Comentários sobre o artigo “O Estado Laico” (Apufsc-Sindical, n. 770, 28 de maio de 2012)
Gostaríamos, inicialmente, de elogiar a iniciativa da Apufsc em implementar esse meio de comunicação rico, que é seu boletim, permitindo sempre o acesso às notícias perti-nentes e o debate democrático.
No intuito de colaborar com esse veículo de comunicação, gostaríamos de tecer alguns comentários sobre o artigo recentemente publicado, intitulado “O Estado laico”, cuja premissa é de singular lucidez – a Administração Pública é, e deve ser, laica – ponto em que apoiamos o autor. Porém, não vamos inteiramente no mesmo sentido quanto à con-clusão. Sim, pensamos diferente no que toca ao conteúdo da laicidade e suas conse-quências.
Com efeito, ali a laicidade foi exposta como um fenômeno que devesse oprimir as pes-soas em suas convicções, impedindo-as de manifestarem-se. Seria uma imposição estatal de abstenção das pessoas de exteriorizarem aquilo que são: os crentes, manifestando sua crença. Apareceria aí uma Administração estatal uniformizante, impositiva, diríamos que para alguns, até mesmo, asfixiante.
É de comemorar que essa visão da laicidade é bastante minoritária. Sim, pois a ter pre-valecido na história, de modo que a arte, a cultura e a ciência tivessem asfixiado os ele-mentos de espiritualidade dos personagens ilustres de sua história, a poesia não contaria com a Divina Comédia de Dante, a prosa estaria privada de “Os irmãos Karamazov”, a escultura não teria a Pietá, Michelangelo seria um anônimo, a música ignoraria Johann Sebastian Bach, e o corcovado não seria conhecido em todo o mundo, porquanto não abrigaria uma das sete maravilhas do mundo moderno: a imagem do Cristo Redentor. Além disso, a comunidade como um todo não contaria com os progressos trazidos pela religião, como bem apontou o historiador de Harvard Thomas Woods, em seu livro re-centemente traduzido para o português, “Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental”, ou ficou consignado no clássico de Christopher Dawson, “Progresso e Reli-gião”.
Não, não é aquela a faceta da sã laicidade. De fato, a Revolução Mexicana deixou um milhão de mortos, e se manifestou em um Estado engajado religiosamente, que combatia as pessoas que confessavam uma fé diferente da professada pela classe dominante que guiava o timão do Estado. Perseguiu pessoas pelo simples exercício do direito de acreditar, espoliou bens de inocentes, privou-os de qualquer devido processo, impôs sua própria crença mediante a lavagem cerebral institucional em estabelecimentos de ensino, oprimindo aqueles que apenas queriam pensar diferente. Indubitavelmente, não é essa a cara que queremos para nosso Brasil, mas sim uma marcada pela tolerância, pela alegria, pela abertura.
O Estado laico não é aquela caricatura pintada pelo fanatismo, pela intolerância aos que creem. Pelo contrário, ele é o locus próprio onde floresce a flor de lis dos regimes de-mocráticos, qual seja, a pluralidade. Decerto, o estado laico – que configura uma grande evolução – não é uniformizante, não obriga todos a agirem de uma única forma: ausência total de manifestação da fé. Em absoluto, ao invés, ele respeita a espontaneidade das manifestações pessoais, valoriza a pessoa com suas convicções. Aos católicos, Missa, sim, e às demais confissões suas celebrações, igualmente respeitadas.
Realmente, a laicidade estatal, no Brasil, data de 7 de janeiro de 1890, mediante a edi-ção do Decreto 119-A, da lavra do ministro Rui Barbosa, o mesmo que sendo histórico defensor da liberdade dos cultos e da separação entre Igreja e Estado sustentava que “a nossa lei constitucional não é antirreligiosa, nem irreligiosa”.
O Estado é laico sim, e por isso mesmo não impede sua população de ser religiosa. Tampouco, a impõe que o seja. Apenas respeita as livres manifestações de seus cidadãos.
Aliás, a própria Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu art. XVIII, ao prever que “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião”, explicita que esse direito abrange “a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.
Assim, diante das grandes exigências da vida cotidiana, ordinária, comum, dentro do absorto da labuta diária, expressões de devoção e de carinho Transcendente são signifi-cativamente louváveis. Nessas, o hino de louvor, glória, ação de graças, petição e pedido de perdão pelos erros pessoais que são as intenções fundamentais da liturgia Católica na Missa ficaram ressaltados com o ato proposto pela nova administração da Universidade Federal de Santa Catarina no início de seu mandato.
Esse ato mostra que num estado laico a população que forma e informa esse mesmo estado é religiosa, e se poderia dizer no sentido mais estrito do termo religião, isto é, religar (do latim religio).
A laicidade é a qualidade da grande maioria das pessoas num estado, ou seja, condição leiga, não religiosa, não comprometida canonicamente com um estado de vida religioso, por exemplo, um frei franciscano. A condição leiga é condição sine qua non para a con-tinuidade de um povo, através da constituição da família natural onde há, por natureza, a coabitação e a geração dos filhos.
Entretanto, uma sociedade que dá vazão – formal ou informalmente – a atitudes laicistas (patologia comportamental contrária e discriminatória a religião) não promove a verda-deira liberdade ao ser humano e as pessoas do estado em que a exemplificada sociedade informa.
Portanto, gostaria de aproveitar o espaço do boletim da Apufsc-Sindical para parabeni-zar a nova administração pela iniciativa proposta da Missa de ação de graças. E se pes-soas de outro credo quiserem livremente manifestar suas convicções, apreciamos que tenham essa mesma possibilidade.
Assim, o que temos a dizer é que discordamos de manifestações que visem oprimir a liberdade de crença de quem quer que seja. Os que não compactuam, jamais serão for-çados a participar. Mas não devem tentar impor seu modo de pensar e de viver – priva-dos das manifestações religiosas – aos demais. Tampouco, buscar estigmatizar a forma de crer e o expressar dos outros.
Ao fim e ao cabo, viva a liberdade!