forma de exercer o poder pelo constrangimento também é conhecida como assédio moral ou patrulhamento ideológico.
Que a nossa universidade continue a ser crítica e criativa, aberta a todas as vertentes de pensamento, crenças e valores, mantendo a liberdade e o respeito à dignidade humana, para gerar e difundir conhecimentos para o bem de todos e livre da discriminação de toda ordem.
Hamilton Schaefer
Professor Titular da UFSC