Levantamento feito pelo jornal O Globo, com base em microdados do IBGE, mostra que, em 2010, a renda média de um professor do ensino fundamental equivalia a 59% do que ganhavam os demais trabalhadores com nível superior no País. Em uma década, essa relação melhorou – era de 49%, em 2000. Nesse período, os professores da educação básica ganharam aumentos acima da média dos outros profissionais de nível universitário. Os acréscimos, no entanto, foram insuficientes para reverter o quadro.
Segundo o IBGE, porém, a diferença para demais profissionais com nível superior caiu. O salário dos professores da educação básica no Brasil registrou, na década passada, ganhos acima da média dos demais profissionais com nível superior, fazendo encurtar a distância entre esses dois grupos. Esse avanço, no entanto, foi insuficiente para mudar um quadro que tem trágicas consequências para a qualidade do ensino: o magistério segue sendo a carreira universitária de pior remuneração no país.
Tabulações feitas pelo jornal mostram que a renda média de um professor do ensino fundamental equivalia, em 2000, a 49% do que ganhavam os demais trabalhadores também com nível superior. Dez anos depois, esta relação aumentou para 59%. Entre professores do ensino médio, a variação foi de 60% para 72%.
Apesar do avanço, o censo revela que as carreiras que levam ao magistério seguem sendo as de pior desempenho. Entre as áreas do ensino superior com ao menos 50 mil formados na população, os menores rendimentos foram verificados entre brasileiros que vieram de cursos relacionados a ciências da Educação – principalmente Pedagogia e formação de professor para os anos iniciais da educação básica.
Em seguida, entre as piores remunerações, aparecem cursos da área de religião e, novamente, uma carreira de magistério: formação de professores com especialização em matérias específicas, onde estão agrupadas licenciaturas em áreas de disciplinas do ensino médio, como Língua Portuguesa, Matemática, História e Biologia.
Achatamento – Pagar melhor aos professores da educação básica, no entanto, é uma política que, além de cara, tende a trazer retorno apenas a longo prazo em termos de qualidade de ensino. A literatura acadêmica sobre o tema no Brasil e em outros países mostra que a remuneração docente não tem, ao contrário do que se pensou durante muitos anos, relação imediata com a melhoria do aprendizado dos alunos.
No entanto, o achatamento salarial do magistério traz sérios prejuízos a longo prazo. Esta tese é comprovada por um relatório feito pela consultoria McKinsey, em 2007, que teve grande repercussão internacional ao destacar que uma característica dos países de melhor desempenho educacional do mundo – Finlândia, Canadá, Coreia do Sul, Japão e Singapura – era o alto poder de atração dos melhores alunos para o magistério.
“Não dá para imaginar que, dobrando o salário do professor, ele vai dobrar o aprendizado dos alunos. O problema é que os bons alunos não querem ser professores no Brasil. Para atrair os melhores, é preciso ter salários mais atrativos”, afirma Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos Pela Educação.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin de Leão, concorda com o diagnóstico da baixa atratividade da profissão. Ele afirma que a carreira de professor, salvo exceções, acaba atraindo quem não tem nota para ingressar em outra faculdade.
Para Roberto Leão, salário é fundamental, mas não o suficiente para melhorar a qualidade do ensino. “Sem salário, não há a menor possibilidade de qualidade. Agora, claro que é preciso mais do que isso: carreira, formação e gestão”.
Priscila Cruz também diz que o salário é só parte da solução. “É preciso melhorar salários para que os alunos aprendam mais. Mas o profissional também tem que ser mais cobrado e responsabilizado por resultados. Não pode, por exemplo, faltar e ficar tantos dias de licença, como é freqüente”.
Líder – Os professores do Distrito Federal recebem os maiores salários da categoria no Brasil, conforme o censo do IBGE. Nem por isso deixaram de fazer greve este ano. Durante 52 dias, cruzaram os braços para reivindicar isonomia com as demais carreiras de nível superior. O sindicato diz que um profissional ganha, em média, R$ 5 mil por mês – o que deixaria o magistério em 23º lugar, dentre 26 áreas do governo local.
No balanço feito pelo O Globo a partir do censo do IBGE, o DF ficou na primeira posição do ranking salarial de professores por estado, tanto no ensino médio (R$ 4.367) quanto no ensino fundamental (R$ 3.412). O Rio de Janeiro foi o 4º no ensino médio, com renda mensal de R$ 2.778d+ e o 9º no ensino fundamental, com R$ 1.882. Os dados são de 2010 e consideram profissionais da rede pública e privada.
O Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) diz que o resto do País não serve de parâmetro. É que, no DF, o governo federal banca despesas de Segurança Pública e parte dos gastos com Educação e Saúde. “Não podemos comparar o salário do Distrito Federal com o de outros estados e sim com os dos demais trabalhadores do DF. A grosso modo, todas as carreiras do DF têm salários maiores: o médico ganha mais, o policial ganha mais”, diz a diretora de Imprensa do Sinpro, Rosilene Corrêa.
A greve terminou no último dia 2. Para recuperar aulas, as escolas funcionarão aos sábados até o fim do ano.
O professor de Português Carlos Eugênio Rêgo, de 47 anos, recebe salário bruto de R$ 7.464,42 por mês. Ele leciona há 21 anos e está perto do topo da carreira, cuja remuneração vai de R$ 2.426,69 a R$ 8.794,44, conforme tabela do Sinpro. Trabalha no Centro de Ensino Médio Setor Oeste, escola da rede pública de Brasília com melhores resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) à exceção de colégios militares. Ele diz que, ocasionalmente, dá aulas em cursinhos para complementar a renda. “O ponto fundamental é a isonomia. Incomoda muito a enxurrada de reportagens dizendo que temos o maior salário do Brasil. Tem que levar em conta o custo de vida”, diz Carlos Eugênio.
Já o professor de Física Lucélio Oliveira Fernandes, 42 anos, conta que o Setor Oeste não tem laboratório de Ciências e dispõe de apenas dois docentes de Física para 1.140 alunos de ensino médio. Segundo ele, seria necessário pelo menos mais um profissional. “E olha que dizem que essa é a melhor escola do DF. Fico imaginando como é a pior”, afirma Lucélio.
Às vésperas da aposentadoria, o professor de Geografia e Artes Francisco Chagas Rocha, o Paco, de 64 anos, vê descaso na forma como os governos, depois de eleitos, tratam o magistério. “Se você ganha seis ou sete mil reais por mês, acaba ganhando (líquido) 3.500 reais. E o GDF [governo do Distrito Federal], escreva aí, por favor, o GDF, cretinamente, diz que o professor ganha bem”, diz Paco.
Medicina – No outro extremo das carreiras universitárias, o Censo 2010 do IBGE mostra que nenhuma outra área é tão vantajosa, em termos financeiros, quanto Medicina. Os médicos têm os maiores salários e a menor taxa de desemprego entre profissionais com nível superior: apenas 0,7%.
Engenharia Civil e Construção é a segunda de melhor remuneração no País e a terceira com menor taxa de desemprego (1,7%). Ao menos no que diz respeito ao desemprego, as carreiras docentes não são tão ruins, com taxas médias próximas a 3% (a média nacional para todas era de 8% em 2010)
“O caso da Medicina chama atenção. Taxa de desocupação baixa, renda média elevada e 42% dos profissionais possuem dois empregos [ou mais], fixando-se em grandes centros urbanos. Há déficit de profissionais para suprir a demanda nacional e elevada concentração nos grandes e médios centros urbanos”, diz Henrique Heidtmann, coordenador de graduação da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV.
Para ele, este quadro levanta um desafio importante de fixação de profissionais em regiões afastadas dos centros urbanos, que precisam oferecer salários bem maiores que os dos grandes centros e, mesmo assim, encontram dificuldades para contratar médicos.
Presidente da Federação Nacional dos Médicos, Cid Carvalhaes ressalta que médicos trabalham, em média, 62 horas semanais, o que ajudaria a explicar a renda elevada, e reclama de vínculos empregatícios precários e de falta de segurança e equipamentos. “Não tem desemprego para médico hoje. Tem subemprego. Para conseguir esse salário médio mensal, ele cumpre jornada 50% maior que a de qualquer outro profissional e trabalha à noite, aos sábados, domingos e feriados”.
Na avaliação de Edson Nunes, pró-reitor da Universidade Candido Mendes e ex-presidente do Conselho Nacional de Educação, apesar de algumas carreiras terem renda e desemprego maiores que outras, as taxas são sempre melhores que as da população sem diploma universitário. Mas pondera que nem sempre o profissional de nível superior consegue emprego em sua área de formação.
Professor da FGV, Kaizô Beltrão observa outro ponto importante. “Existem atividades em que há pessoas com diplomas de nível superior atuando em profissões que requerem só nível médio ou outros níveis. São profissionais com diploma de nível superior atuando em posições que não exigem graduação”.